17 Dezembro 2019
"É por isso que acreditar em Jesus Cristo é um ato de liberdade, e é por isso que a fé não é alienação, mas uma convicção que ajuda os seres humanos a encontrar sentido na vida, desenvolvendo relações de fraternidade, praticando a solidariedade com os outros, especialmente com os menos favorecidos e os mais fraco."
O comentário é de Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por la Repubblica, 16-12-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
No mundo ocidental, reina cada vez mais a indiferença em relação a Deus, em quem acreditam minorias cristãs ou pertencentes a outras religiões monoteístas, a ponto de já se falar de época não apenas secularizada, mas pós-cristã.
Até o Iluminismo a existência de Deus não era questionada, o que era considerado necessário por quase todos.
A virada da modernidade ocorre precisamente quando a afirmação da existência de Deus não é mais imposta como necessária.
Primeiro a ciência, depois a filosofia e, enfim a política, reivindicaram a liberdade e a autonomia da religião, e assim o homem moderno aprendeu a viver sem Deus, a pensar e viver na ausência de Deus, “mesmo se não houvesse Deus" (etsi Deus non daretur).
Nesse concreto processo histórico, Deus aos poucos perdeu seu "ser para a humanidade e para o mundo". Mas podemos afirmar que o "desaparecimento" de Deus tem um sentido para a própria fé: o homem se libertou de Deus e do temor de Deus, conquistando sua liberdade diante dele.
Até agora, esse fenômeno de descrença e de ateísmo se desenvolveu apenas no mundo cristão, e isso tem um significado: é um efeito do espírito do Evangelho que ensina essa liberdade e permite que o ser humano se aproxime de Deus com plena gratuidade. A modernidade, portanto, também pode ser lida como uma revolta do Evangelho contra a religião, porque Deus quer o homem livre e porque nada nos obriga a acreditar em um Deus que se revelou na cruz em Jesus Cristo, na humildade e na pobreza humana.
Um Deus na cruz não nos ameaça, mas nos deixa a liberdade de acreditar e não acreditar, enquanto as outras imagens de Deus, forjadas por seus crentes, por muito tempo o fizeram perverso, vingativo, fazendo dele um dominador onipotente que reivindicava glória e honra. Deus, ao invés disso, é a suprema gratuidade que abre para nós o espaço infinito da liberdade, e a busca por ele que fazemos é sempre uma busca por humanidade. A fé cristã rejeita garantias, enquanto a religião as oferece.
É por isso que acreditar em Jesus Cristo é um ato de liberdade, e é por isso que a fé não é alienação, mas uma convicção que ajuda os seres humanos a encontrar sentido na vida, desenvolvendo relações de fraternidade, praticando a solidariedade com os outros, especialmente com os menos favorecidos e os mais fraco. A igreja hoje muitas vezes se queixa da perda da fé em Deus e atribui tal processo ao homem orgulhoso e idólatra de si mesmo. Na minha opinião, deveria refletir sobre o fato de que na modernidade deixou o homem sozinho depois de tê-lo sobrecarregado com um excesso de intransigência e de autoritarismo.
Leia mais
- Fraqueza evangélica e fragilidade humana
- A liberdade, da teologia à ética
- Natal é tempo de viver a gratuidade da vida e abrir-se à utopia, a outros mundos possíveis. Entrevista especial com Leonardo Boff e Frei Betto
- O Sermão da Montanha: um convite à gratuidade e à confiança. Entrevista especial com Elian Cuvillier
- A gratuidade da Misericórdia. 'A primeira forma de misericórdia que podemos exercer é a da compreensão'. Entrevista especial com Vito Mancuso
- Deus não é “um amontoado de prescrições”, mas, sim, amor gratuito. A homilia do Papa
- Os não crentes. Uma visão geral do ''ateísmo religioso''
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A liberdade de crer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU