27 Abril 2018
É um passo sem precedentes e é assim que o Dr. James Hamilton o aprecia. Ele é um dos três convidados pelo Papa neste final de semana para a Casa Santa Marta, a residência de Francisco no Vaticano, onde quer pedir-lhes pessoalmente perdão, “compartilhar sua dor e vergonha pelo que sofreram e, acima de tudo, ouvi-los sobre todas aquelas sugestões que podem ajudar a evitar a repetição de semelhantes atos repreensíveis”, de acordo com um comunicado da Santa Sé.
A entrevista é de Victoria Dannemann, publicada por Deutsche Welle, 26-04-2018. A tradução é de André Langer.
É também o que o médico chileno espera. “São necessárias medidas concretas, reformas profundas e que representem uma contribuição séria para que a Igreja seja mais uma vez espaço e expressão de acolhida e não de fuga”, disse ele em entrevista à Deutsche Welle.
James Hamilton já está em Roma, assim como o jornalista Juan Carlos Cruz. Nesta sexta-feira também deverá chegar o filósofo José Andrés Murillo, diretor da Fundação para a Confiança. Em sua juventude, eles foram vítimas de Fernando Karadima, um ex-pároco de uma influente igreja em Santiago, punido a uma vida retirada do exercício pastoral, depois que numerosos casos de abusos sexuais e de consciência foram comprovados.
Atualmente, eles denunciam uma rede de acobertamento na Igreja, que permitiu que os crimes se prolongassem por décadas e favoreceu que sacerdotes formados por Karadima chegassem a ocupar posições de poder. Um deles seria o bispo de Osorno, Juan Barros, que o Papa defendeu publicamente durante a sua visita de janeiro ao Chile, provocando um mal-estar generalizado.
Após tomar conhecimento do relatório do arcebispo Charles Scicluna, enviado ao Chile para ouvir as vítimas, o Papa reconheceu que havia cometido “graves erros de avaliação”. Neste fim de semana vai acolher os três emblemáticos denunciantes de um escândalo que abalou a sociedade chilena.
Eis a entrevista.
Quais são as suas expectativas em relação ao encontro próximo com o Papa?
Sem dúvida, esta visita provoca grandes expectativas. Estamos abertos ao diálogo, mas também esperamos ações concretas.
O que significa para você ter recebido este convite?
Eu penso que é um primeiro grande passo. É uma forma bem impressionante de reparação que o Papa Francisco faz, não apenas conosco, mas com todas as vítimas de abusos. A declaração (conhecida através do comunicado da Santa Sé) é um segundo grande passo de reparação, concreto, e um gesto muito humilde de sua parte. É também um roteiro de trabalho: convida-nos a propor mudanças e a participar desta gesta que é transformar a Igreja e a sociedade civil em espaços de proteção de crianças, jovens e todos aqueles que ainda buscam na Igreja um lugar de acolhida e proteção, como tem sido durante muito tempo, pelo menos no Chile. Cooperar e avançar nisso nos encoraja, nos dá esperança e estamos felizes em poder contribuir.
Após a visita do Papa ao Chile, você expressou grande incômodo e decepção. Qual é o seu estado de ânimo e quais são seus sentimentos em relação ao encontro?
O sentimento hoje é de muita calma, de escuta e espera. Eu acho que nos últimos meses estão sendo tomadas medidas impensáveis.
Que novos passos vocês esperam?
São necessários passos concretos: uma reestruturação da hierarquia, que sacerdotes que foram protegidos também por poderosos grupos econômicos sejam evidenciados e sejam removidos de qualquer trabalho com pessoas. Estas são medidas absolutamente necessárias para a reparação de todas as vítimas e suas famílias. Não podemos esquecer que há vítimas que não resistiram, que tiraram suas vidas, e famílias que estão nesse luto permanente.
O Papa informou que irá recebê-los individualmente e os ouvirá durante todo o tempo que for necessário. Como vocês se prepararam e encaram esse encontro?
Tentando ser o mais respeitoso e humilde possível, mas ao mesmo tempo contribuir com a verdade. Como disseram Juan Carlos Cruz e José Andrés Murillo, esta não é uma reunião de marketing. É um encontro que tem uma força inédita, um empurrão nunca antes visto para avançar nesses temas. Estamos dispostos a contribuir com a melhor das vontades, como pessoas normais, que se dedicam à sua vida, à sua família e às suas profissões. Essa normalidade é também uma contribuição para o clero e o Vaticano, que, às vezes, estão separados da realidade cotidiana.
Você acredita que o relatório do arcebispo Scicluna depois de ouvir as vítimas marcou uma mudança na atitude do Papa?
O que marcou a virada foi o resultado da visita do Papa ao Chile. Penso que ele nunca imaginou que o povo chileno não apoiaria uma visita na qual não se haviam solucionado as questões pendentes dos abusos, o que as pessoas no Chile consideram uma falta muito grave. Hoje não se tolera que o discurso esteja em desconformidade com a prática.
Uma das demandas no Chile é a saída de bispos como Barros, que teriam acobertado abusos na Igreja. Vocês vão abordar essa questão?
Claro. É preciso remover Barros para a tranquilidade e a paz social de Osorno, mas sua saída e a de outros hierarcas não resolve o problema de fundo. São necessárias mudanças estruturais em muitas questões na Igreja, como a gestão da segurança de crianças e adolescentes, punições drásticas para acobertadores, castigos para os infratores, entrega à Justiça civil e como se previne sua presença, como são isolados ou afastados da sociedade.
Parte da prevenção é evitar que eventuais abusadores se tornem sacerdotes...
Há muitos fatores a serem considerados, desde a seleção dos aspirantes a sacerdotes e medidas tão revolucionárias como permitir que eles se casem e tenham família. Ao pré-selecionar pessoas que querem viver uma vida celibatária, que atualmente é muito difícil e muito dura, estas devem ser muito sólidas em seus perfis psicológicos e passar por avaliações prévias para avançar nesse caminho. Essa não é a questão agora, mas provavelmente será no futuro. No momento, temos que nos concentrar na vigilância, na punição, na entrega à Justiça, na seleção dos candidatos e na criação de ambientes de proteção.
Você acredita que esta reunião ajudará a restaurar a confiança da sociedade chilena na Igreja?
Evidentemente esperamos que esse seja o caso, porque há uma grande população católica no Chile e, não apenas para essa população, a Igreja pode voltar a ser luz em muitas questões em que deu a pauta para o cuidado do ser humano. No mundo, a Igreja segue sendo uma instituição que, quando exerce uma adequada liderança moral e ética, pode ser um farol de luz que mostra a direção para a qual o resto do mundo, que enfrenta guerras e injustiças, possa olhar.
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Chile. "Este é um gesto de reparação e humildade do Papa". Entrevista com James Hamilton - Instituto Humanitas Unisinos - IHU