"Gaza não era um deserto": a destruição do patrimônio arqueológico

Foto: Anadolu Ajansi

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19 Setembro 2025

A força aérea israelense não poupou o depósito da EBAF, a Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém, localizado no térreo de uma torre na Cidade de Gaza demolida nos últimos dias. Apesar da repentina ordem de evacuação de 10 de setembro e dos limitados meios disponíveis, o instituto, dirigido pelo dominicano Olivier Poquillon, transferiu para um local "seguro" da Faixa de Gaza parte das dezenas de milhares de objetos desenterrados em vinte e cinco anos de escavações arqueológicas, promovidas no território de Gaza pelo programa Intiqal coordenado por René Elter para a ONG Première Urgence Internacional. Além disso, a revista Terresainte.net relata que muitos artefatos já haviam sido destruídos durante o saque do armazém, cujas prateleiras foram usadas pela população como lenha para queimar.

A reportagem é de Valentina Porcheddu, publicada por il manifesto, 18-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

"Estamos lutando para salvar cacos, ânforas e inscrições, mas isso não significa que damos mais importância às pedras do que aos moradores de Gaza forçados a fugir", disse Fabrice Virgili, membro do projeto Gazahistoire, ao Il Manifesto. "Após o 7 de outubro de 2023, as coleções arqueológicas, assim como os sítios e monumentos de valor patrimonial da Faixa de Gaza, viraram um alvo", continua o especialista em guerras mundiais. "O desejo de destruir o patrimônio de Gaza para induzir as pessoas a acreditarem que não havia nada lá é evidente", afirma Virgili. “Cinco mil anos de história se desenrolaram em Gaza. Os campos de refugiados e os palácios são cercados por monumentos das épocas romana, bizantina, islâmica, mameluca e otomana. Nossa tarefa é recontar o passado, mas também informar as devastações perpetradas pelo exército israelense”.

O grupo interdisciplinar Gazahistoire, ligado à Universidade Paris-Sorbonne e ao Centro Nacional de Pesquisa (CNRS), está envolvido no inventário do patrimônio bombardeado (gazahistoire.hypotheses.org), que descreve – por meio de fichas técnicas detalhadas e um mapa interativo editado por Sébastien Haule – o estado de 106 sítios arqueológicos e espaços culturais antes e depois do 7 de outubro.

Entre os lugares atingidos até agora está o museu localizado na entrada do Hotel al-Mathaf, ao norte do campo de refugiados de Shati. Criado em 2008 a partir da coleção particular do empresário de Gaza Jawdat al-Khoudary para combater aos ataques israelenses que alimentam o mercado ilícito de bens culturais, a coleção ilustrava a história de Gaza desde suas origens. Cerca de uma centena de artefatos dessa coleção estão atualmente em exibição no Instituto do Mundo Árabe (IMA), em Paris, como parte da exposição sobre os "tesouros" de Gaza.

Crateras provocadas pelo exército israelense em sua busca por túneis engoliram os testemunhos do porto de Anthedon (Al-Balakhiya), porta de entrada natural por 2.500 anos para a Península Arábica, para o comércio de especiarias, perfumes, pedras preciosas e tecidos coloridos. A Grande Mesquita de Al-'Umari, no coração da Cidade de Gaza, também foi gravemente danificada pelas bombas. O edifício, convertido em local de culto muçulmano no século XII, foi construído sobre as estruturas de uma igreja, que por sua vez havia substituído um santuário helenístico dedicado a Zeus Marnas. Enquanto o genocídio do povo palestino se desenrola em meio à inoperância dos governos internacionais, o complexo e multifacetado patrimônio de Gaza desaparece em meio ao silêncio geral. "No futuro, esperamos poder acompanhar a reconstrução dos monumentos danificados ou arrasados", afirma Virgili. “É essencial divulgar todas as informações em nosso poder, para que ninguém possa dizer que Gaza era um deserto”.

A onda emocional que acompanhou a ocupação e destruição das espetaculares arquiteturas romanas de Palmira pelo ISIS em 2015 é um eco distante. Como a arqueologia nunca está separada do poder político, a comunidade internacional pôde na época reagir em massa a um inimigo, estigmatizado pelas mídias globais, que ameaçava as reconfortantes raízes europeias representadas pelo prestigioso sítio da UNESCO na Síria. A exigência de condenar abertamente o massacre dos civis e as destruições do patrimônio continua a ser sentida hoje por aqueles que acreditam que a salvaguarda da memória da humanidade é inseparável do território de Gaza e da sobrevivência do povo palestino.

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