Somos poucos e muitos. Somos um e tão diversos! Um depoimento sobre a participação na Cúpula dos Povos

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21 Novembro 2025

"Esperamos que a COP30 marque alguns passos decisivos para a redução das mudanças climáticas e gestos concretos de cuidado com a nossa Casa Comum."

O artigo é de Afonso Murad, professor de teologia na FAJE. Escritor e ambientalista.

Afonso Murad (Foto: Arquivo Pessoal)

O presente texto integra a coluna Vozes de Emaús, que conta com contribuições semanais dos membros do Grupo Emaús. Para saber mais sobre o projeto e ter acesso a todos os artigos da coluna, verifique o leia mais, no fim do texto. Para saber mais sobre o projeto, clique aqui.

Eis o artigo.

Participei da Cúpula dos Povos que se realizou em Belém de 12 a 16 de novembro, e de outros eventos concomitantes à COP30. Em alguns momentos me veio à lembrança o Forum Social Mundial, que aconteceu também em Belém. A Cúpula foi um momento singular para escutar os povos originários (que marcaram forte presença), articular movimentos socioambientais de diferentes continentes, conhecer pessoas e grupos que promovem a educação ambiental, identificar iniciativas exitosas da sociedade civil que adotam alternativas ecológicas, conversar com defensores do meio ambiente, pesquisadores, comunicadores, e membros de igrejas e outras tradições religiosas. No meio desse pequeno/grande mundo estavam inscritas 1.100 organizações de diferentes natureza (disponível aqui). Tal leque de etnias, línguas e feições reunidas em torno da causa comum de cuidado do planeta me evoca “outro mundo possível” e necessário.

A Cúpula foi organizada em seis eixos. Resumidamente: (1) Territórios vivos e soberania alimentar; (2) Reparação e combate ao racismo ambiental; (3) Transição energética justa, popular e inclusiva; (4) Articulação de lutas de gênero, raça, juventudes, periferias e pessoas com deficiência; (5) Crise climática e realidade urbana; e (6) Feminismo popular. Num evento de tal envergadura e tantos acontecimentos simultâneos, escolhi alguns. Como estou ligado à REPAM (Rede Eclesial Panamazônica) e à articulação Iglesias y Minería, participei, sobretudo, de atividades ligadas a Amazônia e às comunidades atingidas pela mineração.

Como teólogo e agente de pastoral, reservei um tempo para estar em espaços eclesiais. Vejo que as Igrejas cristãs contribuíram na Cúpula dos Povos de muitas formas. Membros de pastorais sociais e organismos eclesiais, como a Cáritas, participaram das discussões, debates e mobilizações na sede da Cúpula, da UFPa (Universidade Federal do Pará) e transitaram em diversos espaços de Belém, na terra e nas águas. Religiosas e religiosos consagrados acompanhavam discretamente o evento, compartilhando compromissos efetivos e aprendizagens, testemunhando a fé ativa pela solidariedade e dialogando com os movimentos socioambientais. A Arquidiocese de Belém, numa iniciativa inédita, promoveu, em distintos polos, encontros de reflexão, apresentação de boas práticas ecológicas e pastorais, reflexões, orações e celebrações litúrgicas. Participei em duas delas. Destaco o encontro de lideranças da Pastoral da Ecologia Integral, com uma presença significativa de pessoas de várias regiões do país. Tal pastoral ganhou corpo no Brasil a partir da Campanha da Fraternidade desse ano, sobre Ecologia Integral.

Com diversas parcerias, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) durante todo o ano, organizou o processo de “Pré-COP Eclesial”. Configuraram essa etapa de preparação para a COP: encontros regionais; espaços formativos sobre a crise climática e a ecologia integral, iniciativas de mobilização, incidência social e diálogo com a sociedade civil e povos originários; e a produção de material didático acessível para multiplicadores. Esse caminho culminou com o “Simpósio da Igreja Católica na COP30”. Dele participaram agentes de pastoral, padres, consagradas e bispos. Tocou-me a presença e a manifestação de bispos representantes de federações e Conferências Episcopais do Sul Global, que já haviam lançado um documento significativo. Pela primeira vez, eles se pronunciaram conjuntamente sobre a questão climática e a justiça socioambiental. No Simpósio escutamos palavras incisivas de bispos da Ásia, da África e da América Latina, como também da Conferência Episcopal da Europa. Um gesto de sinodalidade pela ecologia!

Durante a Cúpula, várias denominações cristãs promoveram em conjunto o “Tapiri”, espaço para reflexão, oração e troca de experiências de grupos e igrejas comprometidas com um planeta sustentável, em resposta ao apelo do Deus Criador. O Tapiri aconteceu na sede da Igreja Anglicana. Um momento marcante foi a vigília ecumênica e macroreligiosa, com músicas, preces e gestos. Na ocasião me encontrei com pessoas de outros países, que fazem parte do Coletivo latino-americano e caribenho intitulado “Bambu”, de educadores em ecoteologia. A vigília ao ar livre, numa bela praça de Belém, me colocou em sintonia com irmãos e irmãs de outros credos e pertenças religiosas, que comigo sonham e atuam por um mundo mais belo e interligado. Temos diferenças e somos um!

No penúltimo dia da Cúpula dos Povos se realizou a Marcha em defesa de Clima, contando com aproximadamente 65 mil pessoas. Caminhando lentamente, fiz parte dessa manifestação pública na qual se expressaram protestos, convicções e esperanças, por palavras, gestos, músicas, faixas e cartazes.

Com alguns amigos fui ao Cumbu, uma ilha nas proximidades de Belém, na qual há restaurantes de comida típica paraense, piscinas naturais de águas amazônidas e um lindo igarapé, com árvores frondosas. Mergulhei nessas águas abençoadas, refresquei-me do calor, louvei a Deus pela beleza do bioma amazônico.

Na manhã do dia 16 foi apresentado o documento final da Cúpula dos Povos. Esse realçou que a energia é um bem comum e defendeu a superação da pobreza e da dependência energética. O documento, fruto de consenso trabalhoso, apresenta 15 propostas que foram encaminhadas ao presidente da COP30. Destaco três apelos/exigências:

(1) O fim da exploração de combustíveis fósseis e o apelo aos governos para que desenvolvam mecanismos para garantir a não proliferação de combustíveis fósseis. Visa-se uma transição energética justa, popular e inclusiva com soberania, proteção e reparação aos territórios;

(2) A participação e protagonismo dos povos na construção de soluções climáticas, resgatando os saberes ancestrais e as culturas locais;

(3) A construção de cidades justas e periferias vivas através da implementação de políticas e soluções ambientais. Os programas de moradia, saneamento, acesso e uso da água, tratamento de resíduos sólidos, arborização, e acesso à terra e à regularização fundiária, devem considerar a integração com a natureza.

Para coroar esse trajeto de cidadania planetária e de solidariedade global, serviu-se uma refeição para todos os presentes, com alimentos agroecológicos. Para nós, cristãos, a partilha à mesa é um sinal luminoso do Reino de Deus, inaugurado pela comensalidade promovida por Jesus.

Voltamos para casa com algumas certezas e esperanças. Reencontrar amigas e amigos que participam da causa socioambiental e conhecer outros aquecem o coração e nos dá novo vigor. Sabemos que estamos numa luta desigual. Mas não desistimos. Em Belém cantei como Caetano Veloso: “navegar é preciso”!. Esperamos que a COP30 marque alguns passos decisivos para a redução das mudanças climáticas e gestos concretos de cuidado com a nossa Casa Comum.

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