"De acordo com a Teoria do Caos, a Rússia está convencida de que, mais cedo ou mais tarde, vencerá". Entrevista com Anton Barbashin

Foto: Wikimedia Commons

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04 Dezembro 2025

O analista político russo, fundador do Riddle, site com excelentes fontes no topo da hierarquia, resumiu as teses que norteiam a política externa de Putin: "Moscou quer, antes de tudo, o pleno reconhecimento legal de suas anexações."

A entrevista é de Rosalba Castelletti, publicada por La Repubblica, 04-12-2025.

Para entender melhor a política externa de Putin, Anton Barbashin estudou os relatórios do Clube Valdai, o think tank responsável por elaborar teorias que justificam as ações do Kremlin. O que emergiu foi o que ele chama de "Teoria do Caos", que sugere que "a Rússia está convencida de que deve pressionar com força na Ucrânia, usando todos os seus recursos, porque no fim vencerá". Portanto, as conversas entre Vladimir Putin e os enviados de Donald Trump não produziram nenhum progresso. "Moscou não está disposta a fazer concessões", explicou ao jornal Repubblica o analista político russo, fundador e codiretor do Riddle, rotulado como "indesejável" e banido pelas autoridades.

Eis a entrevista.

Para o Kremlin, algumas propostas dos EUA são aceitáveis, outras não. Quais pontos do "plano de paz de Trump" para a Ucrânia seriam aceitáveis?

As cláusulas sobre a salvaguarda da língua russa e da Igreja Ortodoxa Russa, sobre a segurança do Mar Negro, sobre as exportações de grãos, sobre as trocas de prisioneiros. Ele também poderia negociar sobre os fundos congelados: poderia concordar em destinar parte deles à Ucrânia para a reconstrução e parte aos Estados Unidos para cooperação conjunta com a Rússia.

Quais são os pontos “inaceitáveis”?

Principalmente três. Primeiro: a arquitetura de segurança da Ucrânia. Moscou é inaceitável para qualquer proposta que exija a adesão de Kiev à OTAN, ou garantias de segurança semelhantes ao Artigo 5, ou o envio de tropas ocidentais.

Insiste em uma arquitetura pós-guerra na qual tenha o direito de vetar qualquer decisão. Segundo: o pleno reconhecimento legal de suas conquistas territoriais. O Kremlin quer que esse reconhecimento entre em vigor hoje, para que não possa ser contestado no futuro. O reconhecimento de fato não lhe basta. E quer, principalmente, que venha dos EUA e da UE, porque acredita que o resto do mundo seguiria o exemplo. Terceiro: a retirada das forças ucranianas da parte da região de Donetsk que ainda não controla.

Moscou aceitaria um congelamento da linha de frente nas regiões de Zaporíjia e Kherson? Embora as controle apenas parcialmente, reconheceu-as como suas em setembro de 2022.

Presumo que os primeiros passos rumo a um cessar-fogo e ao início de um processo multinível para alcançar um acordo final já tenham sido discutidos. Segundo informações vazadas, a Rússia está disposta a congelar a linha de frente nas duas regiões, pois entende que não pode exigir a rendição das duas principais capitais. Mas Donetsk é uma prioridade, por ser uma região de língua russa que há muito tempo é reivindicada como parte da Federação.

Como devemos interpretar o envolvimento da Rússia nas negociações? Trata-se apenas de uma manobra para ganhar tempo ou evitar irritar Trump? Ou será que a Rússia realmente espera um resultado positivo das negociações?

O exército russo está conquistando novos territórios, o que afeta os cálculos. A Rússia participará de quaisquer negociações, mas reiterará suas posições enquanto continua avançando em terra. Ela espera, naturalmente, que o governo dos EUA reconheça que a paz só beneficia a Ucrânia e pressione Kiev a ceder. Não agora, talvez na primavera ou no próximo verão. Mas essa é a expectativa.

Como a “Teoria do Caos” desenvolvida pelos especialistas do Clube Valdai justifica as ações russas?

O grupo de reflexão foi incumbido de desenvolver teorias que respondessem ao surgimento de um mundo unipolar após o colapso da URSS, um mundo onde os Estados Unidos eram a principal potência ditando as regras. Mas nem as teorias de uma ordem multipolar distribuída entre diferentes centros de poder, nem as de uma bipolaridade constituída pelos Estados Unidos e pela China, se materializaram. Assim, os cientistas políticos teorizaram que estávamos em uma fase na qual não havia mais regras, nem centros de poder; tudo era caótico e evoluía rapidamente. E a teoria tem se mostrado eficaz desde então.

Em que sentido?

Existem cinco pressupostos recorrentes nos relatórios que examinei. Primeiro: as ordens mundiais anteriores entraram em colapso e não podem ser restauradas. Segundo: o caos não pode ser controlado. Terceiro: para sobreviver, é preciso pensar apenas em si mesmo. Portanto, alianças flexíveis devem ser priorizadas. Quarto: as normas do Estado de Direito também entraram em colapso. Isso serve para justificar o desenvolvimento autoritário. Finalmente, quinto: a única garantia de sobrevivência é a força militar, no caso da Rússia, seu arsenal nuclear.

Que impacto essa teoria tem no processo de paz?

O interessante é que a "Teoria do Caos" serve para fornecer uma justificativa conceitual para as trajetórias já estabelecidas da política externa russa. Segundo a teoria, a Rússia não violou nenhuma norma internacional porque o caos global destruiu as regras antigas. A teoria também postula que, mais cedo ou mais tarde, a anexação da Crimeia e a ocupação de outros territórios ucranianos serão reconhecidas e as sanções serão suspensas, porque os EUA e a UE reconhecerão que, na nova configuração da ordem mundial, as normas são mutáveis ​​e, portanto, preferirão reconhecer o que a Rússia fez na Ucrânia para não aliená-la e obter uma vantagem estratégica. Consequentemente, as exigências fundamentais de Moscou não cederão um milímetro, por mais bem elaborado que seja o plano de paz em discussão. A teoria postula que, mesmo sem fazer concessões, a Rússia vencerá mais cedo ou mais tarde.

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