24 Julho 2025
Governo brasileiro provavelmente terá de trabalhar com pior cenário a partir de agosto para fazer valer a soberania e os interesses do país diante da chantagem estadunidense
A reportagem é de César Fraga, publicada por ExtraClasse, 22-07-2025.
“O tarifaço de Trump ameaça empregos e amplia déficit com o Brasil. A probabilidade de o governo ter de trabalhar um plano de contingência com o pior dos cenários é a mais provável que aconteça”, alertou o coordenador técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Ricardo Franzoi, a sindicalistas da CUT/RS, durante reunião ampliada da diretoria, na manhã desta terça, 22, que discutiu estratégias e posicionamento do movimento sindical diante da crise EUA-Brasil.
Segundo Franzoi, embora a fatídica carta de Donald Trump coloque a questão política — da iminente prisão de Jair Bolsonaro — como condicionante, o que está por trás são outros interesses. A presença da China na América Latina, a reunião dos Brics como ameaça à hegemonia do dólar e a discussão recente no Supremo Tribunal Federal (STF) para regulamentar melhor as Big Techs estão entre as razões. “A guerra é comercial, mas também tem interesses político-ideológicos”, pondera.
Embora os estados mais dependentes das exportações para os Estados Unidos sejam São Paulo, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Espírito Santo, o Rio Grande do Sul também sofrerá consequências. Os setores mais impactados serão o de armas e munições — com 86% da produção voltada ao mercado estadunidense. Depois vêm, respectivamente, os setores de máquinas, aparelhos e materiais elétricos (e suas partes), com 42% da produção; o segmento de madeira, carvão vegetal e obras de madeira, com 30%; e calçados e partes de calçados, com 24%. Os EUA são destino de 8,4% das exportações gaúchas, representando US$ 1,84 bilhão.

Rio Grande do Sul – exportação e participação no total das exportações para os EUA em 2024 (Fonte: MDIC/Dieese).
Impacto das ameaças de Trump para o RS e o reflexo nos empregos
Em termos de impacto, as exportações da indústria de transformação gaúcha para os Estados Unidos representaram 11,2% do total em 2024, com forte concentração em alguns segmentos.
Os principais foram produtos de metal, com 46% destinados ao mercado norte-americano; minerais não metálicos, com 44,4%; máquinas e materiais elétricos, com 42,5%; e madeira, com 30,1%. Embora menos expostos, setores como couro e calçados (19,4%), móveis (16,8%) e veículos automotores (13,9%) também podem sofrer efeitos indiretos, como impacto em estoques, logística e preços.

Fonte: Fiergs
Entre os ramos mais afetados estão armas e munições, que exportam 85,9% da produção para os EUA; transformadores e indutores, com 79,3%; calçados de couro, com 47,5% — setor que é o maior empregador, com mais de 31 mil postos; serrarias e madeira, com 29,6%; e peças para veículos, com até 53% da produção destinada ao exterior. Em 2024, esses ramos geraram US$ 1,2 bilhão em exportações e sustentaram 145,4 mil empregos, o que corresponde a 21,2% do total da indústria de transformação no Rio Grande do Sul.
Franzoi também destacou que mais de 6.500 pequenas empresas nos EUA dependem de produtos importados do Brasil; 3.900 empresas americanas investem no país; que o Brasil é um dos dez principais mercados para as exportações dos EUA; além de ser o destino de quase US$ 60 bilhões em bens e serviços estadunidenses todos os anos.

Fonte: Fiergs
Ele destaca alguns pontos de atenção. Entre eles, a alta do dólar e eventuais medidas adicionais do governo norte-americano contra, por exemplo, o PIX — afinal, representam movimentações de R$ 65 trilhões por semestre sem que passem pelas taxas cobradas por cartões de crédito e sistemas de transação financeira das Big Techs.
“Embora já exista um plano de contingência do governo brasileiro, seria necessária a criação de um grupo de trabalho com a classe trabalhadora, empresários e governo para avaliação dos impactos das tarifas impostas pelos Estados Unidos à indústria brasileira”, conclui o técnico do Dieese.
CUT-RS se une a ato pela soberania nacional em frente à embaixada dos EUA, em POA
A CUT-RS participou, nesta terça-feira, 22, do Ato pela Soberania Nacional realizado em frente à sede da embaixada dos Estados Unidos, em Porto Alegre. A manifestação reuniu movimentos sociais, partidos políticos, sindicatos e centrais sindicais em protesto contra o imperialismo norte-americano e as ameaças à soberania do Brasil.
O ato ocorre após uma série de declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que anunciou a aplicação de uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para o mercado norte-americano. A medida, que entrará em vigor em 1º de agosto, foi criticada pelos manifestantes.
“O trabalhadores dos Estados Unidos nos enviaram uma carta dizendo que não concordam com o que o presidente Trump fez e com os interesses que ele representa. Os trabalhadores são solidários com os trabalhadores e com o povo brasileiro. Porque, atrás desse interesse de tarifas e de ingerência, está a retirada de direitos”, afirmou o presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci.
A presidente do PT-RS, Juçara Dutra, também se manifestou durante o ato. “Agora, estamos tratando da soberania brasileira e temos a responsabilidade de mobilizar para que a população entenda que está sendo atacada. Não só pelo imperialismo, mas por um país que pensa ser o dono do mundo. Nós não estamos falando do povo americano, estamos falando do governo deles”, declarou.
Amarildo reforçou a necessidade de o governo brasileiro reagir com medidas concretas. “É preciso reafirmar a lei da soberania e garantir que o governo brasileiro — como tem feito, mas deve reforçar ainda mais — adote políticas de proteção aos direitos dos trabalhadores e aos setores diretamente atingidos por essa medida. Temos que ter política e, definitivamente, construir um plano”, concluiu.
O protesto reuniu dezenas de pessoas diante da representação diplomática norte-americana em Porto Alegre.
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