08 Julho 2018
“O Oriente Médio se tornou um lugar onde as pessoas deixam suas próprias terras para trás. Com isso, a fé de nossos irmãos e irmãs pode desaparecer, desfigurando as características dessa região. Um Oriente Médio sem cristãos não seria o Oriente Médio”, disse o Papa, denunciando a "indiferença assassina" na região torturada, de onde muitos cristãos fogem. Na Síria, eles passaram de 2,2 milhões para 1,2 milhão, enquanto no Iraque caíram para 250 mil, em contraste aos 1,5 milhões no início dos anos noventa.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 07-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Francisco e os patriarcas orientais (Foto: Reprodução Vatican Insider)
Com Francisco em Bari, há cerca de vinte chefes de Igrejas cristãs, além de católicos, ortodoxos e protestantes no Oriente Médio. Entre eles estão o Patriarca de Constantinopla Bartolomeu, Teodoro II de Alexandria, o Metropolita Hilarion da Rússia, o Patriarca ortodoxo sírio Mar Gewargis II, os patriarcas das Igrejas católicas orientais, incluindo Pierbattista Pizzaballa (Patriarcado Latino de Jerusalém), os cardeais Béchara Rai (maronitas do Líbano) e Louis Raphael I Sako (caldeus do Iraque), e o bispo luterano da Jordânia, Sani Ibrahim Azar.
Antes da reunião de oração à beira-mar em Bari, Francisco e os Patriarcas se reuniram na Igreja onde estão os restos de São Nicolau, um Santo venerado em todo o Oriente cristão. No limiar da basílica, o Papa Bergoglio deu as boas-vindas e abraçou, um a um seus convidados, que haviam sido convocados a esta cidade de ligação com o Oriente para refletir sobre a situação de uma região atormentada. O pontífice e os patriarcas desceram à cripta para venerar as relíquias de São Nicolau. Francisco se ajoelhou com dificuldade e acendeu a “lâmpada uni-chama”, que queima perpetuamente naquele lugar. Ela tem a forma de uma caravela, é alimentada por duas fontes de óleo e indica que uma única fé é vivida nas duas tradições, a oriental e a ocidental, sendo iluminada pelo Papa Pio XI e doada em 1936 por uma associação romana.
Após a oração a São Nicolau, o Papa e os Patriarcas se deslocaram de ônibus ao longo da avenida, para a 'rotonda', à beira-mar, onde é realizada a reunião de oração, introduzida pelas palavras de Francisco. “Viemos como peregrinos a Bari, esta janela aberta ao Oriente vizinho, levando em nossos corações a Igreja, o povo e todos aqueles que vivem em situações de grande sofrimento. Dizemos a eles: "Estamos perto de você", declarou o Papa.
“Enquanto contemplamos o horizonte e o mar, nos sentimos atraídos a viver este dia com mentes e corações voltados para o Oriente Médio, a encruzilhada das civilizações e o berço das grandes religiões monoteístas. Do Oriente Médio, o Senhor veio nos visitar. De lá, a luz da fé se espalhou pelo mundo. Há sempre novas correntes de espiritualidade e monaquismo. Há ritos antigos e únicos que se mantêm preservados, juntamente a um inestimável patrimônio da arte e teologia sagradas. Lá, a herança de nossos grandes Padres na fé continua viva. Essa tradição é um tesouro a ser preservado, pois no Oriente Médio estão enraizadas nossas próprias almas”, afirmou Bergoglio.
“No entanto, esta região tão cheia de luz, especialmente nos últimos anos, foi coberta por nuvens escuras de guerra, violência e destruição, instâncias de ocupação e variedades de fundamentalismo, migração forçada e negligência. Tudo isso aconteceu em meio ao silêncio cúmplice de muitos”, ressaltou Francisco.
“Vamos orar como um só, implorando ao Senhor do céu pela paz que os poderosos do nosso mundo ainda não conseguiram encontrar. Das águas do Nilo até o vale do Jordão, do rio Orontes até o Tigre e o Eufrates, pode ressoar o apelo do Salmo: “Que a paz esteja convosco!”, completou o Pontífice.
Com o salmo, oferecemos esta oração de maneira especial a Jerusalém, cidade santa, amada por Deus e ferida pelos homens, pela qual o Senhor continua a chorar: “Que a paz esteja convosco!”
“Que haja paz!”, é o grito de todos aqueles que são “Abel” nos dias de hoje, explica o Papa. Um grito que se eleva ao trono de Deus. A indiferença mata e desejamos elevar nossas vozes em oposição a essa indiferença assassina. Queremos dar voz àqueles que não a possuem, àqueles que só podem enxugar suas lágrimas. Hoje, o Oriente Médio está chorando, sofrendo calado, enquanto outros pisam nessas terras em busca de poder e riqueza. Em nome dos pequenos, dos simples, dos feridos e de todos aqueles que estão ao lado de Deus, vamos implorar: "Que haja paz!".
A reunião continuou com leituras e orações. Com significado peculiar, o Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, Lê em grego: "Senhor Jesus Cristo, inspire coisas boas no coração daqueles que querem a guerra, e traga paz aos nossos corações. Liberte-nos de todos os homens maus e gananciosos. Propague no nosso coração e no deles um espírito de justiça, reconciliação e amor por nossos irmãos e irmãs”. O Papa Copta de Alexandria, Tawadros II, fez sua leitura em árabe: “Senhor, agradecemos por todo apoio. Porque nos protegeu, nos ajudou, nos preservou, nos acolheu, nos salvou”. Tawadros, cuja catedral dedicada a São Marcos no Cairo tem colunas manchadas com o sangue dos mártires de recentes ataques fundamentalistas, rezou por “todos aqueles que morreram pelo seu santo nome”.
