27 Abril 2023
Os homens do mundo industrializado parecem ter perdido seu ritmo e seu compasso. Precisamos de uma nova visão de masculinidade adequada às atuais circunstâncias sociais e econômicas.
O comentário é de Brendan Ruberry, escritor estadunidense, em artigo publicado por Commonweal, 22-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Até um tempo recente na história da humanidade, escreve Martin Amis, “havia, simplesmente, o Homem”. A principal característica do Homem “era que ele se safava de tudo”.
Mas hoje, em todo o mundo industrializado, os homens parecem ter perdido seu ritmo e seu compasso. Segundo praticamente qualquer medida estatística, o homem médio está pior do que há 40 anos: os homens respondem por duas em cada três “mortes por desespero”.
O suicídio é agora a causa número um de morte entre os homens britânicos com menos de 45 anos. Nos Estados Unidos, um em cada três homens com apenas um diploma do Ensino Médio está atualmente fora da força de trabalho, enquanto 15% dos homens estadunidenses relatam não ter amigos íntimos (eram pouco mais de 3% em 1990).
Os salários da maioria dos homens são mais baixos hoje do que em 1979, enquanto os salários das mulheres são mais altos em todos os setores. O Japão se preocupa com seus muitos homens fechados em si mesmos, conhecidos como hikikomori, enquanto a Suécia declarou em suas escolas uma pojkkrisen, ou “crise dos meninos”.
Os primeiros vislumbres dessa crise apareceram no fim dos anos 1980. O mitopoético “Men’s Movement” tentou tratar esse incipiente sentimento de deslocamento, que deu início a um debate aparentemente infrutífero sobre o “homem interior”, servido em uma bandeja de atavismo, arquétipos junguianos e espúrias práticas dos nativos americanos, como suar, cantar e correr por aí sem camisa.
Nosso próprio momento é uma confusão familiar: você ouve as mesmas queixas sobre homens de verdade, homens fracos, homens feminilizados, homens soft, homens de soja, retiros para homens, Dia dos Homens, homens-insetos, homens-lagartos etc., e, no entanto, parece que não estamos nem um pouco mais perto de criar – ou de escavar – o “Bravo Homem Novo”. A principal diferença entre então e agora é que a perspectiva estatística para os homens estava apenas caindo nos anos 1980; agora ela despencou de um penhasco.
As soluções culturais propostas podem flutuar sem pousar em nenhum lugar em particular, mas o problema em si mesmo está fundamentado em fatos concretos.
Em seu novo livro, “Of Boys and Men” [Sobre meninos e homens], Richard Reeves argumenta que o problema é estrutural. A sociedade passou por profundas mudanças culturais e econômicas nas últimas décadas, e muitas delas deixaram os homens – especialmente os da classe trabalhadora – desorientados e desmoralizados.
(Foto: Divulgação)
À medida que certas barreiras estruturais que antes obstruíam as mulheres foram removidas, as mulheres provaram sua “vantagem natural” em várias áreas, inclusive em nossas faculdades e universidades.
As desvantagens estruturais enfrentadas pelos homens, enquanto isso, tornaram-se apenas mais arraigadas durante o mesmo período. Várias ondas de globalização, mais a terceirização de setores tradicionalmente “masculinos”, como a indústria pesada, a automação crescente e uma maior concorrência feminina no local de trabalho significam que, para muitos homens, o quadro econômico está ficando mais sombrio a cada ano.
Como resultado, muitos homens estão lutando para cumprir suas próprias expectativas antiquadas do que um homem deveria ser. “O problema com o feminismo, como movimento de libertação, não é que ele tenha ido ‘longe demais’”, escreve Reeves. “É que ele não foi suficientemente longe” – ou seja, não conseguiu substituir os modelos tradicionais de masculinidade por algo mais adequado às nossas circunstâncias atuais.
O homem ocidental está preso a uma cultura da masculinidade que agora é desesperadamente incompatível com sua realidade material. “A vida das mulheres foi reformulada”, escreve Reeves. “A vida dos homens, não.” Os homens foram consignados à “redundância cultural”.
Os homens na casa dos 20 anos de idade agora ganham um pouco menos, em média, do que as mulheres da mesma idade. Enquanto as mulheres ainda estão alcançando os homens no mercado de trabalho, os homens estão ficando cada vez mais para trás na educação.
A diferença de gênero na concessão de diplomas de graduação, na verdade, é maior do que em 1973, quando o Title IX [lei que proíbe a discriminação com base no sexo em qualquer instituição de ensino federal nos Estados Unidos] foi aprovado – mas desta vez a favor das mulheres.
Reeves aponta que os homens de elite, na verdade, estão indo muito bem. Ele acredita que é impossível discutir a situação dos homens sem discutir a desigualdade econômica, e a maior lacuna entre homens e mulheres está inevitavelmente na base das distribuições de riqueza, renda e performance acadêmicas.
Reeves está insatisfeito com as respostas costumeiras a esse conjunto de problemas, tanto da esquerda quanto da direita. Na direita, ouve-se um tipo de resposta associado à esquerda em outras questões, que tem a ver com normas sociais e desvantagens estruturais (“Não é sua culpa; a sociedade o adoeceu”). A esquerda é mais propensa a descartar todo o fenômeno ou a responsabilizar os homens por seus próprios problemas e a aconselhá-los a se livrar de sua “masculinidade tóxica”.
Os lamentos da direita sobre a alienação masculina muitas vezes servem como pretexto – ou como porta de entrada – para celebrações do antigo patriarcado ou até mesmo da misoginia descarada. Um dia, um jovem perdido se encontra lendo as “12 Rules for Life”, de Jordan Peterson; no dia seguinte, ele pode estar assistindo ao ex-kickboxer e influenciador de estilo de vida Andrew Tate reclamando no YouTube ou no TikTok sobre como as mulheres “têm alguma responsabilidade” pela agressão sexual. Há muito dinheiro a ser ganho explorando as inseguranças e fomentando a raiva de adolescentes do sexo masculino frustrados.
Um exemplo menos alarmante, mas não menos ilusório, desse modo cultural é o culto do Dia D, ou uma crença infalível nos efeitos salutares e masculinizantes do combate. Essa ideia é utilmente destilada nos seguintes versos, geralmente estampados sobre uma imagem de Marco Aurélio ou de um barco lotado de Higgins: “Tempos difíceis criam homens fortes / Homens fortes criam tempos fáceis / Tempos fáceis criam homens fracos / Homens fracos criam tempos difíceis”.
Aparentemente, os homens fortes de hoje realmente criam memes históricos, enquanto o tão esperado teste de masculinidade geralmente tem a vantagem de ocorrer em outro lugar em algum outro momento.
De qualquer forma, não é disso que Reeves trata nesse livro. Ele não quer voltar no tempo. Nem está propondo que subtraiamos os ganhos que as mulheres obtiveram nos últimos 50 anos a fim de compensar os homens que perderam durante o mesmo período.
Expressar preocupação com os homens e os meninos, insiste Reeves, não é uma soma zero. Há, por exemplo, grandes deficiências de mão de obra no ensino e no setor de saúde que poderiam ser compensadas atraindo mais homens para esses empregos.
Se o objetivo é promover a igualdade de gênero, deve-se considerar que uma sociedade que atende melhor aos homens – ajudando-os a serem melhores pais, irmãos e filhos – também atenderá melhor às mulheres. E, para que a sociedade atenda melhor aos homens, temos que começar perguntando o que exatamente a nossa sociedade precisa que os homens sejam.
Reeves apresenta um coquetel de políticas públicas que incluem uma licença paternidade remunerada mais longa e generosa, um sistema reformado de pensão alimentícia que não faça mais exigências excessivas às mães e oportunidades de emprego mais favoráveis aos pais (trabalhar em casa, meio turno ou com horário flexível). Isso ajudaria a aliviar a diferença de gênero e de salário ao mesmo tempo em que promoveria um modelo mais saudável de paternidade – mais “coparentalidade”, menos “benfeitoria à distância” – que reflita as demandas das condições econômicas não como elas eram antes, mas como são agora.
