11 Mai 2022
O futuro do cristianismo como comunhão das diferenças é possível mesmo em tempos de crise: a unidade das Igrejas se constrói em torno da profissão de fé, no deserto, na minoria.
A opinião é de Giuseppe Lorizio, padre italiano e professor da Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma. O artigo foi publicado em Avvenire, 05-05-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em um planeta ferido e, para alguns, agonizante, a humanidade vive um momento particular (entre os tantos que ela já viveu no passado e com os quais não aprendeu nada) de dilaceração e de conflito armado. Assim, de fato, a tão esperada transição ecológica, que tanto preocupa a juventude, não apenas em terras francesas, também está se afastando. E, como não é alheia às vicissitudes humanas, a comunidade dos fiéis em Cristo participa dessa divisão e dilaceração.
Um contexto como esse poderia implicar uma atitude de resignação e de desconfiança, sobretudo em relação ao diálogo entre confissões diferentes e à possibilidade da mensagem pascal, com o dom da paz por parte do Ressuscitado, de penetrar nos corações e nas mentes das mulheres e dos homens do nosso tempo.
Em tendência contrária a quem opta facilmente demais por jogar a toalha, tenta-se semear pequenos, mas esperançosamente significativos, gestos, destinados a significar e a representar o desejo autenticamente cristão de buscar o diálogo, que é considerado mais do que necessário especialmente em momentos de trágica crise como o que estamos vivendo.
Entre essas pequenas sementes, está a mesa redonda, organizada no contexto do percurso acadêmico de “Teologia Interconfessional”, ativo na Pontifícia Universidade Lateranense e que conta com a fecunda colaboração de professores, teólogos e estudantes das diversas confissões cristãs, em uma proposta formativa inspirada na fórmula da Evangelii gaudium “comunhão nas diferenças” (nn. 226-228) e fazendo referência precisamente ao apelo do Papa Francisco acerca da urgente “necessidade de homens de fé que eduquem ao verdadeiro diálogo, utilizando todas as possibilidades e oportunidades!” (na Lateranense, 31 de outubro de 2019).
O encontro, que ocorreu em forma de webinar na tarde da sexta-feira, 29 de abril, havia sido programado um mês antes pelo comitê científico da Teologia Interconfessional, cuja reunião havia sido precedida por um tocante momento de oração com a escuta de textos sobre a paz de tradição ucraniana e russa, propostos respectivamente por um professor ortodoxo e por um estudante greco-católico.
O Rev. Prof. Hubertus Blaumeiser, que coordenou o debate, junto com o padre jesuíta Germano Marani, com quem compartilha a responsabilidade do módulo missionário presente no percurso interconfessional, propôs como tema “O primado da evangelização e o futuro do cristianismo”, assumindo como “pretexto”, em sentido etimológico, a constituição apostólica Praedicate Evangelium.
E foi precisamente a esse “pretexto” que o pastor teólogo Jens-Martin Kruse, pároco da principal igreja luterana de Hamburgo, dedicou boa parte da sua reflexão, começando por destacar o considerável valor teológico dessa constituição, de modo a caracterizá-la em relação a documentos análogos, que têm um recorte predominantemente jurídico e prático-institucional. Durante toda a fala do colega alemão, pareceu-me ouvir novamente o eco da denominação de Lutero da Igreja como creatura Verbi.
Como teólogos, não podemos deixar de saudar com profundo interesse a inversão/virada que deverá inspirar a “nova” estrutura da Cúria Romana, na qual a evangelização assume o primado até sobre a doutrina. E tal novidade também foi notada e sublinhada pelos colegas de outras confissões.
Em nível pastoral, essa “virada” assume nas instituições centrais da Igreja Católica a distância já estabelecida em relação aos tempos em que, para dizer que íamos à catequese, dizíamos que “íamos à doutrina”, de modo que aqueles entre nós que já estão em idade avançada se lembram daquela época em que não tínhamos que ser evangelizados e catequizados, mas oportunamente, por assim dizer, doutrinados.
É preciso reconhecer também que, apesar das intenções de doutrinação, o Evangelho, no entanto, abriu caminho nos nossos corações e nas nossas mentes, mostrando toda a sua vitalidade dinâmica.
Em nível propriamente teológico, a virada significa que também deveriam estar bem longe os tempos em que, nas instituições acadêmicas católicas, o saber da fé seguia as posições doutrinais, muitas vezes limitando-se ao comentário dos documentos oficiais, sem qualquer originalidade e atenção ao tempo (auditus temporis) e às mulheres e aos homens que o habitam, com as suas angústias e esperanças.
Portanto, nessa perspectiva, embora em alguns setores da teologia católica tal atitude seja difícil de morrer, talvez mascarando-se, já parece pertencer ao passado a chamada Denzingertheologie (= teologia do Denzinger, ou seja, ditada pelo acervo dos documentos do Magistério), que inspirou os estudos e a formação intelectual dos jovens.
Em total sintonia com essa escolha de fundo, parece-me que é preciso propor e perseguir um “modelo querigmático-kairológico” de teologia do presente em vista do futuro, em que o primeiro adjetivo assume a reivindicação da evangelização, ou seja, da fidelidade àquela que o Concílio de Trento chamava de ipsa puritas Evangelii, que deverá se tornar, segundo os ditames da Dei Verbum, viva vox Evangelii, na medida em que souber enxertar a mensagem no kairós do tempo em que vivemos e que somos chamados a habitar.
Além disso, mais do que uma “virada” e uma “revolução”, o primado da evangelização requer e está determinado a partir de uma autêntica “conversão” das mentes e dos corações, para que a “reforma” não proponha uma pura e superficial maquiagem nominalista diferente das estruturas, limitando-se a modificar as placas dos nomes dos escritórios.
Enfim, se essa for a estrutura central da Cúria Romana, tal conversão estrutural não poderá deixar de interpelar as Igrejas diocesanas, as comunidades paroquiais, as famílias religiosas, os movimentos, as associações, em suma, todas as realidades de base em que os fiéis em Cristo vivem e atuam.
O Rev. Alexey Maksimov, presbítero da Igreja Ortodoxa Russa, que se formou na Orthodox St. Tikhon University (PSTGU, Moscou) e está dando continuidade aos seus estudos na Universidade Gregoriana, exerce o seu ministério na paróquia da sua igreja de pertencimento em honra a Santa Catarina de Alexandria, nos arredores do Vaticano. Aqui se revela uma pequena semente de esperança pelo fato de que a divina liturgia naquela igreja é frequentada por quase 60% de fiéis ortodoxos ucranianos presentes na cidade, e – disse-nos o coirmão – não se registra nenhuma atitude russófoba, nem qualquer beligerância, já que a fé comum supera, talvez também graças à distância da terra pátria, a pertença nacionalista. A distância ajuda e permite gestos de esperança como a consagração a Maria dos dois povos agora em guerra e a copresença das duas mulheres ucraniana e russa na Via Sacra.
O Pe. Alexey também sublinhou a necessidade de uma “conversão missionária” exigida pelo primado da evangelização, ressaltando que, na nossa sociedade, há desconfiança em relação às palavras simples e, por outro lado, que as obras de solidariedade já são um patrimônio comum do humanismo global. Portanto, só resta a santificação, como via para a evangelização, pensada e conjugada também como “iluminação”, segundo a feliz fórmula adotada no título da carta apostólica em forma de motu proprio do Papa Francisco Vos estis lux mundi (2019) sobre a trágica temática dos abusos na Igreja, e isso porque, citando Alexei II de venerável memória, o pope lembrou que o Evangelho não deve ser contado, mas mostrado com a vida.
Quanto ao futuro do cristianismo como “comunhão nas diferenças”, o teólogo russo lembrou, em harmonia com o pastor Kruse e comigo, o texto profético de Vladimir Sergeyevich Soloviov, “O conto do Anticristo” (o canto do cisne desse profundo e genial pensador russo), no qual a unidade das Igrejas se faz em torno da profissão de fé, no deserto, em minoria e em contraposição com o desmedido poder do imperador universal, que tende a subjugar a terra e os cristãos.
A propósito desse autor, evocado muito oportunamente, tomei a liberdade de citar o texto de uma emocionante conferência que ele proferiu em 1877 na Sociedade dos Amantes da Literatura Russa e recentemente (2020) publicada em italiano pela editora Filo d’Oro, intitulado “Le tre forze. Il significato della guerra” [As três forças. O significado da guerra], em que os conflitos sangrentos veem alinhadas, de vez em quando, a força de um Deus sem o ser humano, por um lado, e a força de um ser humano sem Deus, por outro. A terceira força, a do Deus-ser-humano ou, nas palavras de Karl Barth, da “humanidade de Deus”, é a força da paz e do seu príncipe: o Ressuscitado, que pretende doá-la à humanidade também hoje.
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Contribuições da teologia interconfessional a um planeta ferido. Artigo de Giuseppe Lorizio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU