06 Janeiro 2024
O vasto território (Caja negra), vencedor do Prêmio Municipal de Literatura de Santiago em 2022, é um romance que denuncia os efeitos e implicações do desmatamento, as consequências da destruição ambiental em uma área específica do planeta (Chile) e como esses estragos estão ligados ao declínio dos afetos e da vida em comunidade. Entrelaçado com o enredo, sua trama, é a maneira como nos é contado, com uma série de notas de rodapé que constroem um desdobramento da trama principal, crescendo com a flexibilidade dos fungos, atravessada por um lirismo soberano que dá lugar a tons policiais, de terror, científicos... Conversamos com o autor, Simón López Trujillo (Santiago, 1994).
A entrevista é de Esther Peñas, publicada por ctxt, 27-12-2023.
Antes de entrar em detalhes sobre o surgimento do fungo, como o desmatamento industrial que marca a vida desses habitantes que você descreve afeta esses lugares?
O romance se passa em Curanilahue (comuna ao sul do Chile, perto de Concepción) por várias razões. Primeiro, porque esse lugar, que hoje tem mais de 90% de sua superfície coberta por pinheiros e eucaliptos, é um exemplo de como as grandes empresas florestais afetam os territórios onde se inserem, causando devastação ambiental e empobrecimento da região. Mas também porque essas grandes empresas precarizam até mesmo seus próprios trabalhadores, muitas vezes naturalizando a desregulação do trabalho e práticas antissindicais. De fato, o romance é dedicado a Rodrigo Cisterna por essa razão. Ele foi um trabalhador florestal e líder sindical assassinado pela polícia em 3 de maio de 2007, no contexto de uma ocupação da Planta Horcones, nos arredores de Curanilahue, onde os trabalhadores exigiam condições mínimas para o emprego: fim da subcontratação, reajuste salarial, entre outras questões básicas. Eu queria que o romance se situasse lá porque é um território onde se misturam diversas camadas de violência, aspectos que o romance explora por meio de seus personagens.
Em sua opinião, qual é a pior consequência dos monocultivos?
A indústria do monocultivo florestal tem muitas consequências nocivas para o meio ambiente e a sociedade. Por um lado, há o impacto no meio ambiente, expresso em problemas de água, biodiversidade, morte de abelhas e doenças em pessoas devido aos pesticidas, além de um aumento significativo na frequência e no tamanho de megaincêndios florestais, como os que vivenciamos em fevereiro deste ano na mesma área onde o romance se passa. Por outro lado, a maioria dessas grandes empresas se instalou em territórios pertencentes ao povo mapuche, o que agravou os conflitos em regiões como Araucanía e Bío Bío. Por essas razões, vários estudiosos mencionaram a necessidade de uma reforma do atual modelo florestal chileno, estabelecido durante a ditadura de Pinochet, onde as grandes empresas florestais foram apoiadas por legislações como o Decreto de Lei 701, que subsidiava até 85% do plantio de monocultivos de pinheiros e eucaliptos. Isso gerou uma forma de produção que hoje está em profunda crise, cujas propostas de reforma podem ser vistas em textos como "Chile precisa de um novo modelo florestal", editado pelos engenheiros florestais Luis Astorga Schneider e Heinrich Burschel, publicado pela editora LOM em 2019.
De qualquer forma, a consequência mais terrível do monocultivo, acredito, é como ele se camufla como se fosse uma paisagem. No fim das contas, as pessoas se acostumam a viver cercadas por florestas que não são florestas. Naturalizando essa paisagem que se estende por milhares de quilômetros ao sul e que, nessas fileiras intermináveis de árvores idênticas, impede ver as múltiplas violências que tornaram possível colocá-las ali. E, na verdade, o enorme perigo que sua presença representa, já que basta uma faísca para que tudo pegue fogo.
Até que ponto a natureza poderia se conjurar para ameaçar a existência humana?
No romance, eu queria explorar o reino dos fungos não tanto como uma ameaça à espécie humana, mas como uma metáfora da interconexão que torna possível a vida na Terra. Uma das peculiaridades dos fungos é que são organismos profundamente colaborativos. Todo bosque possui árvores com raízes conectadas a micélios de fungos. Isso, chamado de uniões micorrízicas, também funciona para mim como uma metáfora de como a literatura funciona. Nenhum texto é escrito no vazio, não me interessa a abordagem romântica da escrita como um gênio inspirado separado de outras vozes e escritas. A originalidade só me interessa como um diálogo produtivo com uma certa tradição. Além disso, sempre se escreve a partir de um corpo, constantemente afetado por outras vozes, sonoridades, ideias e palavras, e a escrita não é mais do que uma forma de dar vazão a tudo isso. Este romance se nutre de diversas texturas narrativas, desde Baruch Spinoza até Juan Rulfo, e, dessa forma, acredito que, três anos após sua publicação, me custa encontrar como leitor um núcleo central de organização de tudo.
As diferentes textualidades constroem diversas visões sobre a natureza, o pensamento e a necessidade de fazer parte de algo maior (essa ideia de "o vasto"), e acredito que me inspirar, de forma bastante herege, na ideia de natureza proposta por Spinoza (que também é Deus), me ajudou a conceber essa forma de escrita também. Uma natureza entendida dessa forma ameaça não tanto a humanidade, mas a ideia humanista de que somos uma razão separada de nosso corpo. E um corpo separado dos outros, higienizado, asséptico. Os fungos me interessavam por sua onipresença. Eles estão em todos os lugares, basta deixar uma fruta fora da geladeira. E essa latência invisível me parecia significativa ao pensar em outra ideia da relação entre corpos e espécies.
O que é mais passível de emenda, a corrupção ou a emergência climática?
Não saberia dizer.
A deriva aterrorizante que a narrativa está tomando reflete seu pessimismo sobre o futuro do planeta?
Como diria James Baldwin, "ser pessimista é pensar que a vida humana é uma mera questão acadêmica". Nesse sentido, não sou de forma alguma pessimista e também não acredito que este romance seja abordado por essa perspectiva. As notas de rodapé, na verdade, formam uma trama subterrânea, com maior onisciência do que a narrativa principal, na qual se intui uma possibilidade de futuro após a catástrofe. Não é uma utopia, mas sim uma forma de perceber que a vida, tanto humana quanto de outras espécies, possui uma capacidade de adaptação enorme, mesmo quando é a própria natureza que se volta contra nós.
Nesse sentido, estou interessado em questionar a ideia de fim do mundo que se tornou um lugar-comum nos últimos anos. Dada a mudança climática e outros problemas, parece que o apocalipse finalmente se tornou uma questão "universal". Ou seja, como hoje é algo que preocupa diretamente a Europa e os Estados Unidos, portanto, torna-se global. Mas o genocídio das populações indígenas na América Latina durante a colonização não foi um fim do mundo? O bombardeio e ocupação de Gaza não são um apocalipse desdobrado diante de nossos olhos? Há uma colonialidade presente em como entendemos hoje a ameaça climática e que, se for abordada de maneira ingênua, pode levar a uma defesa da natureza em abstrato que, pessoalmente, não me interessa. Não se trata de opor natureza e sociedade (pois isso, como diria Jason Moore, é o ambientalismo dos países ricos), mas de ver como estabelecer relações mais sustentáveis com o ambiente sem que isso implique que a única maneira de defender a natureza seja remover toda a presença humana dela.
Além disso, os responsáveis por essa crise não são a humanidade como um todo, mas uma série de empresas e milionários com nomes e sobrenomes. A escrita deste livro foi muito inspirada por uma história de lutas camponesas e operárias que parecem ter desaparecido quase por completo da memória coletiva no Chile. Penso em projetos como o Complejo Forestal y Maderero Panguipulli (COFOMAP), que durante o governo de Salvador Allende foi uma imensa empresa florestal controlada por seus próprios trabalhadores e que, além disso, tinha um modo de produção muito mais sustentável para o ambiente e digno para seus trabalhadores do que o atual modelo de grandes empresas florestais como Arauco e CMPC. Mas, após o golpe de Estado de 1973, o COFOMAP foi desmantelado a golpes de assassinatos e desaparecimentos, e essa história foi enterrada em um passado que hoje só é possível lembrar de forma utópica.
As contribuições da cientista Giovanna sobre o Cryptococcus gattii são cruciais. Até que ponto a ciência pode ser aliada na luta contra as mudanças climáticas?
