12 Agosto 2025
“Se em Gaza se pisoteia a vida, no dia 14 de agosto, véspera da Assunção, em Montesole leremos todos os nomes das crianças mortas em 7 de outubro e desde 7 de outubro. Queremos lembrar seus nomes um por um, para honrar cada um deles e resgatá-los do anonimato. Ninguém é um número. Cada pessoa tem um nome, sua identidade. Todos têm igual dignidade”. Onde aconteceu o maior massacre de civis cometido pelos nazistas na Frente Ocidental, o Cardeal Matteo Zuppi, Arcebispo de Bolonha, Presidente da CEI e Enviado Pontifício para o conflito russo-ucraniano, lançará um apelo para "parar a devastação da guerra na Faixa de Gaza".
A entrevista é de Giacomo Galeazzi, publicada por La Stampa, 10-08-2025.
E o cardeal acrescenta: "Para a Terra Santa, como entre a Rússia e a Ucrânia, o único caminho realmente viável é sentar-se à mesa para alcançar um cessar-fogo o mais rápido possível. A questão que deve nos inquietar diante de tamanho sofrimento (resumido nas lágrimas de uma criança ou de uma mãe que chora por estar envolta num sudário) é se fizemos tudo o que podíamos pela paz".
Por que o mundo parece indiferente à tragédia em Gaza?
Começa a haver uma reação, é preciso dizer, diante do que aconteceu, ainda tímida, mas os apelos, interessados apenas na paz, não estão sendo ouvidos. O perigo é nos acostumarmos a essa escalada de morte e destruição. Recomecemos pelas crianças e pelo horror que seu sofrimento deve despertar em todos: jamais podemos considerá-las efeitos colaterais. A comunidade internacional tem os meios para promover a paz, em primeiro lugar por meio da ação diplomática. E se não os tiver, porque não fizemos a manutenção, vamos buscá-los! Não podemos nos resignar nem pensar em prescindir deles.
Falta vontade autêntica?
Sem paz não há amanhã, nem na Terra Santa nem no mundo; a guerra é o fim de tudo e para todos. Saímos da pandemia da Covid unindo forças; não nos salvaremos da pandemia da guerra sozinhos e sem autoconsciência dos nossos próprios limites. Depende dos governantes, mas também de todos nós, evitando palavras perigosas de ódio e ignorância nutridas pela lógica da guerra, mas que também a alimentam. Orientemos as nossas vidas para o diálogo e para as relações com os outros, não contra eles. Caso contrário, uma guerra mundial em pedaços, a brutalidade da opressão e o deserto da humanidade espalhar-se-ão sem restrição. A violência não pode vencer a violência e semeia mais violência.
É utópico pensar em parar a ocupação da Faixa de Gaza?
Na verdade, é o oposto. Fora da lógica é acreditar que podemos brincar com a guerra. É a inversão mortífera da realidade que Don Primo Mazzolari já apontava. Vencer a guerra com a guerra é uma ilusão: não prepara a paz, mas a próxima guerra, porque só o desejo de paz a trará. E devemos dizer que demos por certo ou pensávamos que as várias peças da guerra mundial não fossem nossas! A guerra envolve a todos, mesmo aqueles que a usam, mesmo o vencedor. Só a paz é uma vantagem para todos. A loucura desumana e cínica da força é combatida pela promoção de oportunidades de encontro, esperança, pedidos de perdão, a escolha de se imaginar juntos.
Dentro de alguns dias, o presidente dos EUA, Donald Trump, e o presidente russo, Vladimir Putin, encontrar-se-ão no Alasca, e é natural e justo esperar que o diálogo prevaleça e que um encontro tão importante e aguardado possa ajudar a compreender as soluções para uma paz que resolva as causas. É um passo antes de envolver a Ucrânia, sem a qual não há paz. Certamente não é um objeto!”
Por que não há uma coalizão – uma coalizão de bem-intencionados por Gaza?