No final da vigília de oração à beira-mar, Francisco e os Patriarcas, a bordo do ônibus, retornaram à Basílica de São Nicolau, onde iniciaram um diálogo de duas horas e meia a portas fechadas. Depois de um relatório introdutório do arcebispo Pizzaballa, Administrador do Patriarcado Latino de Jerusalém, os líderes religiosos discutiram abertamente e longe das câmeras sobre a situação no Oriente Médio e as condições dramáticas dos cristãos naquela região. Às 13h30, o Papa junto de seus convidados, almoçam na arquidiocese.
Amados irmãos! Chegamos como peregrinos a Bari, janela aberta para o Oriente vizinho, trazendo no coração as nossas Igrejas, os povos e as inúmeras pessoas que vivem em situações de grande sofrimento. Dizemos-lhes: «Estamos convosco».
Amados Irmãos, muito obrigado por terdes vindo, generosa e prontamente, aqui. E sinto-me muito grato a todos vós que nos acolheis nesta cidade, cidade do encontro e da hospitalidade. Sustenta-nos, no nosso caminho comum, a Mãe de Deus, aqui venerada como Odigitria, Aquela que mostra o caminho.
Aqui repousam as relíquias de São Nicolau, bispo do Oriente, cuja veneração sulca os mares e cruza as fronteiras entre as Igrejas. O Santo taumaturgo interceda pela cura das feridas que muitos trazem dentro de si. Aqui contemplamos o horizonte e o mar, e sentimo-nos impelidos a viver esta jornada com a mente e o coração voltados para o Médio Oriente, encruzilhada de civilizações e berço das grandes religiões monoteístas. Lá nos veio visitar o Senhor, «como sol nascente» (Lc 1, 78). A partir de lá, propagou-se pelo mundo inteiro a luz da fé. Lá brotaram, frescas, as fontes da espiritualidade e do monaquismo. Lá se conservam ritos antigos únicos e riquezas inestimáveis da arte sacra e da teologia, lá habita a herança dos nossos grandes Pais na fé.
Esta tradição é um tesouro que deve ser guardado com todas as nossas forças, porque no Médio Oriente estão as raízes das nossas próprias almas. Mas sobre esta região esplêndida adensou-se, especialmente nos últimos anos, uma espessa cortina de trevas: guerra, violência e destruição, ocupações e formas de fundamentalismo, migrações forçadas e abandono… Tudo no silêncio de tantos e com a cumplicidade de muitos.
O Médio Oriente tornou-se terra de gente que deixa a própria terra. E há o risco de ser cancelada a presença de nossos irmãos e irmãs na fé, deturpando a própria fisionomia da região, porque um Médio Oriente sem cristãos não seria Médio Oriente. Esta jornada começa pela oração, para que a luz divina rarefaça as trevas do mundo. Já acendemos diante de São Nicolau a «lâmpada uni-chama», símbolo da Igreja unida. Juntos, desejamos acender hoje uma chama de esperança. As lâmpadas que deporemos sejam sinal duma luz que ainda brilha na noite. De facto, os cristãos são luz do mundo (cf. Mt 5, 14), não apenas quando tudo em redor é radioso, mas também quando, nos momentos escuros da história, não se resignam com a escuridão, que tudo envolve, e alimentam o pavio da esperança com o azeite da oração e do amor. Porque, quando se estendem as mãos para o céu em oração e quando se estende a mão para o irmão sem buscar o próprio interesse, arde e resplandece o fogo do Espírito, Espírito de unidade, Espírito de paz. Rezamos unidos, para implorar do Senhor do Céu aquela paz que os poderosos da terra ainda não conseguiram encontrar.
Do curso do Nilo ao Vale do Jordão e mais além, passando pelo rio Orontes até ao Tigre e ao Eufrates, ressoe o grito do Salmo: «Para ti, haja paz!» (122, 8). Para os irmãos que sofrem e para os amigos de cada povo e credo, repetimos: Para ti, haja paz! Com o Salmista, imploramo-lo de modo particular para Jerusalém, cidade santa amada por Deus e ferida pelos homens, sobre a qual ainda chora o Senhor: Para ti, haja paz! Haja paz: é o grito de tantos Abeis, de hoje, que sobe ao trono de Deus. Pensando neles, já não podemos, tanto no Médio Oriente como em qualquer parte do mundo, permitir-nos dizer: «Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9).
A indiferença mata, e nós queremos ser voz que contrasta o homicídio da indiferença. Queremos dar voz a quem não tem voz, a quem pode apenas engolir lágrimas, porque hoje o Médio Oriente chora, sofre e emudece, enquanto outros o espezinham à procura de poder e riquezas. Para os pequenos, os simples, os feridos…, para eles que têm Deus da sua parte, nós imploramos: haja paz! O «Deus de toda a consolação» (2 Cor 1, 3), que cura os corações atribulados e faixa as feridas (cf. Sal 147, 3), escute a nossa oração.
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Bari: Papa denuncia a “indiferença que mata” o Oriente Médio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU