18 Outubro 2021
"Esperar que bispos ousem abrir mão de seu poder na estrutura hierarquizada da Igreja e admitir mudanças que ponham em risco a posição que ocupam é, no mínimo, confiar no milagre", escreve Frei Betto, escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros.
Eis o artigo.
No atual modelo, a resposta à pergunta acima é não. É a opinião do papa Francisco. Prova disso é que ele acaba de convocar uma maratona democrática intitulada “Para uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação e Missão”. O objetivo é dar voz a 1,3 bilhão de católicos sobre o futuro da Igreja
O que pensam da participação das mulheres, do divórcio, dos grupos minoritários (gays etc.), dos jovens, e de muitos outros temas polêmicos hoje dentro da instituição.
A primeira das três etapas do processo vai até abril de 2022. Consiste em ouvir os fiéis da base, paroquianos e militantes de movimentos pastorais. A segunda, de setembro de 2022 a março de 2023, é a escuta das opiniões dos fiéis pelos bispos de cada Continente. Por fim, em outubro de 2023, Roma abrigará o Sínodo dos Bispos que resumirá as opiniões colhidas em um documento a ser sancionado e divulgado pelo papa.
É profunda a crise da Igreja Católica. Embora o Concílio Vaticano II (1962-1965) tenha lançado as bases pastorais, teológicas e bíblicas de uma renovação significativa, os pontificados de João Paulo II e Bento XVI puseram o pé no freio. Valorizaram movimentos anacrônicos, anticonciliares, saudosos da missa em latim e do triunfalismo clerical.
Enquanto “a volta à grande disciplina”, na expressão de meu primo, o teólogo jesuíta J.B. Libanio, reafirmava a intocabilidade do celibato, a pedofilia corria solta sob o silêncio cúmplice de bispos e cardeais que optaram por “salvar” seus padres em detrimento das vítimas, muitas delas crianças. E as mulheres continuaram excluídas do sacerdócio, relegadas à condição de seres de segunda classe.
Muitas causas podem ser apontadas para explicar a crise da Igreja Católica, a evasão de fiéis, a contradição entre o que se prega e o que se vive. Considero uma das mais graves o clericalismo, essa doença infantil do esteticismo eclesiástico, que se segrega do comum dos mortais ao circular de batina nas ruas e aprecia o excesso de incenso em pompas litúrgicas.
O clericalismo também é combatido pelo papa Francisco. Enquanto os leigos forem tratados como subalternos, tributários da catequese infantil, destituídos de meios para se manter atualizados em matéria de teologia e Bíblia, veremos as Igrejas Evangélicas crescerem exponencialmente.
Aliás, essas Igrejas têm muito a ensinar aos católicos em matéria de “comunhão, participação e missão”. A madame vai à missa; a faxineira dela, ao culto. E os preconceitos católicos, outrora focados nos espíritas e ateus, agora se voltam aos evangélicos, como se todos fossem fundamentalistas. Recomendo, como excelente antídoto ao preconceito, o livro de Juliano Spyer, “Povo de Deus – quem são os evangélicos e por que eles importam” (SP, Geração, 2020).
Após o Vaticano II, a Igreja Católica havia plantado as sementes de seu futuro renovado: as Comunidades Eclesiais de Base. Mas o conservadorismo autoritário tratou de arrancá-las. Bem como sabotar qualquer debate sério a respeito de celibato, aborto, divórcio, matrimônio homoafetivo, ortotanásia e, em especial, o direito de as mulheres terem acesso ao sacerdócio, ao episcopado e ao papado.
Espero que as opiniões das bases católicas, recolhidas na primeira fase da convocatória de Francisco, não sejam filtradas pelos bispos ao apurarem os questionários. Esperar que bispos ousem abrir mão de seu poder na estrutura hierarquizada da Igreja e admitir mudanças que ponham em risco a posição que ocupam é, no mínimo, confiar no milagre. Mas a fé ensina que ele existe, e o Espírito Santo, que “sopra onde quer”, é capaz de nos surpreender.
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Tem futuro a Igreja Católica? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU