08 Dezembro 2023
“'A economia é o método, o objetivo é a alma', proclamava a velha mentora inglesa. E, por fim, na Argentina, não faltam exemplos que mostram almas devastadas neste exercício do poder cínico e niilista”, escreve Jorge Alemán, psicanalista e escritor, em artigo publicado por Página/12, 07-12-2023. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
A honra, ao contrário da autoestima, implica sempre um dever. O de assumir valores que não só nos interpelam, mas que, em muitos casos, são muito difíceis de assumir. Houve tempos em que a honra estava acima da própria vida. Essa época acabou por diferentes razões. As exigências da honra foram sucedidas pelas exigências aumentadas do individualismo narcisista.
Entre as diversas novidades do setor político que irá governar este doloroso e golpeado país, nós nos deparamos com a flagrante perda do sentido da honra e a responsabilidade que sempre a constitui.
O cenário político atual é muito claro nesse aspecto. Reuniram-se e pactuaram para governar aqueles que se insultaram, difamaram e ofenderam até ultrapassar todos os limites.
Vários argumentos podem ser oferecidos acerca da função do pragmatismo na política e a sua dimensão utilitária, mesmo assim, a honorabilidade não pode estar em jogo, e menos ainda neste caso em que honra e a dignidade implicadas são pulverizadas no festival das negociações.
O cenário político, agora transformado em reality, revela-se como o lugar onde tudo pode ser negociado, sem qualquer consideração pela integridade pessoal de si e dos outros.
Deste modo, as últimas barreiras do pudor e vergonha são definitivamente expulsas no teatro do poder. Sem dúvida, trata-se de expor em ato a moral neoliberal que rege estes personagens em suas vidas.
“A economia é o método, o objetivo é a alma”, proclamava a velha mentora inglesa. E, por fim, na Argentina, não faltam exemplos que mostram almas devastadas neste exercício do poder cínico e niilista.
O que torna insuportável esta prática, onde ninguém vale nada, onde qualquer enunciado pode ser desmentido, é que esses mesmos personagens, sem nenhum tipo de reparo, apelam à ideia messiânica de realizar um grande sacrifício, um tempo de dor e miséria que seria compensado posteriormente.
Qual é a autoridade moral que atende a uma corte de difamadores em série para realizar tal pedido aos governados?
O que surgirá deste redemoinho de maldade insolente, o tempo dirá.
O certo é que se esta nação quiser sobreviver e continuar sendo um país digno de seus grandes legados históricos, algum dia, não só terá de reconstruir a sua economia, seu Estado, sua classe política, como também terá de recorrer à sua própria cultura fundacional para tentar, se ainda for possível, reinventar-se em uma ética política diferente.
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Argentina. O sentido da honra. Artigo de Jorge Alemán - Instituto Humanitas Unisinos - IHU