“Uma parte da nossa economia é destrutiva e irrelevante para o bem-estar humano”. Entrevista com Jason Hickel

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26 Novembro 2025

Jason Hickel argumenta que se o crescimento econômico segue colidindo com os limites planetários, enquanto direitos básicos permanecem sem garantia, talvez o problema esteja na devoção quase ritual pela produção do supérfluo. Em Menos es más: Cómo el decrecimiento salvará al mundo (Capitán Swing), propõe algo que soa como lógico, mas que é profundamente subversivo: parar de fabricar o desnecessário - SUVs enormes, moda rápida e indústria militar, enumera com precisão e certa sanha - e orientar a economia para o que realmente produz bem-estar: moradia acessível, transporte público e serviços básicos.

Criado em Essuatíni, antes Suazilândia, e atualmente radicado em Barcelona, Hickel chegou a Elizondo convidado por Akelarre Kulturgunea e Baztango Talde Ekosoziala, e com a decepção de uma COP30 que, em sua opinião, volta a fugir do essencial. Para ele, a questão de fundo é sempre a mesma: quem é que decide o que se produz, o que se descarta e com quais critérios presumimos o progresso. Mais ainda quando seguimos adorando um indicador capaz de colocar gás lacrimogêneo e saúde pública na mesma categoria de “crescimento”. Talvez seja conveniente começar por aí.

A entrevista é de Ibai Azparren, publicada por Naiz, 23-11-2025. A tradução é da Cepat.

Eis a entrevista.

Por que o PIB continua sendo uma obsessão da política econômica?

Não está errado que o PIB seja o indicador dominante. Vivemos em uma economia capitalista e o PIB mede o que é valioso para o capitalismo. Muitas vezes, considera-se como dado que ‘crescimento’ significa melhoria do bem-estar humano, progresso social e inovação. Mas não é nada disso. O crescimento do PIB é algo muito específico: o aumento da produção industrial agregada a preços de mercado. Segundo este parâmetro, um milhão de euros em gás lacrimogêneo vale justamente o mesmo que um milhão de euros em saúde. É óbvio que não existe uma relação direta entre PIB e bem-estar. O que importa é o que produzimos e se as pessoas têm acesso aos bens e serviços que carecem para ter uma vida digna.

Se o crescimento já não pode mais ser o objetivo central, o que a prosperidade deveria significar no século XXI? Quais indicadores deveriam substituir o PIB como bússola?

Há quem tentou criar métricas alternativas ao PIB que mensurem o verdadeiro progresso econômico, levando em conta os custos sociais e ecológicos. Contudo, acredito que o melhor enfoque é pensar nos diferentes objetivos que queremos alcançar como sociedade e nos concentrarmos neles. Se o que buscamos é melhorar a saúde ou a educação, fortalecer o transporte público, cuidar da fertilidade do solo, reduzir emissões, recuperar biodiversidade ou regenerar os territórios, deveríamos organizar a produção em torno dessas metas, em vez de assumir que perseguir sem sentido o crescimento do PIB alcançará magicamente nossos objetivos e criará uma sociedade melhor.

A palavra ‘decrescimento’ costuma provocar resistência e mal-entendidos.

Quando as pessoas ouvem falar de decrescimento, costumam pensar que significa reduzir todas as formas de produção e consumo, e que isso as tornará mais pobres e prejudicará suas vidas. Não é isto. O decrescimento é algo muito específico: refere-se a reduzir as formas de produção prejudiciais e desnecessárias – os SUVs, a moda rápida, os jatos particulares, as mansões, os navios de cruzeiro, o complexo militar-industrial etc. – que consomem quantidades enormes de energia e que, em grande medida, só beneficiam a classe capitalista. Basta olhar ao redor para ver que uma parte significativa da nossa economia é destrutiva e totalmente irrelevante para o bem-estar humano. O decrescimento propõe reduzir essas partes, enquanto a produção é reorganizada para se concentrar no que é mais importante para esse bem-estar.

Em seu livro, questiona a tendência a culpar o consumidor individual.

A mudança de comportamento individual pode ser útil, mas o principal problema que enfrentamos não são os comportamentos de consumo, mas quem controla a produção. E o capitalismo é muito antidemocrático: a produção é controlada de forma esmagadora pelos grandes bancos, as grandes corporações e o 1% mais rico, que possui a maior parte dos ativos investíveis. E para o capital, o objetivo da produção não é satisfazer as necessidades humanas e alcançar o progresso social, mas maximizar e acumular lucros. Isto se denomina lei capitalista do valor. Assim, obtemos uma produção em massa de coisas como combustíveis fósseis e SUVs, porque são muito rentáveis para o capital, mas obtemos uma subprodução crônica de moradias populares acessíveis e transporte público.

Que são muito menos rentáveis...

Ou não são em absoluto. E isso explica o fato de apesar de possuirmos níveis tão altos de produção total, até o ponto de superar os limites planetários e provocar o colapso ecológico, seguimos sem satisfazer muitas necessidades humanas básicas. É um paradoxo, e ocorre porque o capital aloca mal a produção. Portanto, nosso principal objetivo deve ser democratizar a produção e alinhá-la a objetivos ratificados democraticamente, para que possamos alcançar nossas metas sociais e ecológicas. Afinal, é o nosso trabalho! São nossos recursos! Deveríamos ter algo a dizer sobre como nossas próprias capacidades produtivas são utilizadas! Temos de recuperar esse poder do capital.

Argumenta que o Norte Global precisa reduzir seu uso de materiais e energia para que o Sul Global possa se desenvolver.

As economias ricas são as principais responsáveis pelo colapso climático. São responsáveis por aproximadamente 90% do total das emissões que ultrapassam o limite planetário e pela maior parte do uso excessivo de materiais no mundo. Além disso, os altos níveis de consumo do norte global dependem da apropriação em massa de recursos do sul global. Portanto, são os países ricos que devem reduzir o excesso de consumo de energia e materiais. Mencionei algumas das indústrias e setores que poderiam ser alvo do decrescimento.

E o que precisa crescer no sul?

No sul global, é realmente necessário um processo de recuperação do controle sobre suas próprias capacidades produtivas. Neste momento, grande parte da produção do sul é controlada por capital estrangeiro e organizada em torno da maximização dos lucros para esse capital. É por isso que há centenas de milhares de pessoas empregadas na produção de roupas em fábricas clandestinas para a Zara e a H&M, açúcar para a Coca-Cola e peças para o iPhone etc., quando poderiam estar utilizando sua mão de obra e seus recursos para o desenvolvimento nacional. Para isso, é necessário alcançar a soberania econômica. Para nós, é fundamental apoiar os movimentos de libertação nacional e soberania econômica no sul global, como, por exemplo, a aliança dos Estados do Sahel.

Como avalia que o enfoque da China está marcando o rumo dessa transição?

Nos meios de comunicação ocidentais, recebemos muita propaganda anti-China. Isto nos impede de compreender o que está acontecendo lá e o que podemos aprender com isso. Em relação à transição ecológica, o progresso da China é impressionante: produzem de 80% a 90% de todas as tecnologias de energia renovável do mundo e estão instalando mais capacidade de energia renovável do que o resto do mundo como um todo. Também estão realizando mais reflorestamento do que qualquer outro país, plantando milhares de árvores. A China consegue fazer isto porque possui um marco sólido de política industrial e finanças públicas. Consegue orientar o investimento para onde quiser; não está limitada pela lógica do lucro. No Ocidente, podemos fazer isto, mas não é rentável, então, não fazemos.

No País Basco, há um debate intenso em torno das energias renováveis e o uso do solo. Na perspectiva do pós-crescimento, como conciliamos a justiça territorial com a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis?

Com os combustíveis fósseis, os impactos do uso da energia são externalizados para o futuro. Não precisamos enfrentar as consequências de imediato. Contudo, quando realizamos a transição para as energias renováveis, enxergamos os impactos diante de nós! Isto deveria nos levar a questionar: quanta energia realmente precisamos usar? Quanto mais energia usarmos, mais parques solares e eólicos teremos que construir, mais montanhas teremos que destruir. Se não gostamos disso, devemos diminuir o consumo de energia! E me refiro ao consumo industrial, que é o principal impulsionador.

É aí que entra em jogo o decrescimento?

Ao reduzirmos a produção industrial menos necessária, podemos reduzir a demanda por energia. Isto permite uma transição mais rápida para energias renováveis, mas também significa que não temos que construir tantos painéis solares e turbinas eólicas. O decrescimento é a resposta. Mas, para isso, mais uma vez, precisamos exercer um controle democrático sobre a produção, de modo que possamos reduzir diretamente essas indústrias destrutivas. No entanto, o capital nunca agirá voluntariamente, se for rentável. Portanto, para alcançar esses objetivos, seria necessária uma espécie de transição socialista democrática.

Para isso, levanta a necessidade de um partido de massas forte que democratize a produção e enfrente o capitalismo fóssil. Em termos práticos, como deveria ser esse partido?

Sim, precisamos de partidos de massa com fortes vínculos com as comunidades, os trabalhadores e os movimentos sociais, que possam vencer as eleições e assumir o poder. Este deve ser o objetivo; é a única maneira. Isto se apresenta de forma diferente em cada país. Em alguns casos, esse veículo pode ser formado como uma coalizão de partidos já existentes. Em outros, é necessário um novo partido.

Acredita que os partidos verdes poderiam evoluir para esse papel?

Na maioria dos casos, são partidos burgueses que não conseguem se conectar com as comunidades da classe trabalhadora. Deveriam ser dissolvidos e reconstituídos como partidos populares ecossocialistas. O Reino Unido é a única exceção, onde o partido verde de Zack Polanski está fazendo a coisa certa: conjugar a política verde com a política socialista e as narrativas populistas de esquerda. Esse é o caminho a seguir.

Se o controle democrático sobre a produção é essencial, quais medidas políticas concretas poderiam ser realisticamente adotadas, nos próximos cinco a dez anos, para avançar nessa direção?

Em primeiro lugar, estabelecer um mecanismo de financiamento público e uma política de orientação do crédito que permita canalizar os investimentos para atividades social e ecologicamente necessárias, independentemente dos lucros. Em segundo lugar, estabelecer uma garantia de emprego público para que qualquer pessoa possa se formar e participar dos projetos coletivos mais importantes da nossa geração: realizar a transição energética, melhorar o transporte público, regenerar o solo, isolar os edifícios... Trabalho digno com salários dignos. Em terceiro lugar, estabelecer serviços públicos universais e moradias acessíveis, de modo que a produção se organize em torno da garantia do que é mais necessário para o bem-estar humano.

Com este enfoque, podemos abolir a insegurança econômica e resolver nossa crise ecológica em um tempo breve. Este é o caminho a seguir. E se eu tenho uma mensagem para o PSOE, Sumar, Podemos e o restante da esquerda: estas políticas ganharão as eleições. Querem derrotar a extrema direita? É assim que se faz.

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