15 Julho 2025
Livro fala de energias consideradas limpas que repetem padrão explorador e violam direitos de comunidades tradicionais
A reportagem é de Adele Robichez, José Eduardo Bernardes e Larissa Bohrer, publicada por Brasil de Fato, 14-07-2025.
A pesquisadora Fabrina Furtado, do Programa de Pós‑Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), alerta que a corrida por fontes renováveis no Brasil vem embalada por “um novo ciclo de neocolonialismo climático”. O livro Energia e Neocolonialismo, primeiro volume da coleção Politizando o Clima: Poder, Territórios e Resistências, organizado por ela, denuncia que, “em nome de combater a mudança climática”, surgem políticas que “aprofundam conflitos de terra, geram violações de direitos e intensificam o racismo ambiental”.
Segundo Furtado, não basta rotular matrizes como eólica ou solar de limpas se a implantação repete o modus operandi do extrativismo, por exemplo. “A tecnologia não pode ser tratada como um fim em si só”, afirma. Ela cita casos de poluição sonora, privatização de áreas de pesca, exploração sexual de mulheres e perda de territórios inteiros. “O anúncio dos projetos já gera mudanças nos territórios. Tem um rompimento do tecido social”, diz.
O chamado hidrogênio verde é outro ponto de alerta. Produzido aqui para atender à crise energética europeia, ele exemplifica “como o governo da Alemanha está influenciando a elaboração de políticas públicas nacionais”. A lógica também se repete no mercado de carbono, mecanismo que há duas décadas “permite que os grandes emissores comprem o direito de continuar poluindo”, critica. “O mercado de carbono nos tornou novamente escravizados, mão de obra escrava para que o capitalismo continue funcionando como sempre”, completa.
Às vésperas da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que ocorrerá em novembro, em Belém (PA), a professora cobra atenção às denúncias de venda antecipada de créditos de carbono sem consulta a povos indígenas e comunidades tradicionais. Ela lembra que o Ministério Público Federal (MPF) já enquadrou o governador paraense Helder Barbalho (MDB) depois que ele anunciou um contrato bilionário de compra e venda de crédito de carbono. Furtado teme que a conferência se torne “uma plataforma de negócios que vai vender as nossas florestas e saberes tradicionais”, enquanto populações locais enfrentam remoções e despejo de lixo.
O lançamento de Energia e Neocolonialismo está previsto para agosto, dentro de uma série de quatro volumes que ainda tratarão de petróleo, mineração, bioeconomia amazônica, mercado de carbono e cidades.

"Energia e neocolonialismo", de Elisangela Paim e Fabrina Furtado (Editora Funilaria, 2025).
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