10 Julho 2025
Especialista ouvido pela RFI diz que sociedade e setor produtivo pagam a conta da confusão que Donald Trump faz de ideologia política e economia.
A reportagem é de Raquel Miura, publicada por Rfi, 10-07-2025.
Assim que o anúncio foi feito, a tarifa de 50% sobre todos os produtos que os Estados Unidos compram do Brasil dominou os bastidores do governo, os discursos no Congresso, a ansiedade do mercado e dos setores produtivos, além das discussões nas redes sociais.
O economista Gilberto Braga, professor do IBMEC, disse que ao se posicionar do lado das gigantes de tecnologia e do ex-presidente Jair Bolsonaro, contrapondo-se a Lula e ao Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente americano, Donald Trump, usa as tarifas comerciais e joga contra a economia dos dois países.
“Essa tarifa comercial representa um viés econômico, mas também um viés político e ideológico, numa certa confusão entre as duas coisas – e a economia brasileira vai acabar pagando a conta. Mas eles também perdem. A economia americana precisa dos insumos que o Brasil exporta para lá. O Brasil é, hoje, um grande fornecedor de alguns produtos, como aço, produtos alimentares, agrícolas e semiprocessados, como minério”, explicou Braga.
Recentemente o STF, que julga a atuação de Bolsonaro em suposta trama golpista, decidiu responsabilizar as Big Techs por conteúdos criminosos publicados por usuários nas redes sociais. "Os dois temas constam da carta de Trump dirigida ao presidente brasileiro, na qual ele apresenta justificativas para as medidas econômicas."
O economista disse esperar uma negociação diplomática e comercial entre as partes, com o objetivo de se chegar a um entendimento — a exemplo do que já ocorreu com a União Europeia e o Canadá. Ele também lembrou de um impasse político ocorrido com os Estados Unidos durante o governo de Dilma Rousseff.
“Nós já tivemos episódios passados. A então presidente da República foi espionada pelos serviços de inteligência americanos, o que levou ao cancelamento da viagem que ela tinha marcada aos Estados Unidos. Foi um incidente de natureza política e não teve consequências econômicas. Isso foi superado. Então, é preciso que exista um processo negocial e de superação da atual situação”, afirmou o professor.
O presidente Lula respondeu nas redes sociais que o Brasil é soberano, com instituições independentes e não aceita ser tutelado por ninguém. Quanto às tarifas anunciadas para agosto, afirmou que serão respondidas “à luz da lei brasileira de reciprocidade econômica”.
Lula disse que são falsas as informações (da carta de Trump) de que os Estados Unidos têm déficit na relação comercial com o Brasil, lembrando que os brasileiros compram mais do que vendem para os americanos. Ele também afirmou que o julgamento das pessoas que atentaram contra a democracia é de responsabilidade exclusiva da Justiça brasileira, sem interferência dos demais poderes.
Lula ainda defendeu o novo entendimento trazido pelo STF sobre as mídias sociais: “No Brasil, liberdade de expressão não se confunde com agressão ou práticas violentas. Para operar em nosso país, todas as empresas, nacionais e estrangeiras, estão submetidas à legislação brasileira.”
Os governistas jogaram no colo dos bolsonaristas possíveis prejuízos à economia.
“Está satisfeito, Eduardo Bolsonaro? Está satisfeito, governador Tarcísio? Vai botar o boné de Trump de novo, Tarcísio? Você vai ficar feliz com perda de emprego em São Paulo? Vocês têm que se explicar. E agora é hora dos brasileiros e dos democratas se unirem em defesa do nosso país”, disse o líder do PT na Câmara, Lindberg Farias.
A direita tentou construir um discurso que acolhesse os argumentos de Donald Trump, mas mostrou-se um tanto constrangida em defender o tarifaço em si.
"E agora a taxação do Trump, que evidentemente nós, como brasileiros, não concordamos com ela — mas também não concordamos com a covardia que vem sendo feita contra o presidente Bolsonaro, contra brasileiros que vêm sendo perseguidos pelo governo e pelo STF”, falou o deputado Carlos Jordy (PL).
O líder do Novo, Marcel Van Hattem, chegou a propor como saída para o impasse alfandegário a aprovação da anistia para os golpistas: “O que Donald Trump fez hoje, e é lamentável que a população brasileira agora esteja sujeita a esse tipo de sanção, foi dizer a todo o mundo o que está acontecendo no Brasil, que é censura, é perseguição política, é ditadura. E esta Casa tem a solução para o problema. A primeira delas, anistia para todos os perseguidos políticos do Brasil.”
Pelas redes sociais, o senador Sérgio Moro afirmou que “a imposição de tarifas de 50% pelos EUA contra produtos brasileiros é um grande erro, já que a balança comercial é equilibrada e até com vantagem para os EUA”. “Hora de atuar com diplomacia firme e serena para reverter. Lula não ajuda com seu antiamericanismo infantil. Deixe os diplomatas profissionais trabalharem”, acrescentou Moro.
Aliada do governo, a deputada Jandira Feghali (PCdoB) cobrou responsabilidade da oposição: “Trump acha que, prejudicando os produtores brasileiros — seja do agro, da indústria ou de qualquer lugar —, ele vai conseguir intimidar o Supremo Tribunal Federal? Não irá. E o bolsonarismo tem que ser responsabilizado.”
O líder do governo, José Guimarães (PT), afirmou que o dia foi de reuniões e análises no Planalto com assessores do Itamaraty para avaliar medidas cabíveis: “Essa atitude do governo americano fere todos os princípios do direito internacional. E o governo brasileiro já mandou chamar o embaixador do Brasil nos Estados Unidos. A soberania do Brasil é intocável.”