“Encarar a pandemia da desigualdade. Um novo contrato social para uma nova era”. Discurso de António Guterres, secretário-geral da ONU

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24 Julho 2020

“A covid-19 é uma tragédia humana. Mas também criou uma oportunidade geracional. Uma oportunidade para construir um mundo mais inclusivo e sustentável. A resposta à pandemia e ao descontentamento generalizado que a precedeu deve basear-se em um Novo Contrato Social e um Novo Acordo Global que criem oportunidades iguais para todos e respeito pelos direitos e liberdades de todos”, afirma António Guterres, secretário-geral da ONU, em discurso proferido na Conferência em homenagem a Nelson Mandela, em Nova York, 18-07-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

Eis o discurso.

 

Excelências, ilustres convidadas e convidados, amigas e amigos,

É um privilégio unir-me a vocês para prestar homenagem a Nelson Mandela, extraordinário líder mundial, defensor e modelo a ser seguido.

Agradeço à Fundação Nelson Mandela por esta oportunidade e louvo o trabalho que desenvolvem para manter viva a visão de Mandela. Também faço chegar minhas mais profundas condolências à família Mandela e ao governo e povo sul-africano pelo prematuro falecimento da embaixadora Zindzi Mandela no início desta semana. Que descanse em paz.

Tive a sorte de me encontrar várias vezes com Nelson Mandela. Jamais esquecerei sua sabedoria, determinação e compaixão, que brilharam em tudo o que disse e fez.

No último mês de agosto, visitei a cela de Madiba em Robben Island. Fiquei ali, olhando através das grades, embargado mais uma vez pela humildade diante da sua enorme força mental e sua incalculável coragem. Nelson Mandela passou 27 anos na prisão, 18 destes em Robben Island, porém nunca permitiu que essa experiência definisse sua vida.

Nelson Mandela se elevou sobre seus carcereiros para libertar milhões de sul-africanos e tornar-se uma inspiração mundial e um ícone moderno.

Dedicou sua vida a lutar contra a desigualdade, que nas últimas décadas alcançou proporções críticas em todo o mundo e cresce como uma ameaça cada vez maior para nosso futuro.

Hoje, no aniversário de Madiba, falarei de como podemos abordar numerosas vertentes e camadas de desigualdade que se reforçam mutuamente, antes que destruam nossas economias e sociedades.

 

Estimadas amigas e amigos,

A covid-19 destacou essa injustiça.

O mundo está em crise.

As economias estão em queda livre.

Fomos postos de joelhos por um vírus microscópico.

A pandemia revelou a fragilidade de nosso mundo.

Desvelou os riscos que ignoramos durante décadas: sistemas de saúde inadequados; lacunas na proteção social; desigualdades estruturais; degradação ambiental; crise climática.

Regiões inteiras que haviam conquistado avanços na erradicação da pobreza e redução da desigualdade experimentaram, em questão de meses, um retrocesso de anos.

O vírus representa um risco maior para os mais vulneráveis: os que vivem na pobreza, as pessoas idosas e as pessoas com deficiência e doenças preexistentes.

Os trabalhadores da saúde estão na linha de frente, e somente na África do Sul foram mais de 4 mil infectados. Presto homenagem a seu trabalho.

Em alguns países, se veem amplificadas as desigualdades em matéria de saúde, pois não somente os hospitais privados, mas também as empresas e inclusive os particulares estão acumulando equipamentos valiosos de que se necessita urgentemente para todos, um exemplo trágico de iniquidade.

As consequências econômicas da pandemia estão afetando os que trabalham na economia informal e nas empresas pequenas e medianas, assim como aqueles que têm responsabilidades de cuidado, dos quais a maioria são mulheres.

Enfrentamos a mais profunda recessão mundial desde a Segunda Guerra, e o maior colapso de renda desde 1870.

Cem milhões de pessoas podem cair na pobreza extrema. Podemos ser testemunhas da fome de proporções históricas.

Compara-se a covid-19 com uma radiografia que revelou fraturas no frágil esqueleto das sociedades que construímos e que por toda parte está trazendo as falácias e falsidades à luz.

A mentira de que o livre mercado pode proporcionar assistência sanitária para todos;
A ficção de que o trabalho de cuidados não remunerado não é trabalho;
O engano de que vivemos em um mundo pós-racista;
O mito de que estamos todos no mesmo barco.

Pois, se estamos navegando no mesmo mar, está claro que alguns estão em super-iates enquanto outros seguram-se em rejeitos flutuantes.

 

Estimadas amigas e amigos,

A desigualdade define a época em que vivemos.

Mais de 70% da população mundial enfrenta uma desigualdade cada vez maior em termos de renda e riqueza. As 26 pessoas mais ricas do mundo possuem tanta riqueza quanto a metade da população mundial.

Mas a renda, os salários e a riqueza não são as únicas medidas da desigualdade. As oportunidades das pessoas na vida dependem de seu gênero, de sua família e sua origem étnica, de sua raça, de terem ou não deficiência e de outros fatores.

Múltiplas desigualdades se interseccionam e se reforçam entre si, de geração em geração. A vida e as expectativas de milhões de pessoas estão em grande medida determinadas pelas circunstâncias de seu nascimento.

Dessa maneira, a desigualdade atenta contra o desenvolvimento humano para todos. Todos sofremos suas consequências.

Os altos níveis de desigualdade estão associados com a instabilidade econômica, a corrupção, as crises financeiras, o aumento da delinquência e a má saúde física e mental.

A discriminação, o abuso e a falta de acesso à justiça definem a desigualdade para muitos, em particular para os povos indígenas, os migrantes, os refugiados e as minorias de todo o tipo. Essas desigualdades são um ataque direto aos direitos humanos.

Por consequência, ao longo da história, a luta contra a desigualdade foi uma força impulsionadora em favor da justiça social, dos direitos trabalhistas e da igualdade de gênero.

A visão e a promessa das Nações Unidas é que os alimentos, a atenção da saúde, a água e o saneamento, a educação, o trabalho decente e a seguridade social não sejam mercadorias para aqueles que podem pagar, mas sim direitos humanos básicos para todos.

Trabalhamos para reduzir a desigualdade, todos os dias, em todas as partes.

Essa visão é tão importante hoje como foi há 75 anos.

Ocupa o centro da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, nosso plano global acordado para a paz e a prosperidade em um planeta saudável, plasmado no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n. 10: reduzir a desigualdade nos países e entre eles.

 

Estimadas amigas e estimados amigos,

Inclusive antes da pandemia da covid-19, muitas pessoas em todo o mundo compreenderam que a desigualdade estava socavando suas oportunidades de vida.

Percebiam, ao seu redor, um mundo em desequilíbrio.

Sentiam-se deixados para trás.

Eram testemunhas de como as políticas econômicas canalizavam os recursos para alguns poucos privilegiados.

Milhões de pessoas de todos os continentes saíram às ruas para fazer escutar a sua voz.

As grandes e cada vez maiores desigualdades eram um fator comum.

A ira que alimentou dois movimentos sociais recentes reflete uma total desilusão com o status quo.

As mulheres de todo o mundo chamaram a atenção sobre um dos exemplos mais atrozes da desigualdade de gênero: a violência perpetrada por homens poderosos contra mulheres que simplesmente tratam de fazer seu trabalho.

O movimento antirracista que se estendeu dos Estados Unidos para todo o mundo depois do assassinato de George Floyd é mais um sinal de que as pessoas disseram basta:

Basta de desigualdade e de discriminação que trata as pessoas como delinquentes pela cor de sua pele;

Basta de racismo estrutural e injustiça sistemática que nega às pessoas seus direitos humanos fundamentais.

Esses movimentos apontam a duas das fontes históricas da desigualdade em nosso mundo: o colonialismo e o patriarcado.

O Norte Global, especificamente meu próprio continente da Europa, impôs o domínio colonial sobre grande parte do Sul Global por séculos, através de violência e coerção.

O colonialismo criou uma enorme desigualdade dentro e entre países, incluindo os males do comércio transatlântico de escravos e o regime do apartheid aqui na África do Sul.

Após a Segunda Guerra Mundial, a criação das Nações Unidas se baseou em um novo consenso global em torno da igualdade e da dignidade humana.

Uma onda de descolonização se espalhou pelo mundo.

Mas não vamos nos enganar. O legado do colonialismo ainda reverbera.

Vemos isso na injustiça econômica e social, no aumento dos crimes de ódio e na xenofobia; na persistência do racismo institucionalizado e da supremacia branca.

Vemos isso no sistema comercial mundial. As economias colonizadas correm maior risco de ficar presas na produção de matérias-primas e produtos de baixa tecnologia, que é uma nova forma de colonialismo.

E nós vemos isso nas relações globais de poder.

A África tem sido uma dupla vítima. Em primeiro lugar, como objetivo do projeto colonial. Segundo, os países africanos estão sub-representados em instituições internacionais, que foram criadas após a Segunda Guerra Mundial e antes que a maioria deles ganhasse independência.

As nações que surgiram 70 anos atrás se recusaram a contemplar as reformas necessárias para mudar as relações de poder nas instituições internacionais. Um exemplo disso é a composição e o direito de voto no Conselho de Segurança das Nações Unidas e nos conselhos do sistema Bretton Woods.

A desigualdade começa no topo: nas instituições globais. Para combater a desigualdade, precisamos começar reformando essas instituições.

E não vamos esquecer outra grande fonte de desigualdade em nosso mundo: milênios de patriarcado.

Vivemos em um mundo dominado por homens, em uma cultura dominada por homens.

Em todos os lugares, as mulheres estão em uma situação pior que os homens, simplesmente porque são mulheres. Desigualdade e discriminação são a norma. A violência contra as mulheres, incluindo o feminicídio, atingiu níveis epidêmicos.

Globalmente, as mulheres continuam sendo excluídas dos cargos de responsabilidade nos governos e nos conselhos de administração corporativos. Menos de um em cada dez líderes mundiais é uma mulher.

A desigualdade de gênero prejudica a todos porque impede de nos beneficiarmos da inteligência e da experiência de toda a humanidade.

É por isso que, como um orgulhoso feminista, tornei a igualdade de gênero uma prioridade máxima e a paridade de gênero agora é uma realidade nas posições mais altas das Nações Unidas. Peço aos líderes de todos os níveis que façam o mesmo.

E tenho o prazer de anunciar que a sul-africana Siya Kolisi é nossa nova defensora global da Iniciativa Spotlight das Nações Unidas, em cuja condição incorpora outros homens na luta para fazer frente ao flagelo da violência contra as mulheres e meninas.

 

Estimadas amigas e estimados amigos,

As últimas décadas criaram novas tensões e tendências.

A globalização e as mudanças tecnológicas geraram enormes avanços em termos de renda e prosperidade.

Mais de 1 bilhão de pessoas emergiram da pobreza extrema.

Mas a expansão do comércio e do progresso tecnológico também contribuiu para uma mudança sem precedentes na distribuição de renda.

Entre 1980 e 2016, o 1% mais rico do mundo absorveu 27% do crescimento total da renda acumulada.

Os trabalhadores pouco qualificados enfrentam uma avalanche de novas tecnologias, automação, a realocação do setor manufatureiro e o desaparecimento de organizações trabalhistas.

Os benefícios fiscais e a evasão fiscal continuam sendo um fenômeno generalizado. As taxas de imposto das empresas foram reduzidas.

Como consequência, os recursos investidos nos mesmos serviços capazes de reduzir a desigualdade diminuíram: proteção social, educação e assistência médica.

E uma nova geração de desigualdades vai além da renda e da riqueza para abranger o conhecimento e as habilidades necessárias para ter sucesso no mundo de hoje.

As profundas disparidades começam antes do nascimento, definem vidas e determinam a morte precoce.

