Diálogo inter-religioso? É possível, ainda que o multiculturalismo cause medo

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02 Dezembro 2025

"A complexidade do próprio cenário islâmico — desde a delicada convivência entre sunitas, alevitas, bektashis e sufis — até a fragmentação do mundo cristão em múltiplos ritos e confissões, muitas vezes mais cacofônicos do que realmente dialogantes, agravam a dificuldade. Nesse contexto, construir um diálogo autêntico significa confrontar-se com diversas sensibilidades, em uma situação complexa que requer atenção, sensibilidade e respeito", escreve Claudio Monge, em artigo publicado por Avvenire, 28-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Claudio Monge é frei dominicano e diretor do Instituto de Estudos Dominicanos (DoSt-I) de Istambul.

Eis o artigo.

O Papa Leão XIV está na Turquia, e ressoa poderoso seu apelo: "Devemos primeiro desarmar o coração. Se não houver paz dentro de nós, não poderemos oferecer paz." Junto com esse apelo, o Pontífice consuma convidar a "desarmar as palavras" que usamos. Duas atitudes inseparáveis, dois critérios indispensáveis até mesmo para compreender, sem alimentar instrumentalizações ou o mal-entendidos, a situação histórica e atual dos cristãos na Turquia: berço do cristianismo, mas também encruzilhada histórica de encontro-confronto entre religiões abraâmicas.

Os pontos fortes do diálogo inter-religioso estão enraizados na história. A presença bimilenar das igrejas cristãs deixou uma marca indelével no país, preservada por um extraordinário patrimônio artístico e documental. A isso se soma um background cultural favorável ao encontro: a hospitalidade, o valor da amizade, a importância da vizinhança, elementos que persistem mesmo nos bairros das grandes metrópoles como Istambul. Além disso, continua sendo exemplar o legado de Angelo Roncalli - o futuro João XXIII - que, como Delegado Apostólico (1935-45), soube lançar pontes graças à sua capacidade de "desarmar as palavras", buscando pontos de convergência antes mesmo de se deter nas questões mais controversas. As gerações mais jovens demonstram uma abertura a outras culturas (não apenas ocidentais) e o interesse por uma sociedade mais aberta ao diálogo, como evidenciado, há seu tempo, pelos protestos contra a conversão da Hagia Sophia e da Igreja de São Salvador em Chora em mesquitas: decisões percebidas mais como resultado de lutas internas de poder do que como expressão de estratégias religiosas.

A experiência de algumas áreas de diálogo inter-religioso no país confirma o valor de projetos culturais compartilhados: desde visitas a locais de culto até a produção de material para um entendimento mútuo mais profundo. A isso se soma o crescente multiculturalismo das realidades urbanas, caracterizadas, por exemplo, pelo aumento das uniões inter-religiosas: um tecido social vibrante e dialético, muitas vezes mais complexo do que se costuma se imaginar.

No entanto, inúmeras questões críticas permanecem. O analfabetismo religioso generalizado — que afeta tanto o Islã quanto outras tradições — é agravado por um sistema educacional que investe mais na presença disseminada das escolas religiosas islâmicas imam hatip do que na qualidade do ensino. Mais que um projeto de islamização da sociedade é uma estratégia para embotar a capacidade crítica das gerações mais jovens.

O clima político muitas vezes dificulta até mesmo proferir a palavra "diálogo" (diyalog), que se tornou suspeita após a tentativa de golpe de 2016. Soma-se a isso a escassez de interlocutores cristãos capazes de articular em turco, com competência teológica, um pensamento religioso claro, equilibrado e fundamentado na Revelação (sobram pregadores improvisados, especialmente na rede). As ameaças ao diálogo são igualmente reais. Um nacionalismo religioso crescente instrumentaliza as identidades; a xenofobia e a hostilidade em relação aos "diferentes" — desde os refugiados sírios e afegãos à comunidade LGBT e até os ocidentais percebidos como novos "cruzados" — alimentam um clima por vezes tenso. A Diyanet, Autoridade para os Assuntos Religiosos, mostra posições ambivalentes: aberta ao diálogo em âmbitos internacionais, menos receptiva em suas declarações internas.

A complexidade do próprio cenário islâmico — desde a delicada convivência entre sunitas, alevitas, bektashis e sufis — até a fragmentação do mundo cristão em múltiplos ritos e confissões, muitas vezes mais cacofônicos do que realmente dialogantes, agravam a dificuldade. Nesse contexto, construir um diálogo autêntico significa confrontar-se com diversas sensibilidades, em uma situação complexa que requer atenção, sensibilidade e respeito. E é precisamente aqui que ressoa o apelo do Papa Leão XIV: mesmo antes de estratégias diplomáticas ou programas culturais, é preciso desarmar os corações e as palavras. É a única maneira crível — e transformadora — de gerar uma linguagem que não crie feridas, mas abra espaços de reconciliação e de paz.

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