08 Julho 2018
"Que tenha fim a utilização do Oriente Médio para ganhos que não lhe trazem benefícios!". No final do diálogo a portas fechadas na Basílica de São Nicolau, em Bari, onde os patriarcas de todas as Igrejas do Oriente Médio discutiram a situação da região, Francisco e seus convidados libertaram algumas pombas como sinal de paz.
A reportagem é de Andrea tornielli, publicada por Vatican Insider, 07-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Francisco e Twadros soltam uma pomba em sinal de paz (Foto: Reprodução Vatican Insider)
O encontro foi aberto por Pierbattista Pizzaballa, administrador do Patriarcado Latino de Jerusalém, que falou sobre os pontos de mudança de época - políticos e religiosos -, em curso na área. Também falou da devastação causada pelas guerras recentes, particularmente na torturada Síria, e o papel das Igrejas cristãs, que devem abandonar qualquer “aliança” com os poderes políticos e evitarem confiar em estratégias humanas e políticas, diante da hemorragia que resultou na fuga de mais da metade dos fiéis cristãos.
Antes de soltar as pombas e concluir este encontro histórico, o Papa tomou a palavra novamente, expressando sua gratidão pelo momento compartilhado e vivido com os patriarcas. Antes de tudo, Bergoglio recordou um aspecto fundamental do estilo evangélico. “A presença dos cristãos no Oriente Médio será ainda mais profética quando for pacífica e alheia à lógica do mundo”.
“Nossa maneira de ser Igreja é provocada por atitudes mundanas, por uma preocupação com poder e lucro e por soluções rápidas e convenientes. A desconexão entre fé e vida, que obscurece nosso testemunho, é uma realidade de nossa pecaminosidade. Sentimos necessidade de uma conversão renovada ao Evangelho e a garantia de liberdade autêntica, pois o Oriente Médio passa por uma ‘noite de agonia’, como a de Jesus no jardim do Getsêmani, na qual não será uma fuga ou a espada que levará ao amanhecer radiante da Páscoa. Em vez disso, será nosso dom em imitação do Senhor”, disse Francisco.
Este é um lembrete importante para não fugir, assim como não invocar “protetores” armados e poderosos, que é baseado em evidências históricas: A fé cristã, que se originou no Oriente Médio “conquistou corações humanos ao longo dos séculos, pois está vinculada não aos poderes deste mundo, mas ao poder desarmado da cruz”, completou.
Bergoglio enfatizou que o diálogo de hoje tem sido um sinal de nossa necessidade em buscar o encontro e a unidade sem ter medo de nossas diferenças. A paz também deve ser cultivada no solo ressequido do conflito e da discórdia, porque hoje, apesar de tudo, não há alternativa real em favor desse processo. “Tréguas mantidas por muros e exibições de poder não levarão à paz, mas somente o desejo concreto de ouvir e de dialogar”, ressaltou.
Os cristãos estão comprometidos em caminhar, orar e trabalhar juntos, na esperança de que a arte do encontro prevaleça sobre estratégias de conflito. Só assim, assegurando que não falte pão, trabalho, dignidade e esperança ao povo, os gritos de guerra se converterão em cânticos de paz. Para que isso aconteça, é essencial que aqueles que estão no poder decidam trabalhar pela verdadeira paz e não por seus próprios interesses. Que haja um fim para os poucos que lucram com o sofrimento de muitos! Quem parem de ocupar territórios, e assim, separar as pessoas! Que não deixemos mais meias verdades continuarem frustrando as aspirações das pessoas! Que tenha fim a utilização do Oriente Médio para ganhos que não lhe trazem benefícios!
“Vamos pensar na torturada Síria, particularmente na província de Daraa. Lá, os amargos combates começaram novamente, resultando em um grande número de pessoas deslocadas, que foram expostas a terríveis sofrimentos. A guerra é a filha do poder e da pobreza”, acrescentou Francisco, de forma improvisada.
O Papa denunciou o “flagelo” da guerra que ataca tragicamente essa amada região. Os pobres são suas principais vítimas. Tantos conflitos também foram alimentados por formas de fundamentalismo e fanatismo que, sob o disfarce da religião, profanaram o nome de Deus - que é a paz - e perseguiram os antigos vizinhos.
“A violência é sempre alimentada por armas. Então, você não pode falar de paz enquanto estiver correndo secretamente para estocá-las. Esta é uma responsabilidade muito séria pesando na consciência das nações, especialmente as mais poderosas”, afirmou Francisco.
“Não nos esqueçamos do último século e das lições de Hiroshima e Nagasaki. Não podemos deixar se repetir no Oriente Médio, onde a Palavra da paz surgiu, as mesmas consequências sombrias. Tenhamos a teimosia da oposição! Chega dessa sede de lucro que explora campos de petróleo e gás, sem levar em conta nosso lar comum. Sem escrúpulos, o mercado de energia agora dita a lei da coexistência entre os povos!”, completou o Papa.
Francisco pediu que toda comunidade seja protegida. Ele pede que os cristãos também sejam cidadãos completos e se beneficiem de direitos iguais. Há uma referência a Jerusalém, cuja identidade e vocação devem ser salvas, além de várias disputas e tensões, conforme decidido pela comunidade internacional e repetidamente solicitado pelos cristãos da Terra Santa. Somente uma solução negociada entre israelenses e palestinos, desejada e promovida pela comunidade internacional, será capaz de levar a paz estável e duradoura, garantindo a coexistência de dois estados para dois povos.
O Papa também falou das crianças. “Pensando nos pequeninos, em breve vamos liberar, todos juntos, e com alguns pombos, nosso desejo de paz.”, ressaltou o Pontífice.
No Oriente Médio há anos um número aterrorizante de jovens lamentam mortes violentas em suas famílias e veem sua terra natal ameaçada, e muitas vezes acabam sem perspectiva.
“Muitas crianças passaram a maior parte de suas vidas observando escombros em vez de escolas, ouvindo a explosão ensurdecedora de bombas em vez do barulho alegre dos parques infantis. Que a humanidade ouça - este é o meu apelo - ao clamor das crianças, cujas bocas proclamam a glória de Deus. Somente enxugando as lágrimas o mundo irá recupera sua dignidade. Que o Oriente Médio não seja mais uma arca de guerra situada entre os continentes, que acolhe povos de diferentes origens e crenças”, conclui Francisco.
No final de seu discurso, o Papa e os patriarcas entraram juntos no ônibus rumo ao almoço. Na longa mesa branca, decorada com algumas flores, Francisco ficou entre o Papa copta Teodoro II e o arcebispo de Bari, Francesco Cacucci, em frente ao patriarca de Constantinopla Bartolomeu. Às 15h30, o pontífice se despediu de seus convidados, alguns dos quais ainda permanecerão em Bari. Antes de embarcar no helicóptero, cumprimentou as autoridades. O retorno ao Vaticano se deu por volta das 5h da tarde.
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Papa: Não podemos deixar se repetir no Oriente Médio as mesmas consequências sombrias de Hiroshima e Nagasaki - Instituto Humanitas Unisinos - IHU