27 Agosto 2025
"Pela primeira vez, também as normas do direito internacional foram chamadas a proteger os "direitos humanos" em vez daqueles dos Estados individuais. E não foi só isso: a relação Estado-violência também foi corroída por uma espécie de privatização da guerra: nas guerras civis "de nova geração", apareceram outras figuras de soldado, os mercenários, os contratados e um terrorismo desideologizado"
O artigo é de Giovanni De Luna, publicado por La Stampa, 26-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Giovanni De Luna é historiador italiano, professor emérito da Universidade de Turim.
Eis o artigo.
De Gaza à Ucrânia, do Sudão ao Camboja, de todas as guerras que banham de sangue nosso mundo contemporâneo, imagens de morte chegam pelas telas de televisão ou pela internet. Diretamente às nossas salas de estar. Corpos reduzidos a esqueletos pela fome, desmembrados pelas bombas, desenterrados dos escombros, mergulhados no anonimato das valas comuns. E é o contraste entre a dramaticidade dessas imagens e a normalidade estúpida das nossas vidas cotidianas que inspira em alguns de nós a vontade de praguejar: contra a impotência resignada da Europa, contra a loucura genocida de Netanyahu, contra o imperialismo agressivo de Putin, contra o narcisismo delirante de Trump. Alvos cômodos, porém, bons apenas para silenciar nossos remorsos. É verdade, os protagonistas da obscenidade e das feiuras de nosso tempo são — todos aqueles que mencionei — de direita ou de extrema direita. Isso, para aqueles que acreditam nos ciclos recorrentes da história, deveria ser suficiente para nos induzir a esperar que "a noite passe", que o vento que hoje infla as velas de um senso comum todo orientado à direita volte a soprar impetuoso, como há 50 anos, a favor da esquerda. Mas a atitude de ‘esperar para ver’ nunca é solução.
Trump, Putin, Netanyahu e os outros autocratas do nosso tempo interceptam esse vento e se aproveitam para tornar plausíveis seus projetos de morte. A história, no entanto, nos conta que a deriva que eles seguem começou bem antes de seu advento. Quando a Segunda Guerra Mundial terminou em 1945, o "nunca mais!" gritado então certamente se referia ao Holocausto, à bomba atômica e aos outros excessos do século XX, mas era um grito lançado principalmente contra a guerra. A guerra era o mal absoluto, e o Estado-nação era o principal vetor de uma infecção que ameaçava destruir toda a humanidade. A partir de então, décadas de trabalho foram dedicadas para escapar da tirania daquele Estado soberano que quatro séculos de modernidade política haviam moldado sob a insígnia do monopólio da violência. Nasceram a ONU, a União Europeia e uma série de organizações supranacionais que substituíram os Estados nacionais do papel de únicas entidades habilitadas a conduzir uma guerra. Descortinaram-se depois os horizontes de uma globalização, aparentemente a referência estrutural para o advento da kantiana "paz universal".
Pela primeira vez, também as normas do direito internacional foram chamadas a proteger os "direitos humanos" em vez daqueles dos Estados individuais. E não foi só isso: a relação Estado-violência também foi corroída por uma espécie de privatização da guerra: nas guerras civis "de nova geração", apareceram outras figuras de soldado, os mercenários, os contratados e um terrorismo desideologizado. O mercado pareceu apossar-se até mesmo daquele que até então havia sido um setor monopolisticamente gerido pelo Estado. O ataque às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001 foi a representação simbólica mais eficaz dessa realidade. Isso é evidenciado por seus alvos, um "coração do Estado" identificado não apenas com os centros do poder institucional – o Pentágono e a Casa Branca – mas também, e sobretudo, com aqueles do poder econômico e financeiro, em uma guerra em que os Estados que apoiaram Bin Laden foram apoiadores, cúmplices, protetores, mas não foram eles que "fizeram a guerra", mas sim um grupo privado: a rede da Al-Qaeda os atravessava, servia-se de seus bancos, aproveitava-se de seus canais financeiros, seus centros de treinamento militar, os instrumentalizava, precisamente.
Mas aquele 11 de Setembro também foi um ponto de virada, um ponto sem retorno. A globalização, em vez da paz universal, parecia favorecer a guerra de todos contra todos, uma realidade endêmica, enraizada mais que nos Estados, nos indivíduos. A tentativa de "civilizá-la" havia fracassado. Voltou-se a falar sobre a selvageria do homem, enquanto populismo e soberanismo pareciam enterrar toda tentativa da democracia liberal de erradicar a guerra de seu entrelaçamento genético com o Estado. Recomeçou-se a combater entre os Estados-nação e o mundo mudou, numa convulsão que revirou todos os equilíbrios geopolíticos anteriores.
Enquanto a direita se apossava da política, foi principalmente a velha Roma católica a se opor à guerra, enfatizando vigorosamente a mensagem evangélica do "não matar", esvaziando de dentro (com Girard) a legitimidade do sangue derramado no sacrifício ritual, enganosamente fundado na culpa do bode expiatório. E então, felizmente para todos, houve muito mais, até hoje, quando as imagens da morte que chegam às nossas casas parecem capazes de despertar, além de meras imprecações, também uma rejeição generalizada da guerra, bem como uma nova ética pública; sua difusão midiática alterou radicalmente as modalidades de fruição, construindo uma comunidade empática com fronteiras amplamente dilatadas, uma globalização das emoções na qual cada ser humano pode acessar os sentimentos de todos os outros, compartilhando a mesma compaixão "diante da dor dos outros".
É essa "empatia cosmopolita" (Ulrich Beck) que hoje ameaça assolar Israel, mas se apresenta como o único antídoto eficaz às violências dos agressores. E quem sabe se o que agora é apenas um sentimento possa vir a se revelar tão forte a ponto de mudar a direção do vento.
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