20 Julho 2024
"O culto de Maria Madalena não ficou restrito a Provence e Bourgogne, mas se expandiu para toda a Europa", escreve Fernando Altemeyer Jr., doutor e professor da PUC-SP, em artigo publicado no Blog do Leonardo Boff, 02-08-2024.
O professor Fernando Altemeyer Jr é um teólogo da PUC-SP especializado particularmente em recolher os dados mais seguros das várias igrejas, não só da romano-católica, dos sínodos e concílios do passado e do presente. É um exímio pesquisador. Neste artigo, ele tira a limpo a complexa figura de Maria Madalena. É a pecadora que ungiu os pés de Jesus com um perfume precioso? É aquela que por primeiro viu o Jesus ressuscitado? É uma do grupo de mulheres que o seguiam fascinadas por sua mensagem? Quem é ela, finalmente? Altemeyer nos ajuda a tirar a limpo esta questão. — Leonardo Boff
Eis o artigo.
Desde tempos antigos foi feito um amálgama das três mulheres discípulas de Jesus em torno do único nome Madalena. Isso a faz viver a polaridade entre santa e pecadora como um pêndulo que ora valoriza um lado, ora outro, quiçá sem revelar o grande amor que ela carregava em seu coração.
A primeira expressão quer identificar Madalena com a pecadora anônima que, no fim da ceia na casa do fariseu Simão, inunda de perfume os pés de Jesus, secando-os com os próprios cabelos, como lemos no relato de São Lucas 7,36-50.
A segunda mulher foi Maria de Betânia, irmã de Marta e de Lázaro, íntima de Jesus, recebendo-o em sua casa e pedindo que Jesus o fizesse retornar à vida.
A terceira mulher é propriamente Maria de Magdala, terapeuticamente curada por Jesus de muitos demônios que a habitavam, como lemos também no Evangelho de Lucas 8,2. Ela está presente na Crucifixão de Jesus e quando ele é colocado na tumba, e é ela que participa da primeira aparição do Cristo Ressuscitado no Jardim e ouve a palavra do Vivente: não me detenhas!
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“Maria Madalena”, de Giovanni Girolamo Savoldo, 1535-1540 circa, óleo sobre tela, National Gallery, Londres. (Foto: Wikimedia)
No fim da Idade Média e início da Idade Moderna, os teólogos discutiram se havia três mulheres distintas ou uma única mulher nos relatos evangélicos em torno da mulher de Magdala. Para os pobres, Maria Madalena sempre permanecerá pelos séculos como santa extremamente popular e próxima da vida dura das mulheres. Com o passar dos séculos, é acrescida uma quarta nova faceta: Maria, a egípcia.
Diz a lenda dos santos que após a Ascensão de Cristo aos céus Maria Madalena, com Marta e Lázaro se dirige para a região francesa de Provence, onde os três irmãos converteram inúmeras comunidades. Ela então se retira do mundo para fazer penitência em uma gruta em Sainte-Baume, onde permaneceu por trinta anos. Teria morrido em Aix-em-Provence e recebido a derradeira comunhão eucarística diretamente dos anjos. Mais tarde, suas relíquias foram transferidas para a Bourgogne. Embora não existam provas documentais ou históricas de todo o seu percurso, é significativo que uma narrativa dos monges de Vezelay foi difundida a partir do século onze, para justificar uma vigorosa peregrinação às relíquias existentes em seu mosteiro.
O culto de Maria Madalena não ficou restrito a Provence e Bourgogne, mas se expandiu para toda a Europa. A Contrarreforma contribuiu ainda mais para tal difusão, ao personificar em Maria Madalena o protótipo de quem busca o sacramento da penitência, reforçando a imagem de uma pecadora arrependida e santificada pelo amor de Jesus. Torna-se assim a protetora e padroeira das prostitutas. Também protetora dos perfumistas e dos cabelereiros. Também patrona dos jardineiros, vinculando a aparição do Ressuscitado no Jardim.
Representações artísticas
A arte sempre mostra Madalena com sua rara beleza e cabelos longos e soltos (assemelhando-a a Maria, a egípcia). Antes de seu arrependimento diante de Jesus, ela é apresentada como mulher sedutora, próxima das imagens da deusa Vênus. Depois da conversão, é apresentada, ao contrário, em sua pobreza, vestida de forma simples e rude, ou apenas com os próprios cabelos (por exemplo, Donatello, 1455, no batistério de Florença), sempre com as lágrimas escorrendo sobre sua face. Uma mulher nua vestida de seus cabelos perfumados.
O atributo mais frequente e mais antigo é sempre um frasco de perfume com o qual ungiu os pés de Jesus na casa de Simão e, posteriormente, no Sepulcro. Na sequência, é acrescido um espelho, um crânio diante do qual ela medita na caverna de Sainte-Baume e uma coroa de espinhos.
Maria Madalena sempre está presente nas cenas da vida e da Paixão de Cristo. Na ceia com Simão, na visita na casa de Marta e Maria. Em ambas as cenas, ela sempre está ajoelhada aos pés de Jesus. Também apresentada aos pés da cruz. Ela faz parte das mulheres que acompanham o corpo do Jesus morto para a tumba e depois na abertura do Santo Sepulcro, em diálogo com os anjos.
A cena que teve um número grande de representações é a da aparição do Ressuscitado face a face para Maria Madalena. Ela o reconhece, quer tocá-lo, mas Jesus, o Cristo, ordena para que ela não o retenha (noli me tangere).
Da lenda provençal, os artistas normalmente apresentam os três santos em Marselha, em um barco sem velas nem leme. Também a penitência de Madalena na gruta de Saint-Baume (santo creme) em geral nua coberta somente por seus cabelos, e em êxtase místico e visões do céu (sete vezes por dia, anjos a transportavam para o paraíso para que ela pudesse ouvir os coros celestiais), enfim, o quadro de sua última comunhão eucarística recebendo a hóstia das mãos do bispo de Aix, dom Maximino ou dos anjos, diretamente.
Atributos pessoais nas artes: cabelos longos e soltos, coroa de espinhos, espelho, caveira, frasco de perfume.
Ela é proclamada como apóstola dos apóstolos. É a que vigorosamente anuncia a rebelião da vida. É a subversiva que nega o império da morte. É aquela que crê no amor pessoal e uterino que vence a mentira e o medo.
Há um evangelho apócrifo com seu nome: Evangelho segundo Maria Madalena, publicado pela Editora Vozes.
Dia 22/07/21 – Festa litúrgica de Santa Maria Madalena, discípula de Cristo, canonizada pelas igrejas Católica, Ortodoxa e Anglicana. Festa principal proclamada pelo Papa Francisco. Ela é a primeira a levar aos apóstolos a notícia da ressurreição de Jesus. É a primeira testemunha ocular qualificada a ver ao Jesus Ressuscitado. O πρώτος εκφωνητής – a primeira anunciadora. É considerada a “Apóstola dos Apóstolos”, pois recebe a ordem do Senhor: “vai ter com os meus irmãos e diz-lhes que vou subir para meu Pai, para meu Deus e vosso Deus”. A tradição oriental a colocou ao lado da Virgem Maria e de São João Evangelista, acompanhando-a a Éfeso.
A igreja nasce do testemunho pascal de uma mulher. Deus seja louvado por essa escolha uterina e erótica!
Fonte
La Bible et les saints – Guide iconographique, Flammarion. 1990.
Leia mais
- Maria de Magdala. Apóstola dos Apóstolos. Revista IHU On-Line, nº. 489
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Qual é a verdadeira Maria Madalena dos evangelhos? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU