10 Abril 2020
"Nas minhas comunidades, eu tento construir, mesmo em tempos de coronavírus, uma fé que parta da Palavra, que busque a Eucaristia como celebração do povo, de comunidade reunida, e não como gesto privado do padre, uma fé que desemboque em gestos de amor e, sobretudo, que fale ao homem e à mulher do terceiro milênio, com gestos e significados que possam ser compreendidos hoje, e não na Idade Média", escreve Giuseppe Magnolini, padre italiano da Diocese de Bréscia, em artigo publicado por Ospitalità Eucaristica, n. 17, abril de 2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sou pároco em quatro pequenas comunidades na Diocese de Bréscia, precisamente em Alta Valle Camonica. As minhas comunidades unidas somam cerca de 2.200 habitantes, e, por enquanto, o vírus ainda não entrou de modo violento na nossa vida: aqui, ao contrário de outras regiões da nossa província, temos poucos casos, quase todos em recuperação.
Obviamente, também entre nós, há quase um mês, já entraram em vigor as várias normas para poder conter a epidemia, e, com razão, elas também dizem respeito às celebrações religiosas e de culto. Todas as celebrações foram suspensas, incluindo as dos casamentos e dos funerais, assim como todos os tipos de reuniões ou encontros.
Assim, encontramo-nos em um deserto litúrgico, na minha opinião muito importante, precisamente em um tempo como o da Quaresma, que, para nós, católicos, sempre foi vivido e visto como o tempo litúrgico mais forte e mais exigente.
Pessoalmente, acho que esta é uma oportunidade propícia e, diria, providencial para reler a nossa espiritualidade católica muito impregnada de ritualismo e de devocionalismo, para nos perguntar que cristãos queremos ser e, sobretudo, sobre o que queremos construir a nossa fé.
Nestes dias, por meio das mídias sociais, eu tentei enviar todos os dias uma reflexão sobre a Palavra de Deus, ir ao encontro das pessoas solitárias com um telefonema e depois convidar os meus fiéis a voltarem a ler a Palavra em casa como lâmpada para os nossos passos incertos e cansativos deste período.
Alguns me ressaltaram o seu sofrimento por não poderem participar da celebração dominical ou mesmo durante a semana, outros entenderam que sermos discípulos de Jesus não é apenas viver ritos, mas sim viver isso na nossa experiência cotidiana.
Pessoalmente, considero proveitoso este tempo que foi esvaziado de tantas coisas: penso apenas em todas as celebrações da Semana Santa, nos vários ritos quaresmais: fizemos um pouco de jejum necessário, que nos levou, se quisermos, a compartilhar também a marginalização da Ceia do Senhor. Infelizmente, na Igreja de Roma, ainda são muitos aqueles que, por regras humanas e certamente não divinas, não podem se aproximar do banquete; por um jogo da vida, passamos para o outro lado da barricada.
Isso é uma escola de vida, e poderia ser uma escola de cristianismo. Nós, presbíteros, fomos convidados pelos bispos a celebrar igualmente, sozinhos, a portas fechadas e a viver momentos pessoais de devoções várias: pessoalmente, adaptei-me ao convite dos bispos no que se refere à celebração dominical, que também tornei visível através da web, mas me permito dizer que isso me pareceu um pouco absurdo, porque não se tratou apenas da oração.
Sempre dissemos que a celebração eucarística tem valor porque há o povo de Deus que dela participa, que faz a Igreja, que não faz sentido celebrar sozinho, e depois o que me é proposto é isso...
Uma visão muito tridentina do presbiterado e também da Ceia do Senhor, em que o que importa é o padre. Eu me perguntei: “Mas se sou padre para uma comunidade e não para mim mesmo, se a comunidade não pode estar lá, como neste caso, não há eucaristia, adotam-se outras formas, mas não se celebra sozinho...! Qual é o sentido?”.
Fiquei muito confortado ao ler um artigo publicado na revista Il Regno da teóloga Simona Segoloni, com o título, muito significativo: “Sem presbítero não, mas sem povo sim?”, no qual ela também defende que, por trás de tudo isso, há uma visão muito tridentina e que, ao término desta emergência, teremos que falar sobre isso, mas (este é o meu pensamento) eu acho que não haverá nenhuma reavaliação, infelizmente...
Eu também não me senti em consciência de adotar outras formas devocionais propostas, como por exemplo sair pelas ruas com crucifixos ou relicários para invocar a graça da cessação da pandemia, com todo o respeito por quem crê nisso. Eu não acredito, pelo contrário, me parece que estamos alimentando uma fé infantil demais e que não estamos ajudando os nossos fiéis a se tornarem adultos, não estamos dando-lhes um alimento sólido, mas esse é um pecado dos pastores, começando por quem está na cúpula.
Eu absolutamente não quero criar polêmica, mas é aquilo em que creio e é o que eu experimentei neste tempo. Para mim, esta foi uma oportunidade para começar de novo, para mostrar o que é realmente o essencial da nossa fé em Jesus, e eu tenho medo de que, como Igreja em Roma, tenhamos perdido uma oportunidade importante.
Não culpo quem precisa de sinais ou de devoções, mas me permitam dizer que isso, porém, está a anos-luz da mensagem de Jesus. Portanto, nas minhas comunidades, eu tento construir, mesmo em tempos de coronavírus, uma fé que parta da Palavra, que busque a Eucaristia como celebração do povo, de comunidade reunida, e não como gesto privado do padre, uma fé que desemboque em gestos de amor e, sobretudo, que fale ao homem e à mulher do terceiro milênio, com gestos e significados que possam ser compreendidos hoje, e não na Idade Média.
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Fé em tempos de coronavírus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU