14 Mai 2024
"Abandonado por todo o mundo árabe-sunita, que, para além das palavras de circunstância, até se uniu a Israel na rejeição ao ataque iraniano, o Hamas teve de suportar a manutenção dos Acordos de Abraão, que aguardam implementação definitiva", escreve Davide Assael, judeu italiano, fundador e presidente da associação lech lechà, professor de filosofia e escritor, em artigo publicado por Domani, 08-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A corrida de ofertas, blefes, relançamentos e recusas entre o governo israelense e o Hamas lembra uma comédia. Até mudar a situação interna de Israel, um acordo parece uma miragem.
As guerras, como sabemos, terminam quando um dos dois lados prevalece sobre o outro. Pode ser porque definitivamente derrotado, porque o lado perdedor vê a negociação como a última maneira para obter algo, ou porque quem está prevalecendo sente que pode capitalizar o que foi ganho no campo.
Nenhuma dessas condições parece satisfeita hoje no cenário de Gaza, onde, pelo contrário, se destacam as razões pelas quais o conflito, mesmo que não com a mesma força destrutiva vista nas primeiras semanas, continua.
Razões que, essencialmente, se resumem na necessidade de ambas as partes continuarem o combate, sob pena do desaparecimento político. Por um lado, até as últimas sondagens parecem condenar de forma inderrogável Benjamin Netanyahu.
Já há tempo com os votos reduzidos para metade em comparação com as últimas eleições, o seu partido Likud, hegemonizado através de expurgos, afastamentos e alianças com outras forças políticas e há tempo semelhante aos atuais partidos pessoais parece ter perdido a confiança até mesmo de amplos setores do eleitorado mais fiel, convencido de que o destino dos reféns deve prevalecer sobre uma improvável derrota do Hamas, que, pelo contrário, se fortaleceu , politicamente pela ação inconsequente levada a cabo pelo governo israelense, obrigado a levantar cada vez mais o nível do objetivo, até chegar ao fundo da Faixa.
Além disso, só se pode ultrapassar as fronteiras, pressionando por uma extensão do conflito.
O ataque à sede consular iraniana na Síria fez pensar nessa direção, vistos os motivos ainda inescrutáveis.
Fala-se que, em casos semelhantes, as inteligências aproveitam das janelas que se abrem para atacar, cientes de sabe-se lá quando poderia apresentar-se outra oportunidade igual. Se isso é verdade, continua sendo misterioso aos meus olhos como se possa não considerar a oportunidade política de uma tal ação.
Se sairmos de Atenas e olharmos para Esparta, a situação é ainda pior. Abandonado por todo o mundo árabe-sunita, que, para além das palavras de circunstância, até se uniu a Israel na rejeição ao ataque iraniano, o Hamas teve de suportar a manutenção dos Acordos de Abraão, que aguardam implementação definitiva.
Abandonada até mesmo pelos palestinos da Cisjordânia, que nunca aderiram à luta, apesar do que estão sofrendo pelos habitantes dos assentamentos, a organização terrorista, ou resistentes dependendo dos pontos de vista, não só não mede a possibilidade de rendição com base no que foi sofrido pela sua população civil, mas parece ancorada ao único esquema possível desde o início do conflito: esperar que os governos muçulmanos sejam obrigados a intervir devido à pressão das opiniões públicas.
Afinal, o mesmo esquema, mas numa escala menor devido à forma muito localizada do Hamas, foi tentado por Bin Laden com o 11 de setembro. Até agora, apesar da guerra destrutiva travada por Israel, ninguém seguiu o roteiro.
No máximo, os regimes árabes montaram o habitual aparato repressivo, temendo que o apoio à causa palestina possa se traduzir numa desestabilização interna. Nem mesmo o Irã, ligado firmemente ao Hamas há anos quis abrir uma frente direta contra o Estado judaico, embora a “nova equação” posta em campo pelos Pasdaran é uma novidade significativa.
Até o momento, para o Hezbollah vale o primeiro discurso de Nasrallah: da série, não queremos entrar nisso, não nos obriguem a intervir. É evidente que a situação no Norte de Israel continua crítica, com dezenas de milhares de deslocados ainda trancados em albergues ou alojamentos temporários. Os ataques Houthis impactam o comércio global, assim como a resposta iraniana.
Todos elementos não insignificantes, mas o cenário, tendo em conta o que os palestinos estão sofrendo, poderia ser muito pior. Tudo isso para dizer que essas negociações se assemelham cada vez mais ao jogo do fósforo com o qual as recíprocas diplomacias querem fazer recair sobre a intransigência da outra a continuação da guerra. Mesma sorte parecem ter sofrido as últimas negociações com as quais se esperava alcançar o almejado cessar-fogo: no momento em que um lado aceita, o outro se retira alegando qualquer tipo de motivação.
Não é do campo de batalha, onde a situação é muito clara desde o início, que poderá vir uma mudança da situação, mas da política. Em particular a partir daquela interna de Israel, porque os palestinos não são há tempo um sujeito unitário.
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Somente uma mudança dentro de Israel pode desbloquear a negociação. Artigo de Davide Assael - Instituto Humanitas Unisinos - IHU