Há potenciais protagonistas do diálogo que devem redescobrir a sua vocação e contribuir para deter um horror infinito. A começar pela UE, que pode e deve desempenhar um papel significativo na Terra Santa. A União nasceu precisamente da consciência da natureza horrenda da guerra, repudiada não só pela Constituição italiana, mas pela própria Europa. Das feridas ardentes daqueles massacres sem sentido, nasceu a soberania do continente, para ser usada precisamente na resolução de conflitos. Isso funcionou dentro da UE e também pode servir externamente, desde que a Europa escolha os instrumentos necessários de política externa e de defesa europeias. Ajudar a trazer a paz ao conflito israelense-palestino também é um dever da Europa. O que esquecemos, condenamo-nos a reviver. Isso vale para o conflito israelense-palestino, para o conflito russo-ucraniano e para a dezenas de guerras esquecidas.
Da força do direito despencamos para o direito da força?
Hoje, a barbárie também se manifesta na prevalência da lógica do mais forte, que acaba até por fascinar e ser aceita acriticamente como inevitável. A atual situação internacional é a mais delicada possível. Os Atos dos Apóstolos relatam um episódio ocorrido na estrada que ligava Jerusalém a Gaza. Era deserta, e hoje é deserta de humanidade. Deve voltar a ser uma possibilidade de encontro. Primeiro Francisco e agora Leão XIV invocam a cooperação internacional. Em Bolonha, comunidades cristã e judaica uniram-se para pedir o fim das operações militares em Gaza e o lançamento de mísseis contra Israel. Pediram a libertação dos reféns e a devolução dos seus corpos, a alimentação dos famintos e o tratamento dos feridos. Pediram a autorização de corredores humanitários. O fim da ocupação de terras destinadas a outros. O diálogo, de fato, é a única alternativa à destruição. Palestinos e israelenses sabem que só o direito pode impedir à humanidade de se autodestruir. Leão testemunha com a sua ação incessante que a paz é possível, mas é um trabalho paciente, um processo que exige tempo e diplomacia contínua.
Existem margens para impedir a ocupação de Gaza?
Esperamos que sejam atendidos os apelos do Papa Leão, que se envolveu pessoalmente para fazer da Sé Apostólica um lugar de verdadeira busca da paz. O reconhecimento mútuo, o respeito pelos direitos fundamentais e a disposição para dialogar devem emergir. Nenhuma segurança jamais poderá ser construída sobre o ódio. O amor é mais forte que a morte, ensina a encíclica ‘Fratelli tutti’ Crianças demais morreram. Portanto, que cessem as hostilidades, que os reféns israelenses sejam libertados e que se deixe entrar a ajuda humanitária. O massacre de inocentes jamais poderá ser justificado por nenhuma causa. É completamente contrário a todo senso de humanidade não chorar pela infância brutalizada e morta na guerra.
O Papa ofereceu a Santa Sé como um lugar de encontro.
É um sinal da vontade de se empenhar ao máximo. A esperança nunca deve ser perdida e é mais do que otimismo. Justiça para o povo palestino e segurança para o povo israelense estão intimamente ligadas. Devemos garantir que o diálogo seja percebido por todos como força e não como fraqueza, para que a dor não cause mais dor e uma em vez de dividir. O Papa recorda o direito humanitário, a obrigação de proteger os civis, a proibição do uso indiscriminado da força e a compreensão do sofrimento alheio. Hoje, vivemos na era da força, do poder sem compaixão, do poder sem moralidade.
O senhor vê cruzes em construção?
Armas estão sendo fabricadas para destruir uns aos outros. A Igreja está aos pés da cruz com os olhos cheios de lágrimas e o coração ferido de uma mãe. Nessa noite profunda em Gaza, a vida é cada vez mais invivível para seus habitantes, e nada mais é sagrado. Nem igreja, nem mesquita, nem hospital, nem fila de pessoas cuja única culpa é tentar sobreviver. É o sono da piedade que leva a aceitar os mortos como danos colaterais. Francisco falava de ‘espírito de Caim’. Corredores humanitários e gestos concretos dos pacificadores quebram o malefício da vingança, cientes de que quem vive pela espada morre pela espada. Ódio, ignorância e desrespeito enchem os arsenais enquanto precisamos de escolas, casas, fábricas e campos. Ninguém pode fingir que não vê. Todos devem fazer a sua parte para curar as cicatrizes, desarmar os corações e interromper os massacres em curso. Devemos abrir os olhos e nos libertar dos esquemas de guerra que voltaram a se impor.