Em países com desenvolvimento humano muito alto, mais de 50% dos jovens de 20 anos estão no ensino superior. Nos países com baixo desenvolvimento humano, esse número é de 3%.

Ainda mais surpreendente é o fato de que cerca de 17% das crianças nascidas há 20 anos em países com baixo desenvolvimento humano já morreram.

 

Estimadas amigas e estimados amigos,

No futuro, duas mudanças sísmicas moldarão o século XXI: a crise climática e a transformação digital. Ambas podem ampliar ainda mais as desigualdades.

Alguns dos eventos que ocorrem nos centros de tecnologia e inovação atuais são de grande preocupação.

A indústria de tecnologia dominada por homens não está perdendo apenas metade dos conhecimentos e perspectivas do mundo. Também está usando algoritmos que podem consolidar ainda mais a discriminação racial e de gênero.

O fosso digital reforça as divisões sociais e econômicas, da alfabetização aos cuidados de saúde, do urbano ao rural, do jardim de infância à universidade.

Em 2019, cerca de 87% da população nos países desenvolvidos usava a Internet, em comparação com apenas 19% nos países menos desenvolvidos.

Corremos o perigo de um mundo de duas velocidades.

Ao mesmo tempo, até 2050, a aceleração das mudanças climáticas afetará milhões de pessoas devido à desnutrição, malária e outras doenças, migração e eventos climáticos extremos.

Isso cria sérias ameaças à igualdade e à justiça entre gerações. Hoje, os jovens que protestam contra as mudanças climáticas estão na vanguarda da luta contra a desigualdade.

Os países mais afetados pela perturbação do clima foram os que menos contribuíram para o superaquecimento global.

A economia verde será uma nova fonte de prosperidade e emprego. Mas algumas pessoas perderão seus empregos, particularmente nos cinturões de óxido pós-industriais do mundo.

Por isso, apelamos não apenas à ação climática, mas também à justiça climática.

Os líderes políticos devem elevar sua ambição, as empresas devem elevar suas vistas e as pessoas em todos os lugares devem elevar suas vozes.

Existe um caminho melhor, e devemos segui-lo.

 

Estimadas amigas e estimados amigos,

Os efeitos corrosivos dos atuais níveis de desigualdade são claramente visíveis.

Às vezes nos dizem que a fase crescente da maré de crescimento econômico eleva todos os navios.

Mas, na realidade, o aumento da desigualdade está fazendo com que todos os navios afundem.

A confiança nas instituições e líderes erodiu. A participação global dos eleitores diminuiu 10% em média desde o início da década de 1990.

As pessoas que se sentem marginalizadas são vulneráveis a argumentos que atribuem suas desgraças a outros, principalmente aqueles com aparência ou comportamento físico diferente.

Mas o populismo, o nacionalismo, o extremismo, o racismo e o uso de bodes expiatórios criarão apenas novas desigualdades e divisões nas e entre as comunidades; entre países, entre grupos étnicos, entre religiões.

A covid-19 é uma tragédia humana. Mas também criou uma oportunidade geracional.

Uma oportunidade para construir um mundo mais inclusivo e sustentável.

A resposta à pandemia e ao descontentamento generalizado que a precedeu deve basear-se em um Novo Contrato Social e um Novo Acordo Global que criem oportunidades iguais para todos e respeito pelos direitos e liberdades de todos.

Somente assim podemos cumprir os objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, o Acordo de Paris e a Agenda de Ação de Adis Abeba, acordos que abordam precisamente as falhas que a pandemia expôs e explorou.

Um novo contrato social nas sociedades permitirá que os jovens vivam com dignidade; garantirá que as mulheres tenham as mesmas perspectivas e oportunidades que os homens; e protegerá os doentes, os vulneráveis e as minorias de todos os tipos.

A educação e a tecnologia digital devem ser dois grandes facilitadores e equalizadores.

“A educação é a arma mais poderosa que podemos usar para mudar o mundo”. Como sempre, Nelson Mandela foi o primeiro a dizer isso.

Os governos devem priorizar a igualdade de acesso, desde a aprendizagem precoce até a educação ao longo da vida.

A neurociência nos diz que a educação pré-escolar muda a vida das pessoas e traz enormes benefícios para as comunidades e sociedades.

Portanto, quando as crianças mais ricas têm sete vezes mais chances do que as mais pobres de frequentar a pré-escola, não é de surpreender que a desigualdade seja intergeracional.

Para proporcionar educação de qualidade para todos, precisamos mais que dobrar os gastos com educação em países de baixa e média renda até 2030, para atingir os 3 trilhões de dólares por ano.

Dentro de uma geração, todas as crianças em países de baixa e média renda poderiam ter acesso à educação de qualidade em todos os níveis.

Isso é possível. Nós apenas temos que decidir fazê-lo.

E como a tecnologia transforma nosso mundo, não basta adquirir conhecimentos ou habilidades. Os governos precisam priorizar o investimento em alfabetização digital e infraestrutura.

Será essencial aprender a aprender, adaptar e adquirir novas habilidades.

A revolução digital e a inteligência artificial mudarão a natureza do trabalho e a relação entre trabalho, lazer e outras atividades, algumas das quais nem sequer podemos imaginar hoje.

O Roteiro para Cooperação Digital, apresentado nas Nações Unidas no mês passado, promove uma visão de um futuro digital inclusivo e sustentável, conectando, até 2030, as 4 bilhões de pessoas que ainda não têm acesso à Internet.

As Nações Unidas também lançaram o “Giga”, um projeto ambicioso para colocar todas as escolas do mundo online.

A tecnologia poderá turbinar a recuperação em relação à covid-19 e a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

 

Estimadas amigas e estimados amigos,

O aumento do abismo de confiança entre pessoas, instituições e líderes ameaça a todos nós.

As pessoas querem sistemas sociais e econômicos que beneficiem a todos. Eles também querem que seus direitos humanos e liberdades fundamentais sejam respeitados. Eles querem ter voz e votar nas decisões que afetam suas vidas.

O Novo Contrato Social, entre governos, pessoas, sociedade civil, empresas e mais, deve integrar emprego, desenvolvimento sustentável e proteção social, com base na igualdade de direitos e oportunidades para todos.

As políticas trabalhistas, combinadas com um diálogo construtivo entre empregadores e representantes dos trabalhadores, podem melhorar a remuneração e as condições de trabalho.

A representação dos trabalhadores também é fundamental para enfrentar os desafios colocados ao emprego pela tecnologia e pela transformação estrutural, incluindo a transição para uma economia verde.

O movimento trabalhista tem uma orgulhosa história de luta contra a desigualdade e de defesa dos direitos e dignidade de todos.

É essencial que o setor informal integre-se gradualmente nos marcos de proteção social.

Um mundo em mudança requer uma nova geração de políticas de proteção social com novas redes de seguridade que incluam a cobertura universal de saúde e a possibilidade de uma renda básica universal.

É essencial estabelecer níveis mínimos de proteção social e reverter o subinvestimento crônico em serviços públicos, como educação, saúde e acesso à Internet.

Mas isso não é suficiente para lidar com desigualdades arraigadas.

Precisamos de programas e políticas de ação afirmativa, especialmente direcionados para tratar e remediar as desigualdades históricas de gênero, raça ou etnia que foram reforçadas por normas sociais.

A tributação também tem um papel no Novo Contrato Social. Todos – pessoas físicas e jurídicas – terão que pagar a parte que lhes corresponde.

Em alguns países, há espaço para impostos que reconhecem que as pessoas ricas e bem conectadas se beneficiaram muito do estado e de seus concidadãos.

Os governos também devem transferir a carga tributária das folhas de pagamento para o carbono.

A taxação do carbono em vez das pessoas aumentará a produção e o emprego, reduzindo as emissões.

Devemos quebrar o círculo vicioso da corrupção, que é causa e efeito da desigualdade. A corrupção reduz e desperdiça os fundos disponíveis para proteção social; enfraquece as normas sociais e o estado de direito.

A luta contra a corrupção depende da responsabilidade. A maior garantia de responsabilidade é uma sociedade civil vibrante, com mídia livre e independente e plataformas de mídia social responsáveis, que promovem um debate saudável.

 

Estimadas amigas e estimados amigos,

Vamos encarar os fatos. O sistema político e econômico global não está fornecendo bens públicos globais de importância vital: saúde pública, ação climática, desenvolvimento sustentável, paz.

A pandemia de covid-19 nos lembrou da trágica desconexão entre interesse próprio e interesse comum; e as enormes lacunas nas estruturas de governança e estruturas éticas.

Para fechar essas lacunas e tornar possível o Novo Contrato Social, precisamos de um Novo Acordo Global que torne o poder, a riqueza e as oportunidades compartilhadas de maneira mais ampla e justa internacionalmente.

Um novo modelo de governança global deve ser baseado na participação plena, inclusiva e igualitária nas instituições globais.

Caso contrário, enfrentaremos desigualdades e lacunas de solidariedade ainda maiores, como as que testemunhamos hoje na resposta global fragmentada à pandemia de covid-19.

Os países desenvolvidos estão muito interessados em sua própria sobrevivência contra a pandemia. Mas eles não foram capazes de fornecer o apoio necessário para ajudar o mundo em desenvolvimento nesses tempos perigosos.

Um novo acordo global, baseado em uma globalização justa, nos direitos e dignidade de cada ser humano, em uma vida em equilíbrio com a natureza, na consideração dos direitos das gerações futuras e no sucesso medido em termos humanos mais do que econômico, é a melhor maneira de mudar essa situação.

O processo de consulta global em torno do 75º aniversário das Nações Unidas mostrou que as pessoas querem um sistema de governança global que atenda às suas expectativas.

O mundo em desenvolvimento deve ter uma voz muito mais forte na tomada de decisões globais.

Também precisamos de um sistema comercial multilateral mais inclusivo e equilibrado que permita aos países em desenvolvimento subir nas cadeias globais de valor.

Fluxos financeiros ilícitos, lavagem de dinheiro e sonegação de impostos devem ser evitados. É essencial que seja alcançado um consenso global para acabar com os paraísos fiscais.

Devemos trabalhar juntos para integrar os princípios do desenvolvimento sustentável na tomada de decisões financeiras. Os mercados financeiros devem ser parceiros completos na mudança do fluxo de recursos desde o marrom e cinza para o verde, o sustentável e o equitativo.

A reforma da arquitetura da dívida e o acesso ao crédito acessível devem criar espaço fiscal para que os investimentos avancem na mesma direção.

 

Estimadas amigas e estimados amigos,

Nelson Mandela disse: “Um dos desafios do nosso tempo... é voltar a infundir na consciência de nosso povo esse sentimento de solidariedade humana, de estarmos um para o outro no mundo e através dos demais”.

A pandemia de covid-19 tornou essa mensagem mais poderosa do que nunca.

Devemos um ao outro.

Ou lutamos juntos, ou desmoronamos.

Hoje, nas manifestações pela igualdade racial... nas campanhas contra o discurso de ódio... nas lutas de pessoas que reivindicam seus direitos e defendem as gerações futuras... vemos o início de um novo movimento.

Esse movimento rejeita a desigualdade e a divisão, e une os jovens, a sociedade civil, o setor privado, as cidades, as regiões e outros em torno das políticas a favor da paz, do nosso planeta, da justiça e dos direitos humanos para todos. As coisas já estão mudando.

Chegou a hora de os líderes mundiais decidirem:

Sucumbiremos ao caos, à divisão e à desigualdade?

Ou corrigiremos os erros do passado e avançaremos juntos, pelo bem de todos?

Estamos em um ponto de inflexão. Porém sabemos de que lado da história estamos.

Muito obrigado.

 

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