Os homens cederam território na força de trabalho; agora é hora de eles continuarem o trabalho em casa. E, como aponta Reeves, em um país como os Estados Unidos, onde uma em cada quatro crianças não tem pai, é difícil imaginar qualquer novo modelo bem-sucedido de masculinidade que não esteja enraizado em um novo modelo de família e de paternidade.
As desvantagens estruturais enfrentadas por homens e meninos na educação começam cedo. Quase um em cada quatro meninos é diagnosticado com uma “deficiência de desenvolvimento”, que Reeves atribui ao desenvolvimento posterior do córtex pré-frontal masculino. A lacuna de desenvolvimento é maior nos pesados anos dos exames da adolescência. Os meninos são programados para fracassar academicamente em sua juventude, e esse fracasso aumenta com o passar do tempo. Ele propõe que os meninos recebam um ano extra de instrução pré-escolar para compensar seu atraso no desenvolvimento cognitivo.
Apesar dos vários esquemas de Reeves para persuadir os homens jovens a levarem em consideração novos tipos de trabalho, alguns homens insatisfeitos ainda preferem alimentar queixas por serem privados do mundo que seus pais e avós consideravam garantido.
Eles preferirão as consolações antissociais de ídolos imaturos como Tate aos conselhos práticos de especialistas em política como o próprio Reeves. Vale a pena notar que muitas vagas em programas de retreinamento financiados pelo governo federal dos Estados Unidos para trabalhadores de carvão deslocados não foram preenchidas.
As normas culturais e os preconceitos podem ser pegajosos. Frequentemente sobrevivem muito tempo depois de o mundo em que faziam sentido ter desaparecido. E, embora ninguém saiba ao certo por que, os alunos do sexo masculino tendem a ter um desempenho melhor sob a orientação de instrutores do sexo masculino, enquanto as meninas não são afetadas por essa diferença.
Um professor do jardim de infância no Distrito de Columbia disse a Reeves, porém, que “algumas pessoas pressupõem que, se você é um homem que está ensinando crianças pequenas, você é de alguma forma um pedófilo, ou um pervertido, ou algo assim”. De onde elas podem ter tirado essa ideia? Mas um futuro com mais enfermeiros do sexo masculino parece estar ao nosso alcance. Ser enfermeiro costumava ser motivo de piada. Agora, ao contrário de muitos homens que trabalham em fábricas, o enfermeiro homem é solidamente de classe média.
As preocupações de Reeves sobre as perspectivas de homens e meninos na sociedade estadunidense contemporânea parecem genuínas. Apesar de suas credenciais e métodos instáveis, o tom desse livro é descaradamente empático. Sobre a crise dos opioides, Reeves escreve:
“Os opioides não são como outras drogas, que podem ser tomadas para aumentar artificialmente a confiança, a energia ou a iluminação. (...) Os opioides são tomados simplesmente para anestesiar a dor – talvez a dor física primeiro, depois a dor existencial. Não são drogas de inspiração ou de rebelião, mas de isolamento e de recolhimento. Uma das razões pelas quais tantas pessoas morrem de overdose de opioides é que os usuários geralmente ficam tipicamente em ambientes fechados e, muitas vezes, sozinhos.”
Reeves também observa que o deslocamento social deixa os homens “vulneráveis às atenções de um demagogo”. Donald Trump obteve a maior diferença de votos entre os gêneros desde que as pesquisas de boca de urna começaram, e os condados com mais mortes por desespero foram os que se voltaram mais decisivamente em Trump em 2016.
Esse fato reforça o argumento de Reeves de que os problemas enfrentados por homens e meninos nos Estados Unidos são realmente problemas enfrentados por todos, pesando fortemente em nossa economia, em nossas escolas, em nosso sistema de saúde e em nossa democracia.
Abordar o tipo de desvantagem masculina que Reeves cataloga não significa ignorar ou desculpar as desigualdades que favorecem os homens em detrimento das mulheres. É possível, escreve Reeves, “manter dois pensamentos em nossa cabeça ao mesmo tempo”. De fato, é urgente que façamos isso.
REEVES, Richard V. Of Boys and Men: Why the Modern Male Is Struggling, Why It Matters, and What to Do about It (Ed. Brookings).
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Os homens se tornaram culturalmente redundantes? Por uma nova visão de masculinidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU