30 Novembro 2023
"O problema é que o mundo mudou e fingimos não saber disso. A guerra em Gaza impede Riad de se unir no Pacto Abraâmico às outras monarquias do Golfo que negociam com Israel", escreve Alberto Negri, filósofo italiano, em artigo publicado por Il Manifesto, 29-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Expo vai para a Arábia Saudita do príncipe Mohammed bin Salman, o mandante, segundo a CIA do assassinato do jornalista Jamal Kashoggi, amigo (e responsável pelos pagamentos) do senador Renzi – que exaltou o seu "renascimento" –, ironicamente convidado outro dia ao Parlamento pela presidente do conselho Meloni para pedir petróleo com desconto ao governante saudita. Mas aqui há pouco espaço para brincadeiras e ironias: na Assembleia Geral do Bureau International des Expositions, em Paris, Riad ontem levou para casa dois terços dos consensos, equivalentes a 119 votos de 182 países votantes. Com 29 votos, Busan, cidade da Coreia do Sul, ficou em segundo lugar e Roma ficou em terceiro, com 17 votos. Uma retumbante bofetada porque nem mesmo muitos países europeus votaram em Roma.
No entanto, alguns sinais já podiam ser percebidos. No final de setembro, a Arábia Saudita apoderou-se (pagando generosamente) da Casina Valadier para dar vida a um suntuoso festival cultural bem no coração da capital: não passou despercebido que essa manifestação antecedia de pouco a votação para a Expo 2030. Os sauditas trabalharam perfeitamente com diplomacia e dólares para garantir para si também essa manifestação, que se soma à Copa do Mundo de Futebol de 2034. E como todos sabem, Riad comprou com dinheiro público (os gordos cofres do reino wahabita) as estrelas do futebol e também o ex-técnico da seleção italiana Mancini, que foi visto desfilando em Riad com o sabre saudita na mão. Ficou na saudade a Espada do Islã exibida na Líbia por Mussolini: aquela permanece guardada como uma relíquia, agora o que importa é muito diferente da retórica do vintênio fascista.
Mas nessa amarga situação o dinheiro saudita que nos traz grandes encomendas (veja-se Leonardo), nos faz torcer o nariz. O embaixador Giampiero Massolo, presidente do comitê promotor, analisou com palavras sem precedentes a derrota de Paris, falando de "deriva mercantil" e “método transacional e não transnacional”. Para depois soltar: “Até o fim, nem para nós nem para os coreanos calculava-se números dessa magnitude, então na última milha algo deve ter acontecido”.
“Não vou criticar – continuou –, não vou acusar, não tenho provas, mas a deriva mercantil diz respeito aos governos e, às vezes, até mesmo aos indivíduos. É perigoso: hoje a Expo, primeiro a copa do mundo de futebol, depois quem sabe as Olimpíadas... eu não gostaria que se chegasse à compra de cadeiras no conselho de segurança da ONU, porque se esta é a tendência, acredito que a Itália não deveria compactuar." Nobres palavras essas de Massolo, ex-secretário-geral das Relações Exteriores, ex-chefe do Dis, do ISPI, presidente da Fincantieri e Atlantia. Mas justamente Fincantieri e Leonardo, levantado o embargo das armas em Riad, estão fazendo negócios de ouro na Arábia Saudita. Nesses casos, parece que não desprezamos tanto assim o dinheiro saudita e os 800 bilhões de dólares do seu fundo soberano.
O problema é que o mundo mudou e fingimos não saber disso. A guerra em Gaza impede Riad de se unir no Pacto Abraâmico às outras monarquias do Golfo que negociam com Israel. Mas, como revelado no G-20, existe o “Corredor Índia-Médio Oriente-Europa”, que compete com a Rota da Seda chinesa e o Canal de Suez, para uma rede ferroviária que trará mercadorias da Ásia pelos Emirados, Arábia Saudita e Jordânia, até os portos em Israel e à Europa. Estamos à venda…
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A armadilha do “amigo” bin-Salman. Artigo de Alberto Negri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU