02 Dezembro 2025
A relação amistosa entre o dirigente da FIFA e o presidente dos EUA está gerando críticas entre aqueles que acreditam que a organização deveria ser neutra.
A reportagem é de Jesus Servulo Gonzalez, publicada por El País, 30-11-2025.
Gianni Infantino conta que sofria bullying na escola. Seus colegas riam de suas sardas e da cor ruiva de seu cabelo. Os rivais de Donald Trump o acusam de ser um valentão e de perseguir os mais fracos. Nunca antes duas personalidades tão antagônicas estiveram tão próximas. Infantino (Brig-Gils, 55 anos) nasceu em uma família humilde: filho de um ferroviário calabrese e de uma governanta lombarda. Trump (Nova York, 79 anos) cresceu cercado de todo o conforto. Seu pai era um magnata da construção civil bem-sucedido na vibrante Nova York dos anos 1960. A amizade inesperada entre o presidente da FIFA e o presidente dos Estados Unidos gerou algumas críticas. Mas o romance nascente entre os dois líderes está aproximando o futebol, um esporte minoritário nos Estados Unidos, do mundo MAGA, um domínio antes reservado à NFL, à NBA e ao beisebol.
Há um momento inicial, uma faísca, que explicam como essa amizade começou e nos ajudam a entender a estreita relação entre os dois homens. O primeiro ocorreu em agosto de 2018, na primeira vez em que Infantino visitou a Casa Branca com Trump como presidente. A FIFA acabara de conceder à candidatura conjunta dos Estados Unidos, Canadá e México o direito de sediar a Copa do Mundo de 2026. Infantino presenteou o republicano com uma bola de futebol e uma camisa personalizada. Quando a visita estava chegando ao fim, o dirigente suíço disse: “Há mais uma coisa. No futebol, temos árbitros. E eles têm cartões. O cartão amarelo é para advertência e o cartão vermelho é para expulsão”. O rosto de Trump se iluminou. Entusiasmado, ele pegou o cartão vermelho e, em tom de brincadeira, fingiu advertir a imprensa. A visita foi um sucesso. Uma amizade havia nascido.
O segundo momento crucial ocorreu na Suíça. Era o início de 2020 e a pandemia que devastaria o mundo naquele ano ainda não havia se manifestado. Trump compareceu ao encontro de Davos, para onde centenas de líderes empresariais de alto escalão viajam anualmente para ostentar suas conexões e suas posições sobre questões importantes. O presidente americano chegou ao evento cabisbaixo. Ele acabara de enfrentar o primeiro julgamento de impeachment de sua carreira por abuso de poder e obstrução do Congresso, após seu telefonema com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, a quem supostamente pediu que investigasse o ex-vice-presidente Joe Biden e seu filho, Hunter. A reputação internacional de Trump estava em queda livre. Infantino, dirigindo-se a um seleto grupo de líderes empresariais, apresentou Trump: “Ele diz o que muitas pessoas pensam, mas o mais importante é que ele faz o que diz. E isso torna o sonho americano uma realidade. O sonho americano é algo que não só os americanos precisam, mas pessoas do mundo todo.” Suas palavras comoveram um Trump perturbado, que o agradeceu: “Você tem sido um grande amigo meu e é uma honra.”
Desde então, eles têm conversado frequentemente, jogado golfe juntos, e Trump levou Infantino em algumas de suas viagens internacionais como se ele fosse um membro da comitiva presidencial. O ocupante da Casa Branca o chama de "amigo Johnny" como sinal de camaradagem. Eles trocam elogios publicamente. A natureza amável e gentil do presidente suíço conquistou o americano, que gosta de ser bajulado.
Os elogios de Infantino a Trump, no entanto, têm um preço. Ele foi acusado de violar os estatutos da entidade máxima do futebol mundial referentes à neutralidade política. Há três semanas, durante sua participação no American Business Forum, um fórum empresarial realizado em Miami que também contou com a presença de atletas como Lionel Messi, Serena Williams e Rafael Nadal, Infantino declarou: “Sou muito sortudo. Tenho uma excelente relação com o presidente Trump; considero-o um amigo muito próximo”. Mas ele não parou por aí: “Acho que todos devemos apoiar o que ele está fazendo, porque acho que parece muito promissor”. O ex-presidente do comitê de governança da FIFA entre 2016 e 2017, Miguel Poiares Maduro, acusou Infantino de violar “claramente” as regras de neutralidade, conforme relatado pelo The Athletic. Embora a FIFA não tenha aberto uma investigação, esta não é a primeira vez que Infantino endossa as políticas de Trump.
Nesse mesmo dia, a entidade máxima do futebol mundial anunciou a criação do "Prêmio da Paz da FIFA", que será entregue na próxima sexta-feira, durante o sorteio da Copa do Mundo de 2026. A cerimônia acontecerá no Kennedy Center, em Washington, um vasto complexo de artes e convenções que, coincidentemente, é presidido por Trump. O magnata nova-iorquino havia expressado repetidamente seu desejo de ganhar o Prêmio Nobel da Paz este ano, embora este tenha sido concedido à líder da oposição venezuelana, María Corina Machado. Embora a FIFA ainda não tenha revelado quem receberá o novo prêmio, todos já sabem o nome do escolhido.
“É verdade que a direção não está satisfeita com a relação, mas Gianni é um homem prático”, destaca uma fonte da FIFA próxima aos órgãos decisórios. “É uma Copa do Mundo com 48 seleções, a primeira na história. Os estádios precisam estar lotados com oito milhões de pessoas. Isso precisa funcionar”, acrescenta a fonte. “Ele já foi criticado na Copa do Mundo de 2018, na Rússia, por sua relação com Putin, e novamente em 2022, no Catar. E será o mesmo em 2030, quando o torneio for realizado na Espanha e no Marrocos.”
Embora a Copa do Mundo do ano que vem esteja sendo organizada em conjunto pelos Estados Unidos, Canadá e México, Infantino não demonstrou o mesmo nível de cooperação com o primeiro-ministro canadense, Mark Carney, ou com a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum.
O suíço é um homem diplomático, que nunca hesita em se alinhar com seus anfitriões. Ele demonstrou isso há quatro anos, durante a Copa do Mundo do Catar, quando, após ser questionado por jornalistas sobre violações de direitos humanos, disse: “Tenho sentimentos fortes. Hoje me sinto catariano, hoje me sinto árabe, hoje me sinto africano, hoje me sinto gay, hoje me sinto deficiente, hoje me sinto um trabalhador migrante”, e lançou uma firme defesa do país do Oriente Médio na presença do Emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani. Infantino, aliás, vive com sua família em Doha, capital do reino do Catar, onde é uma estrela. Ele também mantém uma estreita amizade com o Príncipe Herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman. De fato, ele tem excelentes laços com os líderes de países do Oriente Médio, algo que sem dúvida o favoreceu na construção de relações mais próximas com o Presidente dos Estados Unidos. Mas sua amizade com Trump atingiu um nível de confiança que está em outro patamar.
De fato, em 19 de janeiro, durante o comício para celebrar sua vitória eleitoral, Trump o mencionou nada menos que cinco vezes.
"Obrigado, Gianni", repetiu o presidente eufórico. No dia seguinte, durante sua posse para o segundo mandato na Casa Branca, a cabeça reluzente de Infantino se destacava das demais nas primeiras fileiras da cerimônia em que o político tomava posse. E tem mais. Seis meses antes, Trump o convidou para acompanhá-lo em sua primeira grande viagem internacional durante o segundo mandato. Infantino realizou trabalhos diplomáticos para o republicano graças aos seus contatos no Catar e na Arábia Saudita. Sua presença nessa viagem fez com que ele chegasse com duas horas de atraso à Assembleia Geral Anual da FIFA em Assunção, Paraguai, o que resultou em uma reprimenda da entidade que ele preside.
“É verdade que existe uma relação especial e diferente com Trump. Isso se deve ao fato de que, durante os quatro anos anteriores, Biden não teve um único segundo para se reunir com Infantino quando os Estados Unidos iriam sediar o maior evento esportivo do mundo.” Assim que Trump retornou à Casa Branca, formou um grupo de trabalho que incluía vários de seus secretários (equivalentes a ministros na Espanha) e a procuradora-geral, Pam Bondi. “Ele vem, faz perguntas e pede que sua equipe se envolva”, acrescentaram fontes da FIFA.
