14 Junho 2025
Para Isabela Venturoza, "caixa do homem" cobra preço alto em sofrimento físico e emocional.
A reportagem é de Adele Robichez e Luana Ibelli, publicada por Brasil de Fato, 11-06-2025.
Ao BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, a antropóloga Isabela Venturoza, pesquisadora de masculinidades, feminismos e violências, defende que muitos homens vivem aprisionados por um modelo de masculinidade que, além de ser inalcançável, cobra um preço alto relacionado ao sofrimento físico e emocional. “Os homens passam a vida toda aprisionados, escravizados por uma certa ideia que é inatingível”, afirma.
Venturoza cita o conceito da “caixa do homem”, criado por Tony Porter, ativista e CEO da organização A Call to Men [um chamado para os homens, em tradução livre], para descrever as pressões sociais que moldam o que se entende como um “homem de verdade”: forte, dominante, agressivo, sem espaço para expressar emoções como tristeza ou vulnerabilidade. “Quanto mais você se distancia disso tudo que tem dentro dessa caixa, mais subalterno [na hierarquia social] você se torna”, explica.
Para ela, apesar de a masculinidade estar tradicionalmente associada ao poder, a realidade é mais contraditória. “Quando olhamos para os homens de fato, não são muitos deles que têm tanto poder assim. Existem custos, impactos no fato de você ser homem numa sociedade como a nossa, que fazem com que ser homem seja quase um fator de risco”, diz, apontando dados como a maior incidência de mortes violentas, suicídio e adoecimento por abuso de substâncias entre os homens.
Ao discutir as raízes das violências masculinas, Venturoza destaca como a repressão emocional e a exigência de virilidade criam comportamentos compensatórios. “Essa ideia de que para se afirmar é preciso ter poder e não levar desaforo para casa é também uma tentativa desse homem alcançar essa posição de masculinidade hegemônica”, analisa. Ela também chama atenção para a precarização do trabalho e a “uberização” que impactam também os homens, especialmente os mais pobres e negros.
“Masculinidade positiva?”
A antropóloga também critica o que chama de “nova embalagem” das chamadas novas masculinidades. “Temos aditivado muito as masculinidades: novas masculinidades, masculinidades positivas, saudáveis… que eu vejo muito num lugar meio neoliberal, para vender alguma coisa”, pontua.
Para ela, o debate deveria focar menos em criar um “novo homem” ideal e mais em construir práticas e valores compartilhados por todos. “Queremos que as pessoas, homens, mulheres ou pessoas não binárias, transitem por atributos e habilidades que sejam benéficas para si mesmas e para as pessoas da sua comunidade. […] Não é sobre uma nova identidade, mas uma ética e práticas que sejam acessíveis a todos”, defende. Ela acredita que, para haver uma mudança, esses valores devem ser introduzidos na criação de meninos.
Durante a conversa, Isabela Venturoza também abordou a disseminação da misoginia na internet e ações de enfrentamento ao feminicídio.
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