04 Outubro 2025
Assim como Edward Said, um dos pais dos estudos pós-coloniais, ele se opõe à solução de dois Estados, pois isso significaria "rendição" a um regime de apartheid e colonização. Ele é um dos membros fundadores do movimento BDS.
A entrevista é de Alona Malakhaeva e Jose Ángel Sánchez Rocamora, publicada por El Salto, 03-10-2025.
Haidar Eid é professor associado de literatura pós-colonial na Universidade Al Aqsa, em Gaza. Eid conseguiu escapar do genocídio e se refugiar na África do Sul. Ele acaba de publicar "Banging on the Walls of the Tank", uma coletânea de artigos de análise política escritos desde 2007 sobre o bloqueio de Gaza, os ataques israelenses, a Grande Marcha do Retorno e o genocídio em curso. Na Espanha, "Decolonizing the Palestinian Mind" foi publicado pela Verso em 2023.
Eis a entrevista.
Em sua biografia, você menciona que sua principal influência vem de Edward Said e sua crítica aos Acordos de Oslo. O que isso significa exatamente?
Edward Said me influenciou tanto acadêmica quanto politicamente. Minha formação em literatura e teoria pós-colonial já era informada por seu livro Orientalismo, que abriu o campo dos estudos pós-coloniais. Mas, além da teoria, o que me impactou foi sua postura política: ele defendeu a solução de um Estado único, democrático e laico entre o Rio Jordão e o Mediterrâneo, para todos os seus cidadãos, sem distinção. Também me inspirei em sua crítica aos Acordos de Oslo: em 1993, quando foram assinados em Washington, na Casa Branca, todos aplaudiram. Todos estavam felizes: Yasser Arafat, Yitzhak Rabin, etc. Mas Edward Said, no dia seguinte, escreveu um artigo intitulado "A Manhã Seguinte", no qual descreveu os Acordos de Oslo como uma "rendição". Concordo plenamente com Said nisso. A liderança palestina reconheceu Israel como um Estado, mas Israel nunca reconheceu o direito dos palestinos à autodeterminação. Os acordos ignoraram direitos fundamentais: o fim da ocupação ilegal de Gaza, da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental; o direito de retorno de sete milhões de refugiados, consagrado na Resolução 194 da ONU ; e o status de 1,4 milhão de cidadãos palestinos de terceira classe em Israel. Tudo isso foi deixado de fora. O que estava sendo oferecido era um bantustão, não um Estado soberano. É por isso que afirmo que os Acordos de Oslo representaram a negação da nossa autodeterminação. Em meus livros, sigo essa linha, juntamente com as influências de Frantz Fanon, Steve Biko, Amílcar Cabral, Rosa Luxemburgo e Nawal Saadawi, todos líderes na descolonização da mente.
Em relação a Oslo, por que os líderes palestinos aceitaram um acordo que negava a autodeterminação de seu povo?
Assim como houve líderes bantustões na África do Sul que aceitaram a separação, a burguesia palestina aceitou a solução de dois Estados porque ela servia aos seus interesses de classe: ter um pedaço de terra, uma bandeira e um hino em troca da renúncia a direitos fundamentais. Eles acreditavam, de uma perspectiva de classe, que o único caminho a seguir era uma solução racista. Isso abriu as portas para o atual genocídio em Gaza. Em 2006, quando foram realizadas eleições em Gaza e na Cisjordânia, a população votou contra os Acordos de Oslo, o Fatah e a Autoridade Palestina; votou a favor da resistência. E é por isso que eles, Israel e os Estados Unidos, com o apoio da coalizão, decidiram nos punir por termos desobedecido.
Se os descartássemos, qual seria a alternativa à solução de dois Estados?
Minha resposta à pergunta seria colocar outra pergunta: qual era a alternativa ao apartheid na África do Sul? A solução para o regime do apartheid era a solução dos cinco Estados na África do Sul. Certo? Estabelecer o que chamavam de Estados independentes para os nativos sul-africanos. Mas a criação de "Estados independentes" para os nativos nunca foi aceita. Nelson Mandela se recusou a aceitá-la porque acreditava que a África do Sul pertence a todos que vivem nela. Não apenas aos brancos, não apenas aos negros, não apenas aos indianos, não apenas aos "de cor". Pertence aos seus cidadãos. Portanto, a julgar pelo que aconteceu na África do Sul, acho que o primeiro passo, e isso é muito importante, é desmantelar o sistema de apartheid e colonialismo. Primeiro, nos livramos disso. E então iniciamos as negociações com base na igualdade. Atualmente, existe apenas um Estado na Palestina, entre o Rio Jordão e o Mediterrâneo, e há dois povos: uma comunidade de colonos, os asquenazes, e outra de palestinos nativos. A solução seria desmantelar a opressão, desmantelar o colonialismo, desmantelar o apartheid. Temos uma constituição que contém leis básicas e define o Estado-nação de Israel como o Estado dos judeus, mas cristãos, drusos, muçulmanos, etc. também vivem aqui. Portanto, o próximo passo seria estabelecer um Estado único com direitos iguais para todos os seus cidadãos, um Estado democrático laico.

Livro "Banging on the Walls of the Tank: Dispatches from Gaza", de Haidar Eid.
Em relação ao seu mais recente livro, "Banging on the Walls of the Tank", como ele reflete sua experiência durante o genocídio em Gaza?
É uma coletânea de artigos escritos desde 2007, quando Israel impôs o bloqueio a Gaza. Descrevo o que vivenciei durante as ofensivas de 2008-2009, 2012, 2014 e além. Perdi 38 colegas da Universidade de Al-Aqsa em Gaza, 288 estudantes e mais de 60 familiares. Gaza se tornou um campo de extermínio. Ainda há pessoas que vêm até você e dizem: "Não chame isso de genocídio, encontre outra palavra". Bem, aqui eu tenho outro nome: maldade absoluta. Agora eu entendo o que aconteceu durante o Holocausto. Eu entendo o sofrimento dos judeus sob Hitler e o nazismo. Eu entendo perfeitamente e me identifico com eles. Mas esta é a primeira vez que um genocídio é transmitido ao vivo. Peguei o título de Ghassan Kanafani, cujo romance "Homens ao Sol" retrata personagens sufocando dentro de um tanque por não baterem nas paredes. Para mim, os moradores de Gaza estão batendo com força nessas paredes, mas o mundo está surdo. A Espanha está surda. Os Estados Unidos estão surdos. O mundo árabe está surdo. O mundo muçulmano está surdo. E é por isso que escrevi o livro. E acho que é o mínimo que podemos fazer.
Como membro do movimento BDS, quais você acha que foram suas principais conquistas?
Sou membro do BDS desde a sua fundação. Participei do comitê diretor da PACBI, a Campanha Palestina pelo Boicote Acadêmico e Cultural a Israel. Em 2004, quando fundamos a PAKB, emitimos uma declaração convocando instituições acadêmicas e culturais internacionais, bem como personalidades da cultura, a boicotar a academia israelense e suas instituições culturais devido à sua cumplicidade nos crimes cometidos pelo regime israelense, a ocupação, o apartheid e o colonialismo. Em 2005, lançamos o apelo global por boicote, desinvestimento e sanções contra Israel. Hoje, chegamos a um momento comparável ao da África do Sul: fundos de pensão estão desinvestindo; por exemplo, recentemente, o maior fundo de pensão da Noruega, o KLP, desinvestiu de duas empresas ligadas à venda de armas para Israel. Mais de 30 países, liderados pela Colômbia e pela África do Sul, é claro, incluindo Brasil, Malásia, Cuba e Venezuela, romperam relações diplomáticas com o Israel do apartheid. Pela primeira vez na história, Israel foi levado perante a CIJ, a Corte Internacional de Justiça, como resultado da nossa mobilização como um movimento global de BDS. A maior conquista: Israel reconhece o BDS como uma ameaça existencial.
Atualmente, a luta palestina conta com o apoio de movimentos sociais antifascistas e anti-imperialistas em todo o mundo. Qual o papel que ela desempenha globalmente?
Israel deixou de ser um Estado de apartheid para se tornar um Estado fascista, aliado a outros movimentos de extrema direita, como os Estados Unidos, alguns governos europeus, etc. O que quero dizer é que não estamos falando apenas de um Estado fascista: estamos falando de uma comunidade de extrema direita em nível global e de uma sociedade fascista no nível de Israel. Diante disso, nossa resistência faz parte da luta global contra o fascismo e o imperialismo. Nossos aliados são movimentos sociais e ativistas em todo o mundo.
O que desencadeou a ação armada da resistência palestina em 7 de outubro?
Eu estava em Gaza naquele dia e por dois meses depois. Nenhum palestino pode falar sobre 7 de outubro sem vinculá-lo a décadas de ocupação, bloqueio e genocídio gradual. Antes dessa data, já havíamos tentado todas as formas de resistência: marchas pacíficas, artigos, entrevistas, livros, manifestações, BDS... Nada funcionou. Jovens que nasceram e cresceram em um campo de concentração chamado Gaza decidiram agir. Gaza era um campo de concentração, ou tinha sido, e agora se tornou um campo de extermínio. Então, antes de 7 de outubro, Ilan Pappé, o historiador israelense, escreveu um artigo em 2008, no qual falava sobre o bloqueio a Gaza e o chamava de "genocídio crescente". Lembro-me de um artigo de Richard Falk, Relator Especial da ONU, sobre "a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados desde 1967"; ele o chamou de "um prólogo para o genocídio", como introdução. Em outras palavras, Israel já vinha cometendo crimes de guerra e crimes contra a humanidade antes de 7 de outubro. Não se trata de apoiar ou rejeitar o que aconteceu em 7 de outubro, mas sim de compreender as causas. Desde então, Gaza vivenciou milhares de "7 de outubro" com massacres diários. Resistir à ocupação é um direito, e essa é a raiz do problema.
Que mensagem o senhor enviaria aos governos que reconhecem o Estado palestino, mas ainda não cortaram laços com Israel?
Pessoalmente, não creio que precisemos do reconhecimento do Estado palestino. O que precisamos é que eles cortem laços com o genocida Israel e imponham sanções contra Israel. Isso é mais importante para nós do que reconhecer o Bantustão dos Acordos de Oslo. Reconhecer 22% do território palestino não significa nada se, ao mesmo tempo, armas continuarem a ser enviadas ao Estado genocida. O que precisamos não é de reconhecimento simbólico, mas de boicote, desinvestimento e sanções. A solução de dois Estados é uma solução racista. Se você leva a sério a igualdade, não tem escolha a não ser apoiar o fim do apartheid. Você deveria começar a pensar em apoiar uma solução democrática secular. É isso que tenho a dizer a governos como o da Espanha, dos Estados Unidos e do Ocidente colonial. Sem o apoio deles, o apartheid israelense não teria sido capaz de cometer seus crimes contra a humanidade, seus crimes de guerra contra o povo palestino.
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