Stedile avalia que a COP30, em Belém, ‘não passará de um teatro’

Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil

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03 Novembro 2025

Evento climático mundial, que terá início na próxima semana, é visto com ceticismo pelos movimentos populares.

A reportagem é de Caroline Oliveira, publicada por Brasil de Fato, 01-11-2025.

João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), afirmou neste sábado (1), que a COP30 “não passará de um teatro”. “Afinal, tiveram outras 29 conferências e o que mudou? Nada. Mesmo quando chegaram a acordos, como os acordos de Paris e de Copenhague, nada mudou”, apontou. Stedile participa de um encontro com movimentos populares sobre a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30).

O Acordo de Paris, firmado em 2015, tem como objetivo manter o aquecimento global abaixo de 2°C, com empenho adicional para limitá-lo a 1,5°C. Antes dele, o Acordo de Copenhague, de 2009, já havia estabelecido a meta de conter o aumento da temperatura em até 2°C, além de prever mecanismos de revisão periódica.

Na mesma linha, Klécia Massi, engenheira florestal da Universidade Estadual Paulista (Unesp), afirma que a COP se tornou um “balcão de negócios” entre os setores público e privado.

“Ao mesmo tempo em que a COP é esse lugar de anúncios de grandes projetos e de financiamentos dos governos, não só do governo brasileiro, mas de outros governos, um importante espaço que deve ser ocupado pelos movimentos sociais para que as coisas sejam discutidas, também é um balcão de negócios”, diz a pesquisadora.

“Vão lá estar as grandes empresas, como a Bunge, querendo financiar projetos para limpar a sua cara, basicamente. Em uma das conferências, o presidente da maior empresa petrolífera dos Emirados Árabes foi quem presidiu a conferência. É óbvio que isso tem um recado”, acrescenta.

O ceticismo das lideranças se baseia nas proposições de setores econômicos para tornar os sistemas produtivos mais sustentáveis e frear as mudanças climáticas. Stedile cita uma entrevista de Rossano de Angelis Junior, vice-presidente da Bunge Brasil, uma das maiores empresas do mundo no agronegócio, que participará da COP30 via Fundação Bunge.

Angelis Junior afirmou que a conferência será “crucial” para desmistificar a imagem de que o setor é responsável pelo desmatamento. “O agronegócio brasileiro cresceu como nenhum outro no mundo nas últimas décadas. (…) Nosso desafio é desmistificar a imagem de que o agronegócio é sinônimo de desmatamento”, disse o empresário ao Estadão.

Para Stedile, no entanto, não há solução para o meio ambiente dentro do sistema produtivo do agronegócio, apontando o monocultivo como uma das principais causas de desequilíbrio ambiental. Para ele, a substituição da biodiversidade por grandes extensões de soja, pastagem, cana-de-açúcar ou algodão está diretamente ligada à lógica do agronegócio. “O que antes eram territórios com milagres de forma de vida, enchem de veneno e fica só a soja, só o pasto, a cana e o algodão. Isso é uma agressão gravíssima.”

Além da monocultura vegetal, Stedile destacou os impactos da pecuária intensiva. “Decorrente do agronegócio, nós temos o monocultivo da pecuária bovina. Nós temos 280 milhões de cabeças de vaca. Daqui a pouco nós vamos eleger um boi como presidente do Brasil”, afirma.

Stedile também criticou o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante o evento, pela incapacidade em apresentar soluções efetivas. “Eu nunca vi um governo tão pobre de ideias como o atual governo, fruto de uma composição de classe que não é a nossa. Foi importante para derrotar o fascismo, mas está sendo insuficiente para resolver os problemas do povo. Essa é a verdade”, disse.

“Espero que no Lula 4, a gente supere a correlação de forças atual para de fato se debruçar em projetos estratégicos para resolver o problema do povo”, completou.

Crítica ao ‘capitalismo verde’

O evento, intitulado “Assembleia Popular da Natureza”, foi organizado pelo MST em conjunto com o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), como uma alternativa às propostas para o meio ambiente que serão apresentadas durante a COP30, marcada para ocorrer entre os dias 10 e 21 de novembro, em Belém, capital do Pará.

As entidades afirmam que a COP30 divulga “várias falsas soluções do capitalismo verde” que “se espalham pelo debate público”. “É fundamental aprofundar o debate e pautar as propostas dos povos e movimentos sociais neste momento de emergências climáticas. Só através da nossa organização e luta poderemos impedir que o capital destrua as condições de uma vida digna no planeta”, defendem no convite para o evento.

Uma das principais soluções defendidas por governos e empresas nos espaços oficiais da COP é o mercado de crédito de carbono, que funciona como um mecanismo de compensação das emissões de gases de efeito estufa.

As empresas ou países que não conseguem reduzir suas próprias emissões podem adquirir créditos de iniciativas que promovem a preservação de florestas, a captura de carbono ou o desenvolvimento de energias renováveis. A proposta é criar um incentivo financeiro para a redução global de emissões, mas críticos afirmam que o modelo pode permitir que grandes emissores continuem poluindo, ao invés de adotarem mudanças estruturais, ao terceirizar a responsabilidade para projetos em países de menor renda.

“O crédito de carbono consegue medir qual é o volume de oxigênio que uma determinada área exala, que irá fazer um combate aos gases estufa. Os capitalistas transformam esse estudo num documento, registram nos cartórios, registram no BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] e aí vendem”, explica Stedile.

“Botaram até valor no oxigênio. O crédito de carbono é só uma negociata para um bem da natureza. Vão continuar emitindo gases estufa. Só o capital fictício entre eles [os empresários] é que pode mudar de nome. Nunca os capitalistas vão diminuir o desmatamento. Faz parte da lógica deles”, critica o dirigente do MST.

Paralelamente à COP30, será realizada a Cúpula dos Povos, de 12 a 16 de novembro no campus da Universidade Federal do Pará. O colegiado reunirá cerca de 400 movimentos populares e organizações da sociedade civil para denunciar falhas no combate à crise climática e apresentar pautas de reivindicações populares.

Para Massi, a Cúpula dos Povos é o espaço de “provocação e de intencionalidade dos movimentos sociais” a partir de três pilares: o direito à terra, o estabelecimento de sistemas alimentares onde a soberania alimentar seja o foco e o reconhecimento da natureza como sujeito de direitos.

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