03 Fevereiro 2025
A poucos quilômetros de Jerusalém fica a cidade de Ma'ale Adumim, um dos maiores assentamentos israelenses construídos ilegalmente na Cisjordânia, território palestino ocupado. Depois de um posto de controle com vários portões metálicos que dão acesso ao assentamento, ao qual os palestinos estão proibidos de entrar – a menos que tenham autorização de trabalho –, a paisagem desértica torna-se um marco residencial de áreas verdes, estradas e calçadas largas.
A reportagem é de Javier Biosca Azcoiti, publicada por El Diario, 27-01-2025. A tradução é do Cepat.
“Parece que o direito internacional só se aplica a nós. Ma’ale Adumim é uma cidade grande e em qualquer negociação estaria nas mãos de Israel”, diz Esther, tradutora, que se mudou de Massachusetts para o assentamento. “Eu gostaria de não controlar a vida de ninguém. Eu realmente gostaria de entregar todas as áreas palestinas a alguém com quem viver como vizinho e que aceitasse o nosso direito de existir”, acrescenta. No entanto, até o secretário-geral da ONU salientou que os assentamentos, como este onde Esther vive, construídos em terras confiscadas, são um dos principais obstáculos à paz.
A tradutora conta que não há árabes na cidade e que se trata de uma comunidade 100% judaica, o que “responde a uma decisão política”. “Uma família árabe tentou comprar, mas houve protestos para que não o fizessem. Foi difícil de ver, mas acho que ainda não estamos preparados para isso”, acrescenta enquanto caminha em frente à porta da biblioteca municipal.
Ma'ale Adumim não é um desses assentamentos ideológicos e violentos, mas muitos dos seus membros se mudaram para lá por razões de qualidade de vida e econômicas. E é precisamente esse o problema, argumenta o ativista contrário à ocupação israelense Jeff Halper, que vive há 50 anos em Jerusalém e estudou o conflito. “Eles não se consideram colonos. O que Israel fez de forma muito inteligente foi desvincular a política destes assentamentos. Atrair a classe trabalhadora com cidades baratas, subsídios e bons serviços”, diz o ativista, sentado num terraço na Jerusalém Ocidental. “Aqui não há ocupação”, acrescenta com um sorriso irônico.
“Israel leva as pessoas para lá por uma razão, mas elas não percebem e não se importam. Eles usam as pessoas sem muita carga política para normalizar essas comunidades”, explica. Na prática, Ma'ale Adumim divide a Cisjordânia em duas, tornando muito difícil a continuidade de um futuro Estado palestino. O caso deste assentamento, diz Halper, é o exemplo perfeito do poder da normalização.
“Com a chegada de Trump, entramos na fase mais perigosa desde 1948. Este é um projeto colonial e, como tal, tem uma finalidade. Essa finalidade é a normalização. Quando o deslocamento for normalizado e a comunidade internacional aceitar que Israel substituiu a Palestina e que os palestinos estão presos num bantustão de apartheid, tudo estará acabado. Não há muito espaço político após a normalização”, sustenta. “Entramos naquilo que os Estados Unidos e Israel esperam que seja a fase final”.
Donald Trump já indicou que aproveitará o impulso do cessar-fogo em Gaza para promover os Acordos de Abraão e para o resto dos países árabes, incluindo a Arábia Saudita, normalizarem as suas relações com Israel. “Você está invadindo, ocupando, confiscando terras, deslocando… e a única maneira de concluir com sucesso o seu projeto colonial é quando você conseguir normalizá-lo”, diz Halper. No plano de paz de Trump de 2020 já existia um mapa no qual os EUA propunham incluir 115 assentamentos ilegais como fazendo parte de Israel.
Por outro lado, o novo presidente [dos Estados Unidos] sugeriu que o Egito e a Jordânia acolhessem mais de um milhão de habitantes de Gaza, o que significaria uma nova limpeza étnica que já foi proposta pelos membros mais radicais do governo israelense. O secretário-geral da ONU, António Guterres, observou que existe a possibilidade de “Israel se sentir encorajado pelos seus sucessos militares a pensar que é hora de anexar a Cisjordânia e manter Gaza no limbo”. “Para mim, está claro que Israel não está fundamentalmente interessado em Gaza, mas na Cisjordânia”.
“Se quisermos um Estado palestino viável, isso significa que toda a Cisjordânia se tornará um Estado palestino, o que significa que as pessoas em assentamentos como Ma'ale Adumim teriam de sair. Eles se consideram pessoas normais que só querem a paz e que são os palestinos, ao expulsá-los, que não querem a paz. Eles realmente não sabem onde estão”, diz Halper.
“Esse é o poder da normalização. Faz com que não entenda o que realmente está acontecendo, como no caso dos reféns do Hamas. As pessoas não têm o contexto e não sabem que 80% dos habitantes de Gaza são refugiados exatamente das áreas atacadas, construídas justamente para evitar o retorno desses refugiados. Mesmo para eles, os soldados são reféns, quando na verdade não são reféns de acordo com o direito internacional”.
“Estamos entrando numa nova fase e é a maior ameaça para os palestinos desde a Nakba. Quando algo for normalizado, não será mais reaberto e os palestinos verão a sua presença política eliminada”, afirma. Neste sentido, o ativista insiste que estamos finalmente caminhando para uma solução de dois Estados, mas não aquela que o mundo imagina.
Em 1947, o plano de partilha da ONU concedeu 56% do território ao novo Estado de Israel. No final de 1948, após a primeira guerra com os árabes, Israel expandiu o território sob seu controle para 78%, ou seja, ocupou metade do território atribuído à Palestina. Finalmente, em 1967, Israel capturou e ocupou o resto da Palestina.
Depois dos Acordos de Oslo da década de 1990, o território palestino foi dividido nas áreas A, B e C. A área A, que representa 18% da Cisjordânia, está sob o controle da Autoridade Palestina; na área B (22%), a Palestina mantém o controle civil e a segurança é gerida conjuntamente entre as forças israelenses e palestinas; finalmente, na área C (60%) Israel tem o controle absoluto – é aqui que Israel construiu os seus assentamentos ilegais. O objetivo era que toda a Cisjordânia se transformasse na área A, mas em 30 anos não houve progresso.
A partir da esquerda: mapa da partilha de 1947, mapa após a guerra de 1948 e mapa do hipotético Estado palestino
“Estamos caminhando exatamente para a mesma situação que o apartheid na África do Sul. O Estado palestino estará nas zonas A e B, completamente cercado por Israel, não será soberano e Israel manterá o controle. A diferença com a África do Sul é que os bantustões nunca foram aceitos pela comunidade internacional. O bantustão palestino será aceito pelos EUA, pela Europa e pelo resto”, diz Halper, desesperadamente.
“Israel normalizará o apartheid de uma forma que a África do Sul não conseguiu. Mahmoud Abbas tornar-se-á o presidente e o bantustão palestino será membro da ONU. Trump e os restantes confiam em que ninguém olha o mapa e dessa forma podem vender uma solução de dois Estados quando na verdade é apartheid”, acrescenta o ativista, garantindo que Abbas não terá outra escolha senão assinar o que lhe apresentarem.
Mas antes da normalização faz-se necessária a pacificação. “Isso significa que você elimina qualquer possibilidade de resistência. E é aí que entra Gaza. Eles estavam eliminando o último bastião da resistência. E agora é a vez das últimas ilhas de resistência na Cisjordânia, como Jenin, Nablus e outras. Assim que isso estiver concluído, o que poderá acontecer muito em breve, estaremos prontos para o plano de normalização de Trump”.
O plano de paz proposto por Trump em 2020 em uma coletiva de imprensa juntamente com Benjamin Netanyahu vinha acompanhado de um mapa no qual aparecia um hipotético Estado Palestino, diminuído pelas colônias e completamente cercado por Israel, ou seja, com a anexação das áreas C da Cisjordânia.