Há vários anos, assistindo a um documentário sobre o reino dos fungos, fiquei sabendo do fungo Cryptococcus gattii, que no fim da década de 1990 causou um surto infeccioso na Ilha de Vancouver, no Canadá, onde várias pessoas e animais morreram. O curioso, diziam, é que esse fungo patogênico é endêmico do eucalipto. Então, surgiu a pergunta: e isso não poderia acontecer no Chile, onde o monocultivo florestal tem mais de três milhões de hectares, predominando o pinus radiata e o eucalipto? Daí surgiu a ideia e a escrita do romance acabou funcionando como meio para explorá-la. Sempre me intrigou a noção da escrita como uma espécie de vírus, como dizia o poeta chileno Gonzalo Millán. Algo que infecta um corpo e o usa para se reproduzir de acordo com suas próprias leis. O fungo funcionava dessa forma também: um reino de tremenda inteligência, que se expande e sustenta a vida por baixo, sem que o notemos, exceto quando emergem seus corpos frutíferos (as cogumelos), que são precisamente seus meios de reprodução.
Por outro lado, me interessava que o romance mostrasse que a natureza depende da classe a partir da qual é vista, e o personagem de Giovanna é fundamental nesse sentido. Às vezes, discursos como o Antropoceno acabam sendo uma espécie de ambientalismo metafísico, onde se defende uma natureza abstrata, global, purificada da presença humana e da história. O cenário bucólico e turístico do sul estudado por Giovanna não é o mesmo que os personagens Patricio e Catalina habitam, ou o das cooperativas camponesas que cruzam os sonhos de Pedro. A violência extrativista se expressa de maneira tremendamente real ali, vinculada a experiências e memórias particulares. Eu queria questionar essas formas de defesa da natureza a partir de um mero conservadorismo e, ao mesmo tempo, mostrar como a ciência pode ser aliada, em muitos casos, das mesmas empresas dedicadas a devastá-la.
Nesse sentido, estou interessado em pensar como a própria paisagem pode se tornar cúmplice. Como, ao longo dos anos, a natureza é capaz de apagar as mortes que a atravessaram. Como, por exemplo, o território que entre 1971 e 1973 era o Complejo Forestal y Maderero Panguipulli hoje é um parque nacional privado, propriedade de um único empresário e direcionado principalmente a turistas estrangeiros. Nisso, eu me inspiro muito no trabalho narrativo de Guadalupe Santa Cruz, cuja obra tensiona a relação entre território, memória e a capacidade de nosso imaginário simbólico de enxergar através dessas camadas de violências sedimentadas. Algo semelhante ao que Cristina Rivera Garza fez em Autobiografía del algodón, por exemplo, ou o excelente documentário Las cruces de Teresa Arredondo e Carlos Vásquez, sobre o massacre em setembro de 1973 de 19 trabalhadores da CMPC, uma enorme fábrica de papel em Laja, entregues pela própria empresa à polícia local por considerá-los "elementos subversivos".
Como é possível que ninguém ponha fim às atrocidades que a população indígena suporta, algumas das quais você reflete neste 'artefato' (é algo diferente de um romance, na minha opinião)?
Acho interessante pensar neste livro como um artefato, embora não fique claro em que sentido você o coloca. De qualquer forma, é uma ingenuidade muito grande pensar que as múltiplas violências vividas pelos povos indígenas no Chile e na América Latina poderiam ser resolvidas por "alguém". Este é um tema complexíssimo, com uma trajetória histórica de séculos, e que mostrou requerer um debate muito mais profundo dentro da sociedade chilena. Especialmente hoje, quando, com o avanço das ultradireitas na região, houve um ressurgimento de discursos racistas e de outros que criticam as chamadas "políticas de identidade" a partir de um individualismo extremo, incapaz de ver na expansão dos direitos das minorias historicamente marginalizadas outra coisa que não seja uma privação de suas próprias liberdades ou garantias sociais.
Discursos como os de Milei na Argentina se alimentam disso, que, em sua essência, não compreendem o indivíduo como um ser social, mas como uma entidade determinada inteiramente por sua capacidade de consumo. Sob essa ótica (que é uma forma de liberalismo extremamente frágil e desequilibrada, mesmo dentro do mundo liberal), tudo é negociável e, portanto, o Estado e seus direitos são concebidos apenas como impedimentos à ação e livre determinação do mercado. Claro que é preciso fazer uma autocrítica da esquerda sobre o quanto realmente fizemos ao nos unirmos e elaborarmos políticas e discursos capazes de convocar uma massa popular para enfrentar discursos como esses, ou, no Chile, em termos de compreender a complexidade que implicaria a aplicação real de conceitos como "plurinacionalidade" em uma sociedade historicamente tão conservadora e racista quanto a chilena (algo que nos explodiu na cara com o referendo no último processo constituinte). Mas também é necessário compreender que dificilmente se encontrará uma solução rápida e definitiva para esses problemas.
Nesse sentido, o processo de escrita deste livro foi também uma maneira de estudar a cumplicidade entre o Estado chileno e as grandes empresas florestais instaladas em territórios que pertenciam ao povo mapuche e a diversos movimentos camponeses, algo que ocorreu durante a ditadura, mas foi aprofundado nos governos de transição para a democracia. Uma pesquisa que me permitiu não encontrar uma saída ou solução, mas, mais humildemente, conhecer mais profundamente o problema; entender, primeiro, do que estamos falando. Quanto ao tema indígena em particular, felizmente hoje há uma série de intelectuais, poetas e escritoras e escritores indígenas, especialmente mapuches, que estão escrevendo sobre esses e outros assuntos. Penso em intelectuais como Enrique Antileo e Claudio Alvarado Lincopi, e em poetas e escritoras como Daniela Catrileo, Roxana Miranda Rupailaf e Jaime Luis Huenún, cujas obras admiro muito, tanto pelo seu trabalho formal e puramente literário quanto pela capacidade de pensar a memória e a identidade indígenas contemporâneas, assim como para denunciar as violências históricas e presentes que o povo mapuche vive.
Como as relações de trabalho influenciam as relações afetivas? A adversidade (trabalhista, de saúde, ambiental) fortalece ou enfraquece a comunidade?
Em algum momento da escrita do romance, me perguntei se, no segundo capítulo, a infecção do fungo seria narrada como algo generalizado, levado ao âmbito de um romance de ficção científica. Mas então fomos atingidos pela pandemia de Covid-19 e percebi que narrar algo com uma magnitude semelhante obriga a perder a visão particular e os afetos familiares que haviam se desenvolvido até então. Por isso, a catástrofe não é narrada no próprio romance, apenas se intui nas notas de rodapé. E, desde a metade do primeiro capítulo em diante, o foco está em como, diante da devastação e da tragédia, há uma reorganização dos afetos e dos cuidados entre Patricio e Catalina. Eu queria explorar a potência da ternura que surge ali. Algo que é uma forma de resistência diante das diversas violências que atravessam suas vidas, violências materiais, simbólicas e espirituais.
Acredito que, em momentos adversos, a comunidade é posta à prova. Emerge como uma necessidade. A pandemia nos ensinou isto: somos seres sociais e precisamos dos outros para viver. E acho que o romance explora diversas experiências comunitárias, em diferentes territórios e classes: a comunidade de cientistas coordenada por Giovanna, as cooperativas camponesas nos sonhos de Pedro, a comunidade religiosa liderada por Baltasar, a reestruturação familiar de Patricio e Catalina. Muitas dessas formas têm a ver com maneiras de sobrevivência, em certo ponto, em tempos em que a vida laboral e espiritual geralmente estão em profunda crise. Na verdade, os fungos, como metáfora e como reino, servem para pensar outras formas de entender a comunidade entre as espécies.
Um dos livros que mais me ajudou nisso foi "Os fungos do fim do mundo", da antropóloga Anna Tsing Lowenhaupt, onde, a partir do estudo de várias comunidades coletoras do cogumelo matsutake, são propostas formas de sobrevivência no que ela chama de "as ruínas do capitalismo".
Pessoalmente, não me interessa escrever sem um certo sentido de comunidade no horizonte. Não apenas pensando nos leitores, mas até antes, em termos de como a escrita de um determinado livro me permite ler de maneira diferente outros livros específicos. Este romance, por exemplo, foi uma forma de revisitar alguns autores e autoras chilenos que misturavam o realismo social com um trabalho formal modernista e tremendamente imaginativo, como Manuel Rojas, Marta Brunet, Carlos Droguett e Juan Emar, e a escrita foi uma espécie de diálogo interno, muito fecundo, com suas propostas. Uma espécie de homenagem, claro. Mas também uma maneira de entender a literatura não como um cânone, mas como uma espécie de constelação de jovens e velhos, vivos e mortos, com quem você se senta para conversar. Esta é uma ideia preciosa que Ben Lerner me disse uma vez, que ele herdou de seus professores Rosmarie Waldrop e Keith Waldrop, dois poetas da vanguarda americana que são de importância fundamental para mim também. Precisamente porque suas obras inscrevem todas as suas leituras e conversas. Essa espécie de contágio é o que me interessa. Escrever com e a partir dos outros. Não a angústia da influência, mas o prazer de se deixar levar por vozes que expandem o que você acredita ser você mesmo.
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“A consequência mais terrível da monocultura é como ela se camufla numa falsa paisagem”. Entrevista com Simón López Trujillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU