01 Dezembro 2025
A queda nas vendas e a abertura das importações decretadas por Milei estão afetando duramente a produção nacional.
A reportagem é de Mar Centenera, publicada por El País, 01-12-2025.
A multinacional Whirlpool anunciou esta semana a demissão de 220 funcionários devido ao fechamento de sua fábrica em Pilar, na periferia norte de Buenos Aires. A fábrica havia sido inaugurada apenas três anos antes, após um investimento de US$ 50 milhões com o objetivo de produzir 300 mil máquinas de lavar de última geração por ano. Os motivos alegados pela empresa americana para interromper a produção na Argentina são os mesmos de muitas das milhares de empresas que fecharam as portas no país nos últimos 20 meses: os números não batem.
A queda nas vendas em muitos setores e a abertura às importações decretadas pelo governo de Javier Milei atingiram duramente o tecido industrial argentino, acostumado à proteção oficial contra a concorrência estrangeira, que agora desapareceu.
Líderes empresariais locais exigem reformas tributárias e trabalhistas para melhorar a competitividade e também alertam para outros problemas. A valorização do peso em relação ao dólar, defendida por Milei, aumentou o custo de produção argentino e dificultou a exportação de mercadorias. Além disso, a alta das taxas de juros tem dificultado o acesso ao crédito.
A Whirlpool relata que os altos custos na Argentina tornaram inviável a exportação de 70% de sua produção para o exterior, conforme planejado inicialmente. Além disso, as margens de lucro nas vendas locais também diminuíram devido à concorrência de produtos importados: a liberalização econômica fez com que os preços dos eletrodomésticos caíssem em média 20%, segundo dados da consultoria NielsenIQ. A multinacional permanecerá no país, mas se concentrará na venda de eletrodomésticos importados, e não na fabricação local.
O fechamento da fábrica da Whirlpool é apenas mais um em uma longa lista que afeta empresas locais e internacionais com sede no país. Nos últimos dias, também foram anunciadas demissões na fábrica de utensílios de cozinha de Essen; o fechamento de uma das fábricas da fabricante de móveis Color Living; e o fechamento da fábrica de geradores e alternadores DBT, conhecida como Cramaco, em Sastre, Santa Fé.
Segundo um relatório do Centro de Economia Política da Argentina, baseado em dados da Superintendência de Riscos Ocupacionais (SRT), no primeiro ano e meio de Milei, 17.063 empresas a mais fecharam do que abriram na Argentina, o que equivale a 28 por dia, com um saldo negativo de 236.845 empregos.
Os setores mais afetados foram a construção civil e a indústria. Após sofrerem um colapso em 2024 devido à paralisação das obras públicas e à recessão resultante de cortes significativos nos gastos governamentais, esses setores ainda estão entre 22% e 9%, respectivamente, abaixo da média de 2023.
A recuperação econômica no primeiro semestre deste ano desacelerou — sem, no entanto, interromper completamente — o ritmo de fechamento de empresas, mas acelerou o número de medidas preventivas contra crises (MPCs) que as empresas utilizam para evitar demissões ou suspensões. Segundo dados oficiais citados pelo jornal La Nación, houve 143 MPCs nos primeiros dez meses de 2025, número que já supera o total de 2024 e é o maior desde 2018 e 2019, quando o país vivenciou dois anos consecutivos de queda do PIB no final do governo de Mauricio Macri.
A crise que a indústria argentina enfrenta lembra a dos anos 1990, quando o presidente Carlos Menem liberalizou as importações e muitas empresas foram obrigadas a fechar as portas por não conseguirem competir com os preços dos produtos importados. O presidente da União Industrial Argentina (UIA), Martín Rappallini, admitiu esta semana que a Argentina precisa se abrir para o mundo e competir, mas para isso necessita de políticas que reduzam os custos que atualmente encarecem a produção local. Segundo Rappallini, produzir na Argentina custa entre 25% e 30% mais do que no Brasil devido à carga tributária, à falta de infraestrutura e às leis trabalhistas vigentes.
“Nenhum país no mundo alcançou o desenvolvimento industrial fechando sua economia. Isso simplesmente não existe. A integração é o único caminho a seguir. Mas precisamos implementar políticas muito fortes para corrigir as distorções que foram criadas”, declarou o presidente da UIA (União das Indústrias Argentinas). Em setembro, a capacidade instalada da indústria manufatureira era de 61,1%, segundo o Indec, instituto oficial de estatística. Esse número é tão baixo que se aproxima do registrado no mesmo mês de 2020 (60,8%), no auge da pandemia.
Roupas importadas baratas
A situação é especialmente grave no setor têxtil, que opera com 44,4% de sua capacidade instalada, cinco pontos percentuais abaixo dos níveis de 2024 e quase 15 pontos percentuais abaixo de novembro de 2023. Esse setor não consegue competir com os preços das roupas importadas da China, que começaram a entrar na Argentina por meio de intermediários e também diretamente após o lançamento bem-sucedido de plataformas de compras online como Temu e Shein. “Estamos falando de concorrência desleal: são produtos que entram sem impostos, e há também a concorrência desleal da China sobre a qual já vínhamos alertando”, criticou Rappallini.
O entusiasmo com que muitos argentinos correram para comprar roupas baratas no conforto de suas casas, após anos de fronteiras praticamente fechadas e preços muito acima dos praticados em países vizinhos, tem um lado negativo: perdas significativas de empregos em um setor composto principalmente por pequenas e médias empresas. Segundo dados da ProTejer, quase 15 mil empregos formais foram perdidos.
Milei busca implementar reformas trabalhistas e tributárias durante a segunda metade de seu mandato, que, se aprovadas, favorecerão as empresas. As dificuldades que muitas enfrentam para vender seus produtos persistirão se o poder de compra da população não se recuperar.
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