18 Abril 2022
Às 7h20 do domingo, 3 de abril, o Papa Francisco ingressou no salão da nunciatura de Malta, onde estavam reunidos 38 jesuítas malteses, incluindo o Pe. Roberto Del Riccio, provincial da Província Euro-Mediterrânea, que inclui Malta, Itália, Albânia e Romênia.
Francisco cumprimentou todos os presentes, um por um, e depois se sentou para iniciar uma conversa livre e espontânea, como costuma fazer nesses encontros. O clima era cordial e fraterno.
Francisco começou dizendo: “A única recordação que tenho dos jesuítas malteses é a dos meus colegas de estudo da filosofia. Eles estavam destinados ao Chile. Eu mesmo fiz o juniorado [1] no Chile. Depois, eles iam estudar em Buenos Aires. Eu ouvi o último daquele grupo ao telefone no ano passado, antes de ele morrer. Então, façam algumas perguntas para conversarmos um pouco juntos...”.
O relato é do jesuíta italiano Antonio Spadaro, publicado em La Civiltà Cattolica, 16-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Santo Padre, a realidade da Igreja hoje está mudando. Torna-se cada vez menor em uma Europa secular e materialista. Ao mesmo tempo, porém, a Igreja se desenvolve na Ásia e na África. Como será a Igreja do futuro? Será mais restrita, mas mais humilde e autêntica? E o caminho sinodal da Igreja? Aonde está indo?
O Papa Bento XVI foi um profeta dessa Igreja do futuro, uma Igreja que se tornará menor, que perderá muitos privilégios, será mais humilde e autêntica, e encontrará energia para o essencial. Será uma Igreja mais espiritual, mais pobre e menos política: uma Igreja dos pequenos. Bento como bispo havia dito isto: preparemo-nos para ser uma Igreja menor. Essa é uma das suas intuições mais ricas.
Hoje, há o problema das vocações, sim. Também é verdade que, na Europa, há cada vez menos pessoas jovens. Antes, havia três ou quatro filhos por família. Agora, muitas vezes, somente um. Os casamentos declinam, enquanto se pensa em crescer na profissão. Eu diria às mães daqueles trintões que vivem na família de origem que não passem mais as camisas! Nesta situação, há também o risco de querer buscar as vocações sem um adequado discernimento.
Lembro que, em 1994, realizou-se um Sínodo sobre a vida consagrada. Eu tinha ido como delegado da Argentina. À época, tinha estourado o escândalo das noviças nas Filipinas: as congregações religiosas iam lá em busca de vocações para “importar” para a Europa. Isso é terrível. A Europa envelheceu. Temos que nos acostumar com isso, mas temos que fazer isso criativamente, de modo a assumir para as vocações as qualidades que você citava em geral para a Igreja na sua pergunta: humildade, serviço, autenticidade.
Depois, você também mencionou o caminho sinodal. E esse é mais um passo. Estamos aprendendo a falar e a escrever “em Sínodo”. Foi Paulo VI quem retomou o discurso sinodal, que havia se perdido. Desde então, avançamos na compreensão, em entender o que é o Sínodo. Lembro que, em 2001, fui relator para o Sínodo dos Bispos. Na realidade, o relator era o cardeal Egan, mas, devido à tragédia das Torres Gêmeas, ele teve que retornar a Nova York, a sua diocese. Eu fui o suplente. Reuniam-se as opiniões de todos, incluindo os grupos individuais, e eram enviadas à Secretaria Geral. Eu reunia o material e o organizava. O secretário do Sínodo o examinava e dizia para retirar esta ou aquela coisa que havia sido aprovada por votação pelos vários grupos. Havia coisas que ele não considerava oportunas. Em suma, havia uma pré-seleção dos materiais. Claramente não se havia entendido o que é um Sínodo.
Hoje avançamos, e não se volta atrás. No fim do último Sínodo, na sondagem sobre os temas a serem abordados no próximo, os dois primeiros foram o sacerdócio e a sinodalidade. Pareceu-me claro que se queria refletir sobre a teologia da sinodalidade, para dar um passo decisivo rumo a uma Igreja sinodal.
Por fim, quero dizer que não devemos esquecer aquela joia que é a Evangelii nuntiandi de Paulo VI. Qual é a vocação da Igreja? Não são os números. É evangelizar. A alegria da Igreja é evangelizar. Em suma, o verdadeiro problema não é se somos poucos, mas se a Igreja evangeliza. Nas reuniões antes do conclave, falava-se do retrato do novo papa. Foi precisamente aí, nas Congregações Gerais, que foi usada a imagem da Igreja que sai, em saída. No Apocalipse, diz-se: “Eu estou à porta e bato”. Mas hoje o Senhor bate de dentro para que o deixem sair. Essa é a necessidade de hoje, a vocação da Igreja hoje.
Santo Padre, permita-me agradecer-lhe pela sua vida e pelo seu exemplo e também, em particular, pela sua exortação apostólica Gaudete et exsultate. Além disso, comunico-lhe uma saudação do venerável Colégio Inglês, onde eu trabalho. Lá eles rezam pelo senhor e lhe agradecem. A minha pergunta é: qual é a sua sugestão para que os diretores espirituais e os seminaristas estejam preparados para serem padres para o terceiro milênio?
O que lhe chamou a atenção na Gaudete et exsultate?
Acima de tudo, o conjunto. Como viver as bem-aventuranças. Depois, os sinais da santidade. Fiquei muito impressionado com a referência ao humor...
Ah! A nota 101, aquela sobre Thomas More! Sim, essa exortação apostólica foi arquivada... Gostaria que todos os noviços a lessem. Você me pergunta o que fazer. Eu pediria aos seminaristas uma coisa: sejam pessoas normais, sem imaginar que vocês são nem “grandes apóstolos” nem “devotinhos”. Sejam jovens normais, capazes de tomar decisões sobre a vida de vocês a caminho. E para isso também são necessários superiores normais.
Eu realmente fico impressionado com a hipocrisia de alguns superiores. A hipocrisia como instrumento de governo é terrível. Com a hipocrisia, não se cuida da sua inquietação, do seu problema, do seu pecado escondido. É preciso ajudar a remover toda hipocrisia que arruína o caminho de um jovem.
Lembro-me de um estudante jesuíta que depois se casou. Ele estava no primeiro ano de filosofia. Tinha conhecido uma garota e havia se apaixonado por ela. Queria vê-la todos os dias. À noite, ele saía às escondidas e ia ao encontro da garota para ficar com ela. Ele estava começando a emagrecer, porque dormia muito pouco. Mas esse jovem felizmente caiu nas mãos de um pai espiritual idoso, que não tinha medo de nada e não era hipócrita. Ele intuiu como estava a situação. E lhe disse: “Você tem este problema”. Ele disse isso a ele! E, cuidando dele, acompanhou-o para sair da Ordem. Depois, esse jovem se casou.
Eu mesmo me lembro de que há muitos anos escutei um jovem jesuíta de uma província europeia que estava fazendo o magistério [2] depois da filosofia. Ele pediu ao provincial para ser transferido para outra cidade, para ficar perto da mãe que estava morrendo de câncer. Depois, ele foi à capela, para que o superior pudesse satisfazer o seu desejo. Ficou lá até muito tarde. Ao voltar, encontrou na porta uma carta do provincial, datada do dia seguinte, que lhe pedia para ficar onde estava e lhe dizia que havia tomado essa decisão depois de refletir e rezar. Mas não era verdade! Ele havia entregado a carta pré-datada ao ministro, para que a entregasse no dia seguinte, mas, dado o adiantado da hora, o ministro havia pensado em colocá-la no dia anterior. Esse jovem ficou destruído. Isso é hipocrisia. Que nunca haja hipocrisia na Companhia! É melhor gritar contra o outro do que ter atitudes corteses!
Na Companhia, não se pode acompanhar um irmão sem confiança e clareza. Se a pessoa não confia nos superiores ou em alguém que o guia, isso não está nada bom. Os superiores devem fazer nascer a confiança. Além disso, devem confiar na “graça de estado”, para que seja o Espírito Santo que lhes dê os conselhos certos. E que se estude com a sabedoria que a Igreja acumulou ao longo do tempo.
Mas não é preciso se assustar com nada. Nunca se deve uniformizar os jovens. Cada um é uma espécie única: para cada um, fizeram o molde e depois o quebraram. E que os superiores também se acostumem a ter alguns enfants terribles. É preciso ter paciência, corrigi-los, mas muitas vezes eles são realmente bons. Não somos todos iguais: temos carteiras de identidade diferentes.
Ontem, ouvindo os discursos que foram feitos, falava-se de Malta como um país acolhedor aos refugiados. Eu fiquei perplexo. Nós também temos um acordo com a Líbia para enviar os migrantes de volta. O senhor deve ter ficado sabendo da tragédia no Mediterrâneo no sábado passado, quando 90 migrantes provenientes da Líbia perderam a vida. Apenas quatro sobreviveram. O senhor se encontrará com alguns refugiados. Porém, não verá os campos, onde a situação é muito mais difícil. Também é verdade que este é um problema de toda a Europa, que não ajuda o nosso país. Isso também vale para a acolhida aos ucranianos.
É verdade: o problema das migrações é da Europa. Os países não se põem de acordo. Entendo que para a Itália, Chipre, Malta, Grécia e Espanha não é fácil. São eles que têm de os receber porque são os primeiros portos, mas depois a Europa deve se encarregar deles. Na Europa, é preciso progredir nos direitos humanos para eliminar a cultura do descarte. Também é preciso evitar dar legitimidade à cumplicidade das autoridades competentes, sempre, também em meetings e encontros.
No avião, me deram uma pintura feita por um jovem, Daniele, que pinta a sua angústia enquanto está se afogando e que quer salvar o seu companheiro que afunda. Recomendo um livro, “Hermanito”, isto é, “Irmãozinho” [3]. Foi publicado há um ano. É a história de um irmão mais velho que parte da Guiné em busca do irmão mais novo. Faz-nos entender o que é a travessia do deserto, o tráfico dos migrantes, a prisão, as torturas, a viagem no mar... E obrigado a você por não falar com meias palavras. Isso de que estamos falando é uma das vergonhas da humanidade que entra nas políticas dos Estados.
Se houver um incêndio na sala ao lado, o que fazemos? Ficamos aqui e continuamos a nossa reunião? É uma imagem: a mesma coisa ocorre no mundo com as mudanças climáticas. O mundo está queimando, e nós ficamos tranquilos em relação a isso. Como é possível conectar evangelização e mudanças climáticas?
Trabalhem nesse campo, sim. Não cuidar do clima é um pecado contra o dom de Deus que é a criação. Para mim, é uma forma de paganismo: é usar como se fossem ídolos aquilo que, pelo contrário, o Senhor nos deu para a sua glória e louvor. Não cuidar da criação para mim é como idolatrá-lo, reduzi-lo a um ídolo, desvinculando-o do dom da criação. Nesse sentido, cuidar da casa comum já é “evangelizar”. E é urgente. Se as coisas ocorrerem como estão agora, os nossos filhos não poderão mais habitar no nosso planeta.
Está ficando muito tarde, e o senhor tem que ir. Imediatamente lhe faço uma pergunta: as suas consolações e as suas desolações acerca do processo da sinodalidade.
Há consolações e desolações. Vou lhe dar apenas um exemplo: nas primeiras sessões do Sínodo sobre a Amazônia, houve muito foco na questão dos padres casados. Depois, o Espírito nos fez entender também que faltavam muitas outras coisas: os catequistas, os diáconos permanentes, o seminário para os aborígenes, padres que vão a outras dioceses ou que sejam deslocados dentro da mesma diocese. Tudo isso foi vivido entre consolações e desolações. É a dinâmica espiritual do Sínodo.
* * *
Tendo chegado o tempo de encerrar o encontro, que durou cerca de 40 minutos, Francisco pediu que rezassem juntos uma Ave-Maria. Depois, deu a sua bênção aos presentes, cumprimentou-os, pedindo que rezassem por ele, dando a todos de presente uma coroa do rosário.
1. Período da formação dos jesuítas que se segue imediatamente ao noviciado.
2. Período de formação na Companhia de Jesus, geralmente de caráter pastoral, entre o estudo da filosofia e o da teologia.
3. Trata-se de um romance de Amets Arzallus Antia e Ibrahima Balde.
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Qual é a vocação da Igreja? Papa Francisco conversa com os jesuítas malteses - Instituto Humanitas Unisinos - IHU