01 Dezembro 2025
“Neste nosso tempo que adora se qualificar de ‘pós’ – pós-cristão, pós-metafísico, pós-teológico e pós-humanista – como se tudo começasse conosco, aqui e agora, o Concílio de Niceia, que ocorreu há 1.700 anos, nos lembra que temos uma história. E reorienta nosso olhar para as raízes da fé que recebemos como dom dos apóstolos, dos mártires e dos Padres da Igreja, testemunhas da possibilidade de entrar em uma relação profunda com o Senhor e com nossos irmãos e irmãs. Em uma sociedade como a nossa, marcada pelo individualismo, pela fragmentação e pela polarização, Niceia ensina a centralidade da relação: nosso estar em relação, conosco mesmos, com os outros. E com o Deus que se fez homem para nos salvar."
A reportagem é de Lorenzo Rosoli, publicada por Avvenire, 28-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Assim, D. Davide Carbonaro, arcebispo de Potenza-Muro Lucano-Marsico Nuovo e presidente da Conferência Episcopal da Basilicata, fala do primeiro Concílio Ecumênico da história da Igreja.
Com uma carta do presidente da CEI, Cardeal Matteo Zuppi, Carbonaro foi designado para representar os bispos italianos no encontro ecumênico de oração com Leão XIV, Bartolomeu I e outros líderes cristãos, que acontece hoje perto das escavações arqueológicas da antiga Basílica de São Neófito em Iznik — o nome atual da antiga Niceia. O arcebispo de Foggia-Bovino, D. Giorgio Ferretti, também estará presente. "Niceia não é apenas uma memória histórica, mas a raiz da fé que une toda a Igreja", declarou Carbonaro logo após a indicação, agradecendo a Zuppi. "Foi uma virada corajosa que os Padres ofereceram há 1.700 anos. Afirmar com a Encarnação que Deus não teve medo da nossa carne, mas a assumiu e a redimiu, revela implicações teológicas e antropológicas que ainda hoje são muito atuais. A Igreja de ontem e de hoje não afirma um humanismo nobre e nem mesmo uma mera filantropia, mas que a dignidade da pessoa, sua verdade mais profunda, é totalmente assumida pelo Senhor Jesus Cristo. Sua Palavra viva guia o curso da história e revela ao homem de todos os tempos o mistério de sua interioridade e das suas relações”.
Eis a entrevista.
Excelência por que os bispos italianos decidiram enviar uma delegação a Niceia? E que mensagem essa presença transmite ao povo de Deus na Itália?
Transmite a mensagem de que a Igreja italiana é uma Igreja próxima, uma Igreja do Mediterrâneo, em uma relação de continuidade histórica, teológica e espiritual com a Terra Santa e com as terras das primeiras comunidades cristãs, onde tudo começou. Ali estão as raízes da nossa fé, que somos chamados a conhecer. A CEI está em Niceia em resposta ao convite do Bispo Massimiliano Palinuro, Vigário Apostólico de Istambul. Com a nossa presença desejamos expressar a nossa amizade e comunhão com uma pequena, frágil e fronteiriça realidade eclesial, na qual reconhecemos — com gratidão — as nossas raízes.
O Concílio de Niceia uma história irremediavelmente confinada ao passado, ou poderia ser, ao contrário, um evento ainda vivo e fecundo para a nossa caminhada de fé e para o nosso ser cristãos na sociedade e cultura de hoje?
Após o tempo das perseguições e dos martírios, Niceia foi o evento crucial que levou a comunidade cristã a colocar no centro a pergunta: "quem é Jesus?". Uma questão fundamental para a nossa fé e para o nosso testemunho do Evangelho no caminho da humanidade. A resposta do presbítero Ário e de uma parte da teologia da época — Jesus nem sempre foi Deus, mas tornou-se Deus num determinado momento da história — era motivada pelo desejo de preservar a divindade e a eternidade do Pai. Mas os Padres Conciliares ofereceram outra resposta: afirmar que Jesus é o Filho de Deus, gerado, não criado, e que é da mesma substância que o Pai — uma verdade de fé afirmada com palavras tomadas não do vocabulário bíblico, mas daquele da filosófico — e que se fez homem, carne da nossa carne, vida da nossa vida, para nos salvar, significa que a minha vida se insere na dele e a dele na minha, e que tudo o que Cristo assumiu é redimido.
E o que tudo isso comporta?
Em Jesus, descobrimos a nossa relação — a nossa proximidade — com Deus. Descobrimo-nos filhos de Deus. E isso graças a um Deus que, em Jesus, se tornou nosso próximo e — como intuímos pelos trinta anos de vida oculta de Jesus em Nazaré — aprendeu com Maria, José, com as pessoas e as relações do cotidiano a entrar em relação com todos e a cuidar dos outros, como fez mais tarde ao encontrar e curar os que sofriam nas estradas da Galileia — e como faria até doar a sua vida pela nossa salvação. Naquela cotidianidade, além disso, aprendeu as palavras e as imagens que encontraremos em suas parábolas... Então é isso: Niceia nos fala de um Deus que entra em relação com a humanidade e que é ele próprio relação — como afirma o mistério da fé da Santíssima Trindade — e que aprendeu conosco a ser homem. Neste nosso tempo, que adora se qualificar de ‘pós’ — pós-cristão, pós-metafísico, pós-teológico e pós-humanista — como se tudo começasse conosco, aqui e agora, neste tempo marcado pela fragmentação e polarização, Niceia nos lembra que temos uma história, que temos raízes às quais devemos olhar com gratidão e que a vida é relação e dom.
O encontro de oração com Leão XIV e Bartolomeu I é um encontro ecumênico. O que pode ser feito para que no povo de Deus cresça a consciência da urgência do caminho da unidade?
A fé de Niceia é a fé professada por todos os cristãos. Niceia une a todos em Cristo, para além das divisões teológicas ou de outra natureza que tomaram forma ao longo dos séculos. Foi na fé de Niceia que ocorreu o famoso abraço entre Paulo VI e o Patriarca Ecumênico Atenágoras, em 5 de janeiro de 1964, em Jerusalém, e somos chamados a trilhar esse caminho… Para que o ecumenismo se torne experiência e vida de povo, cada comunidade cristã deve aprofundar seu conhecimento da história da Igreja. E da Palavra de Deus. E deve aprender a ler o pluralismo de nosso tempo — pluralismo de Igrejas e confissões cristãs, bem como de religiões, dentro da mesma sociedade, como também acontece hoje na Itália — através dos olhos da fé de Niceia, para que esse horizonte plural não seja vivido como fragmentação e conflito, na busca de uma primazia sobre os outros, mas como uma oportunidade de relação, encontro e unidade, vivida na fé no Único que nos torna irmãos.
Numa Europa onde povos que se reconhecem cristãos estão em guerra uns com os outros, pode o ecumenismo ser uma profecia de paz?
Sim. O desafio é evitar que o cristianismo seja reduzido a ideologia para afirmar a identidade e o poder de uma nação em detrimento de outras. Esse é o risco de um cristianismo sem Cristo, esvaziado do mistério do Deus encarnado, que se faz próximo de todos os homens e povos, e que Niceia nos legou. Se, após as duas guerras mundiais, a Europa soube curar muitas feridas e inimizades, foi também graças ao caminho convergente dos cristãos das diferentes Igrejas e confissões, na estrada da unidade do povo de Deus.
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