Os laços entre os dois líderes também são evidentes em outras atividades. A FIFA nomeou Ivanka Trump para o conselho de um projeto educacional de 100 milhões de dólares, parcialmente financiado pela venda de ingressos da Copa do Mundo. A entidade máxima do futebol mundial também alugou um escritório na Trump Tower, em Nova York, e está construindo uma enorme sede em Miami, o local de férias preferido do presidente americano.
Com o sorteio da Copa do Mundo de 2026, que será realizada em 16 cidades americanas, a apenas uma semana de distância, algumas dúvidas permanecem, principalmente em relação à recepção de torcedores estrangeiros e até mesmo à possibilidade de mudanças de última hora nas sedes. O bilionário republicano gosta de aproveitar todas as oportunidades e não hesita em politizar suas ações. Há uma semana, ele se reuniu no Salão Oval com seus principais assessores e Infantino. Lá, Trump aludiu ao suposto "problema" de segurança em cidades governadas por democratas, como Boston, Los Angeles e Seattle.
Em meio à atual repressão à imigração, Trump quer mobilizar tropas da Guarda Nacional para auxiliar o ICE (Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA) em operações de deportação de imigrantes. O presidente, nascido no Queens, perguntou ao amigo se algumas dessas cidades estavam adotando políticas de imigração e militarização urbana: "Gianni, posso dizer que vamos mudar? Não acho que haverá esse problema. Mas vamos transferir o evento para um lugar onde ele será bem recebido e seguro." Infantino, visivelmente constrangido, evitou confirmar essa possibilidade, mas também não a descartou completamente: "Sim, acredito que a segurança seja a prioridade número um para uma Copa do Mundo bem-sucedida". Em troca dessa situação delicada, o dirigente da FIFA conseguiu que os Estados Unidos priorizassem os portadores de ingressos na obtenção de vistos.
Em agosto passado, após o sucesso do Mundial de Clubes, Infantino levou ao amigo uma réplica da taça da Copa do Mundo para mostrar a ele qual seria a que a equipe vencedora receberia. "A Copa do Mundo MAGA-FIFA", brincou Trump com um de seus assessores. A taça banhada a ouro 18 quilates permanece no Salão Oval, ao lado da taça original do Mundial de Clubes do torneio realizado nos Estados Unidos no verão passado. Trata-se de uma grande joia de ouro 24 quilates, desenhada pela Tiffany & Co., que Trump manteve sobre a Mesa Resolute no Salão Oval até recentemente. Infantino levou as taças para a Casa Branca apenas para exibição, mas a predileção de Trump por objetos de ouro e seu simbolismo o levou a pedir para ficar com elas, uma atitude que causou polêmica dentro da instituição.
Na realidade, duas personalidades complementares se unem. Uma pessoa precisa ser o centro das atenções, e a outra gosta de atender aos desejos dos amigos. Após a final do primeiro Mundial de Clubes, realizado neste verão nos Estados Unidos, enquanto ajudava a entregar as medalhas aos jogadores do Chelsea que conquistaram o campeonato, Trump guardou uma para si. Durante a cerimônia de entrega do troféu, algo geralmente reservado para atletas, ele ficou ao lado dos jogadores de futebol que pulavam eufóricos ao seu redor após a vitória na final contra o PSG.
O futebol está ganhando popularidade nos Estados Unidos de forma lenta, porém constante. É um esporte com pouca tradição no futebol, apesar de ter sediado a Copa do Mundo de 1994. A relação entre Trump e Infantino está ajudando a expandir seu apelo nos estados do Meio-Oeste, onde esportes como a NBA, o futebol americano e o beisebol estão profundamente enraizados. O futebol está começando a ser praticado nas escolas por meninos. A imigração latina também contribui para o seu crescimento. “É verdade que a relação entre Infantino e Trump ajuda. A imagem do presidente americano sentado nas arquibancadas na final da primeira edição do Mundial de Clubes neste verão é muito impactante. Mas sejamos honestos, Leo Messi está fazendo mais pelo futebol nos Estados Unidos”, apontam fontes da organização do futebol.
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