"Na homilia da Vigília Pascal, o Papa Francisco continuou repetindo o que vem reverberando dia a dia em seu pontificado: 'Nos faz bem repetir e escutar estas palavras: 'Não está aqui; ressuscitou!' (...) E escutemos a pergunta dirigida às mulheres: 'Por que buscai entre os mortos Aquele que está vivo?' Em outras palavras, Jesus novamente nos diz pela boca do Papa: 'Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram!'".
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
Que a Igreja tem inúmeros problemas internos e feridas abertas é ponto pacífico. Todos que formam o corpo de Cristo apontam para este ou aquele aspecto. Mas, para além das várias doenças e chagas que a acometem, há, sem dúvidas, na Igreja, nos vários carismas distintos que a compõem, mas fundamentalmente na liturgia diária celebrada nos 365 dias do ano, a beleza, a riqueza e a centralidade da Palavra de Cristo. É na leitura, na escuta e na meditação cotidiana desta Palavra - além das demais orações e da celebração da Eucaristia - que entramos em comunhão com o Senhor. É nesta relação diária que vamos aprendendo a nos assemelharmos a Ele e a reavaliarmos nossas próprias ações à luz do seu ensinamento, com o auxílio de sua misericórdia e graça.
O modo como a Igreja, através do tempo litúrgico, nos propõe entrar em comunhão com Cristo e sua Palavra é igualmente rico. Depois de passarmos 40 dias no deserto com o Senhor, na vivência da Quaresma, Ele não só morre e ressuscita, como havia prometido, como nos dá uma catequese durante a Oitava da Páscoa e nas sete semanas em que Cristo ressuscitado dá as últimas instruções e explicações aos discípulos.
Precisamente hoje, nós somos os discípulos a quem aquelas palavras são dirigidas. Nesse sentido, a leitura do Evangelho da última quarta-feira (Lc 24,13-35) é bastante significativa: "...o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles" [dois dos discípulos]. Na caminhada, o Senhor pergunta aos discípulos sobre o assunto da conversa. O Evangelho não narra somente a resposta deles a Jesus, mas diz algo sobre o estado de espírito em que se encontram:
"Eles pararam, com o rosto triste, e um deles chamado Cléofas, lhe disse: 'Tu és o único peregrino em Jerusalém que não sabe o que lá aconteceu nestes últimos dias?'
O desenrolar da conversa revela ainda mais sobre o estado de espírito e a fé dos discípulos:
"Ele perguntou: 'Que foi?' Os discípulos responderam: 'O que aconteceu com Jesus, o Nazareno, que foi um profeta poderoso em obras e palavras, diante de Deus e diante de todo o povo. Nossos sumos sacerdotes e nossos chefes o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. Nós esperávamos que ele fosse libertar Israel, mas, apesar de tudo isso, já faz três dias que todas essas coisas aconteceram! É verdade que algumas mulheres do nosso grupo nos deram um susto. Elas foram de madrugada ao túmulo e não encontraram o corpo dele. Então voltaram, dizendo que tinham visto anjos e que estes afirmaram que Jesus está vivo. Alguns dos nossos foram ao túmulo e encontraram as coisas como as mulheres tinham dito. A ele, porém, ninguém o viu”.
A resposta de Jesus aos discípulos, depois de tudo que tinha vivido com eles e por conhecer seus corações mais do que eles próprios, não poderia ser outra:
"Então Jesus lhes disse: 'Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?' E, começando por Moisés e passando pelos Profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele".
É exatamente isto: somos lentos e sem inteligência para crer. Tanto é assim que Jesus percorreu todo o caminho com eles, entrou em casa com eles, sentou-se à mesa e foi somente quando "tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía", que "os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus". Como continua a narrativa, "Jesus, porém, desapareceu da frente deles".
É precisamente como acontece com muitos de nós: Ele anda conosco, mas não conseguimos reconhecer. Somos lentos, sem inteligência. Mas depois que os discípulos compartilharam aquela experiência uns com os outros, puderam reconhecer que o Senhor esteve e está com eles:
"Então um disse ao outro: 'Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, e nos explicava as Escrituras?' Naquela mesma hora, eles se levantaram e voltaram para Jerusalém onde encontraram os Onze reunidos com os outros. E estes confirmaram: 'Realmente, o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!' Então os dois contaram o que tinha acontecido no caminho, e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão".
Como disse o Papa Francisco na homilia da Vigília Pascal deste ano, as mulheres que foram ao sepulcro vivenciaram e praticaram três ações: "viveram uma experiência desconcertante", "ouviram que Jesus havia ressuscitado" e "rapidamente correram para anunciar a notícia". Elas "veem, escutam e anunciam".
O Papa continuou a homilia repetindo o que vem reverberando dia a dia em seu pontificado: "Nos faz bem repetir e escutar estas palavras: 'Não está aqui; ressuscitou!' (...) E escutemos a pergunta dirigida às mulheres: 'Por que buscai entre os mortos Aquele que está vivo?'" Em outras palavras, Jesus novamente nos diz pela boca do Papa: "Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram!".
As mulheres, continuou o pontífice, "anunciam a alegria da ressurreição". Diante dessa alegria, reiterou e repetiu mais uma vez as mesmas palavras de outro modo, "somos chamados a experimentar o encontro com o ressuscitado e a compartilhá-lo com os demais. (...) Ele está vivo! Transforma e liberta. (...) E na escuridão mais densa, brilha a estrela da manhã".
Como Cristo está vivo, a exortação do Papa não poderia ser outra: "Rezemos por tantos sofrimentos. Somente podemos dar nossa companhia, nossa oração, ânimo e acompanhar o Senhor. Hoje é o mais grande que se pode celebrar: Cristo ressuscitou!".
As palavras do Papa devem nos fazer lembrar das palavras do Senhor, que serão repetidas novamente na Festa que vamos celebrar nos próximos dias: "Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo" (Mt 28,20). Ele está conosco. Esta é a promessa. A questão é: E nós?