27 Mai 2024
O escritor e professor publica um novo livro em espanhol: Pele branca, combustível preto. Os perigos do fascismo fóssil, um ensaio escrito em parceria com o Coletivo Zetkin e que explora a relação entre o fascismo atual e o extrativismo de recursos fósseis.
A entrevista é de Azahara Palomeque, publicada por La Marea/Climática, 23-05-2024. A tradução é do Cepat.
Andreas Malm (Mölndal, Suécia, 1977) conecta-se pontualmente à nossa videoconferência desde Nova York. Ele gesticula muito e pensa profundamente em cada palavra antes de pronunciá-la, como se reconhecesse que os temas são difíceis e merecem reflexão. Acaba de publicar na Espanha Piel blanca, combustible negro. Los peligros del fascismo fósil (Captain Swing, 2024), um ensaio espetacular escrito em parceria com o Coletivo Zetkin, que demonstra que, longe da crença num possível futuro ecofascista, o fascismo atual se articula em torno de uma defesa ferrenha do status quo baseado no gás e no petróleo, intimamente relacionado com o racismo.
Este professor da Universidade de Lund (Suécia), temporariamente radicado nos Estados Unidos, é capaz de estabelecer ligações transcontinentais para examinar um panorama global pouco lisonjeiro marcado pela crise climática. Elogiado pela própria Naomi Klein, sua voz é uma das mais originais e ousadas do pensamento ambientalista. Tivemos uma conversa tranquila, abordando também temas que não estão presentes no seu livro, como Gaza, a mobilização cidadã e as políticas de Biden, que igualmente o preocupam.
Como surgiu este livro? Por que você o escreveu?
Moro nos Estados Unidos e não demorará muitos meses até que Donald Trump seja eleito presidente novamente. Na primeira vez [em 2016], houve um estado de choque entre as pessoas, também entre os ambientalistas, porque, de repente, tivemos o negacionismo que acreditávamos fazer parte do passado na Casa Branca. Não era um caso isolado: vimos a ascensão de partidos semelhantes, negacionistas, na Europa; no Brasil, era presidente o Bolsonaro… Então, o livro surgiu nessa época, e foi escrito principalmente durante o ano de 2019. Era uma tentativa de lidar com essas forças políticas de extrema-direita e a forma como elas negavam a crise climática e faziam de tudo para promover os combustíveis fósseis.
Em seguida começou a pandemia, você fala disso no livro... Você acredita que a Covid-19 mudou a política em geral, no sentido de que fez parar movimentos muito visíveis na época como o Fridays for Future [Juventude pelo Clima na Espanha], ou Extinction Rebellion, e contribuiu para que a direita se apropriasse de noções como “liberdade” devido ao confinamento?
A pandemia foi um desastre total para os movimentos ambientalistas, mas não creio que a culpa seja exclusivamente dela. Fridays for Future e Extinction Rebellion decidiram que tínhamos que suspender as nossas atividades e ir para casa. Estas decisões foram tomadas num momento de comoção e insegurança, e as pessoas pensavam que era impossível sair às ruas nestas condições. Pois bem, meio ano depois temos o assassinato de George Floyd e os maiores protestos nos Estados Unidos, assim que, de fato, a mobilização em massa nas ruas durante a pandemia não era impossível, mas os ambientalistas talvez não soubessem disso. Tomou-se essa decisão, que foi, num certo sentido, suicida, porque matou a onda de mobilizações de 2019. E depois essa energia não foi recuperada, assim que estamos vivendo na esteira da pandemia, mas não estou totalmente seguro de que a Covid-19 criou mudanças políticas duradouras nos nossos países. Nos últimos oito meses, a Palestina está tendo um impacto maior no cenário político do que a pandemia.
A eleição de Trump nas eleições de 2016 foi um desastre, e há a possibilidade de que volte a ocupar a Casa Branca, mas houve uma grande decepção em relação a Biden. Poder-se-ia argumentar que o seu plano climático é um plano de segurança energética: concedeu um grande número de licenças de extração de petróleo e gás. Não será esta outra forma de negacionismo?
Sim. Usamos a metáfora do pêndulo na política estadunidense: entre as medidas aparentemente progressistas de Obama, depois Trump, depois Biden – semelhante a Obama –, depois Trump novamente… Os presidentes democratas, evidentemente, aceitam a ciência das mudanças climáticas, não são negacionistas nesse sentido, e também apoiaram medidas para a instalação de energias renováveis e coisas do gênero. O que eles não fizeram – é a isso que você se refere – foi tentar quebrar o poder da indústria de combustíveis fósseis e impor algum tipo de limite à extração [de petróleo e gás].
No livro falamos da relação entre a governança capitalista e o negacionismo mais duro da extrema-direita, uma relação antagônica mas também produtiva. Claro, há uma diferença significativa entre as políticas climáticas de Biden e de Trump, mas Biden nunca tentou qualquer tipo de controle da indústria dos combustíveis fósseis. Consequentemente, está aí, mais poderosa do que nunca, e favorece Donald Trump, porque ele não tem a intenção de fazer nada em relação à crise climática, pelo que os presidentes republicanos são uma aposta segura contra qualquer forma de política ambiental. Mas a inutilidade dos presidentes democratas quando se trata da indústria fóssil é também o que mantém essa indústria tão bem posicionada e poderosa para recuperar constantemente o poder político através de um presidente republicano...
Não sei se leu algumas das declarações recentes de Trump: ele se reuniu com os dirigentes das principais empresas petrolíferas e disse-lhes: “Se apoiarem [financeiramente] a minha campanha presidencial, garantirei a vocês que vou eliminar todas as regulamentações climáticas quando chegar no poder”.
A atitude de Biden ainda me parece uma espécie de negacionismo. Você sabe que ele está perdendo apoio entre os jovens? Em parte devido ao conflito em Gaza, mas também devido à sua falta de ação em relação às mudanças climáticas.
Sim, pode ser analisado como uma espécie de negação, no sentido de que nega o que deveria ser feito [em termos climáticos]. E, claro, no que diz respeito a Gaza e ao genocídio, a negação é extrema.
No livro você afirma que a migração é um tema importante nas campanhas da extrema-direita e como ela está relacionada com a indústria fóssil. As mudanças climáticas estão causando, e vão causar, milhões de refugiados que virão para os países ocidentais. Não poderiam estes partidos enfrentar o problema para evitar a onda de refugiados, mesmo que fosse por razões completamente racistas e xenófobas? Pode explicar melhor a lógica do seu pensamento?
Na extrema-direita podemos encontrar alguns ecofascistas que defendem a mesma coisa, que devemos impedir as mudanças climáticas para que os migrantes não cheguem, mas estas vozes são marginais. No livro analisamos como o projeto fundamental da extrema-direita no Norte global é defender os privilégios dos brancos, e esses privilégios estão profundamente ligados aos combustíveis fósseis e às tecnologias derivadas. Essa é a prioridade. Penso que o mais importante na mente da extrema-direita é proteger a sua vida privilegiada, defender um estilo de vida que é... uma ilha de afluência contra a imigração, mas também contra qualquer tentativa de colocar em questão os carros, a carne, etc. Isso significa que a resistência às políticas climáticas domina a sua agenda.
Você pensa que em breve poderemos ter uma Europa e um Estados Unidos completamente fascistas, governados por regimes fascistas? Talvez estejamos caminhando nessa direção, uma vez que os partidos (social)democratas não agem com força e a direita promove ativamente o capitalismo fóssil, temos uma política de migração bastante dura e, além disso, tendo como pano de fundo a guerra na Ucrânia...
Penso que há um movimento que aponta nessa direção, mas não diria que a Europa ou os Estados Unidos sejam governados por partidos fascistas. Há sempre a questão da definição exata do fascismo, quando começa... é um debate complicado. A definição que consideramos no livro gira em torno da violência em grande escala contra pessoas não brancas e que está ligada à expansão dos combustíveis fósseis: é o que chamamos de fascismo fóssil. Não é totalmente impossível chegarmos perto disso durante uma segunda presidência de Trump.
Por exemplo, ele disse que será um ditador para que possamos “perfurar, perfurar, perfurar” [poços de petróleo e gás], que quer deportar 10 milhões de pessoas não brancas e parece muito mais agressivo do que antes em tudo o que se refere à eliminação das políticas climáticas e à promoção da extração ilimitada dos combustíveis fósseis… Claramente, existe uma possibilidade, um risco de desenvolver políticas raciais e climáticas muito mais brutais do que durante o seu primeiro mandato. Se as coisas acontecerem assim... quem sabe, seria hora de começar a falar de fascismo.
Na Europa, as tendências são similares. Penso que há uma “fascistização”. É útil entender isso como um processo. Mas é claro que o panorama político europeu é muito variado. Podemos olhar o caso da Espanha: o PSOE não é obviamente um partido fascista. Penso que a Espanha não se enquadra nos padrões de uma extrema-direita mais forte, porque o Vox teve um desempenho muito fraco nas últimas eleições. Também em relação à Palestina. Na minha opinião, a Espanha é um dos países menos loucos da Europa. A Suécia, por exemplo, é terrível e é de fato governada por um partido que ataca os não brancos e está determinado a destruir quaisquer medidas climáticas.
No livro você fala sobre o “aparato ideológico do Estado” no sentido do filósofo Louis Althusser, e o relaciona com o negacionismo inicial de algumas empresas e governos (“a mudança climática não existe”), que mais tarde se transformou no greenswashing. Em que ponto estamos agora em relação às estratégias de comunicação que têm a ver com o clima, tendo em conta que vivemos na era do algoritmo? Já pensou em como impedir a desinformação provocada, por exemplo, por bots?
Não. Outras pessoas pesquisaram como os bots podem ajudar a disseminar as mensagens da extrema-direita, e você está certo ao dizer que as redes sociais aceleraram a disseminação de mentiras. Mas não acredito que a principal estratégia de comunicação das companhias petrolíferas neste momento seja negar as mudanças climáticas; penso que se trata da captura de carbono, ou seja, dizer: “estamos pesquisando estas tecnologias, somos parte da solução” e, possivelmente, mostrar que podemos continuar com o petróleo e o gás porque existem mecanismos para reduzir o CO2. A ExxonMobil, por exemplo, era inicialmente uma empresa negacionista e agora diz que o Santo Graal é a captura de carbono. Trata-se de uma estratégia de comunicação, porque não estão investindo muito dinheiro e é extremamente duvidoso que a captura de carbono funcione em grande escala. Mas o que estão fazendo é criar uma imagem de si mesmas como empresas que apoiam os esforços para remover o CO2 da atmosfera. Isso é uma forma de negacionismo, de mentira.
Você explica que o amor pela natureza sempre esteve presente no fascismo tradicional. Pergunto-me se isto pode ser transformado para implementar regulamentações climáticas ou mesmo para desmantelar o ecofascismo a partir de dentro.
Hmm… Acho que as poucas tendências ecofascistas que existiam quando eu estava escrevendo este livro [2019] perderam força de lá para cá. O ecofascismo foi uma tentativa da extrema-direita de responder ao interesse climático dos jovens, mas esse interesse é silenciado por diferentes razões. Por exemplo, desde o início da guerra na Palestina, ocupa um lugar secundário na política; o foco está na Palestina. O ecofascismo existe, mas é muito fraco, e eu não diria que tenha qualquer potencial para fazer algo de bom em relação às emissões ou à destruição ambiental em geral, porque ataca os não brancos como (em teoria) a origem do problema! A ideia de que a deportação da população muçulmana da França melhorará a situação climática é absurda. Não vai melhorar nada, seria um crime horrível! Deveríamos estar totalmente vigilantes e hostis ao ecofascismo.
Acho que me expressei mal. Tenho notado ligeiras conexões entre grupos ambientalistas de esquerda e pessoas de direita que têm a ver com a preservação da natureza, o amor à terra, o cultivo do seu próprio jardim...
Sim, há pontos de convergência, semelhanças, sobretudo relacionados com o local: mudo-me para o campo e protejo meu sítio, e mantenho-o limpo e sustentável... O que fazemos no livro é precisamente alertar contra essa retórica fascista. Queremos sensibilizar o movimento ambientalista para esta corrente política com a qual não devemos ter qualquer contato ou convergência retórica. Mas ainda é possível encontrar, nas periferias do movimento ambientalista, pessoas que pensam que a superpopulação é a origem do problema.
Para concluir, como acha que os cidadãos deveriam se mobilizar para evitar o pior? Já que se concentra nos partidos políticos e empresas… o que as pessoas comuns deveriam fazer?
Deveríamos recuperar as ações do movimento climático que existia em 2019, algo similar mas em grande escala, e com maior diversidade de táticas. Neste momento está tudo muito calmo, mas os desastres climáticos vão atingir-nos num futuro próximo, na Espanha, na Suécia, acontece o tempo todo no Sul global... Em algum momento teremos que responder com uma luta massiva, porque obviamente as classes dominantes e os governos não vão fazer nada a respeito, não por vontade própria. As pessoas comuns, infelizmente, têm uma grande responsabilidade e uma grande missão histórica pela frente.
Talvez os protestos a favor de Gaza sejam um bom sinal. Ver esses estudantes mobilizados não lhe dá esperança?
Sim, é fantástico, embora não tenha muito a ver com o clima, mas eu mesmo estou muito empenhado nesta causa [da Palestina].
Mas tem a ver com a proteção da vida, com não permitir certas injustiças, com romper com as gerações anteriores em muitos aspectos, é antirracista...
Sim, sim. Existem muitos vínculos com o clima e, claro, as vozes contra o genocídio na Palestina expressam que não pode ser normal que dezenas de milhares de pessoas sejam mortas apenas porque não são brancas, apenas porque são pessoas pobres vivendo em Gaza, e sabe, isto tem implicações em relação à crise climática, que é uma máquina planetária de matar pessoas não brancas e normalizar a sua morte. Claro que esse movimento é promissor, tomara que cresça.
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“O projeto fundamental da extrema-direita é defender o privilégio branco ligado aos combustíveis fósseis”. Entrevista com Andreas Malm - Instituto Humanitas Unisinos - IHU