07 Agosto 2025
Oitenta anos após os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, as armas nucleares continuam no centro das políticas de defesa. Pior ainda, lamenta o pesquisador Benoît Pelopidas: elas criam uma falsa sensação de proteção.
Há oitenta anos, entramos na era nuclear. Com o bombardeio da cidade japonesa de Hiroshima em 6 de agosto de 1945, seguido três dias depois pelo bombardeio de Nagasaki em 9 de agosto, o mundo descobriu a arma mais poderosa. Essas bombas, a primeira à base de urânio e a segunda à base de plutônio, arrasaram duas cidades e exterminaram cerca de 140.000 pessoas em um piscar de olhos.
Desde 1945, a luta contra as armas nucleares e pela memória foi agraciada com dois prêmios Nobel da Paz: um recebido em 2017 pela associação Ican, que lidera a campanha internacional pela abolição das armas nucleares, e o outro concedido em 2024 à associação Nihon Hidankyo, que dá vida às vozes dos sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki. Apesar destes prêmios, as armas nucleares permanecem no centro das políticas de defesa dos países que possuem a bomba.
Benoît Pelopidas dirige o Programa de Estudos de Conhecimento Nuclear na Sciences Po, de Paris. Para o pesquisador independente, fortalecer e manter a memória dos bombardeios é um imperativo, mas não só isso. Outros eventos merecem nossa atenção para que a realidade da ameaça nuclear permaneça viva em cada um de nós.
A entrevista é de Laure Noualhat, publicada por Reporterre, 06-08-2025. A tradução é do Cepat.
Em um artigo [1], vocês explicam que, com o passar dos anos, a memória dos eventos de 1945 se dilui no tempo. O que resta de Nagasaki e Hiroshima?
Fizemos perguntas abertas a 7.000 pessoas nos dois países europeus que têm armas nucleares (França e Reino Unido) e naqueles que hospedam ogivas nucleares em seu território (Itália, Holanda, Alemanha, Bélgica e Turquia). Quando perguntávamos aos nossos entrevistados sobre eventos associados a armas nucleares ou à ideia de guerra nuclear, Hiroshima e Nagasaki foram as únicas referências mencionadas. Mas a memória dos bombardeios atômicos é predominantemente a de Hiroshima, sendo Nagasaki sistematicamente menos identificada por nossos entrevistados.
Parece também que os bombardeios e seu significado são cada vez mais esquecidos pelas gerações mais jovens, sem nenhuma outra memória da história nuclear que os substitua. Fiquei surpreso; esperava que a crise cubana [em 1962, a União Soviética posicionou mísseis direcionados diretamente ao território estadunidense a partir da Baía de Cuba, colocando as duas potências à beira de um confronto direto] ou mesmo os testes nucleares e suas consequências fossem mencionados. No entanto, a crise cubana foi mencionada por apenas 2% dos entrevistados!
Qual é o risco desse esquecimento?
Mobilizar uma memória coletiva permite que os cidadãos compreendam a violência nuclear causada pela bomba, mas também as vulnerabilidades presentes e futuras. A passagem do tempo torna esses eventos cada vez menos relevantes para o presente: deter-se em Nagasaki é deter-se em 9 de agosto de 1945. Deter-se no final dos testes nucleares atmosféricos é trazer essa história de volta a 1980, que é muito mais próximo de nós. No entanto, é desejável associar aos bombardeios todos os outros fenômenos de violência nuclear, como os testes nucleares, eventos que passaram despercebidos...
O que são esses “eventos que passaram despercebidos”?
As pessoas desconhecem a importância da sorte e do azar em eventos nucleares. Por exemplo, Nagasaki nunca teria sido bombardeada se o tempo tivesse sido bom no alvo principal, que era a cidade de Kokura.
Posteriormente, muitos eventos de sorte nos permitiram escapar de cataclismos, como, por exemplo, o acidente de Goldsboro (nos Estados Unidos). Em janeiro de 1961, um bombardeiro B-52 cruzou os céus da Carolina do Norte e deveria ser reabastecido em voo. O reabastecimento falhou e o bombardeiro se desintegrou em pleno ar. Duas bombas, cada uma com um poder de destruição equivalente a 250 bombas de Hiroshima (!), caíram em queda livre.
Uma delas ficou enterrada a 7 metros de profundidade em um campo lamacento. A outra caiu suavemente após seu paraquedas abrir: totalmente operacional, ela iniciou um procedimento de detonação em seis etapas; apenas uma falhou! Um simples interruptor impediu a explosão desta bomba nuclear de 2,4 megatons. Eu chamo isso de sorte.
Um relatório submetido ao Congresso dos EUA em 1998 afirmou que houve 32 eventos semelhantes entre 1950 e 1980, conhecidos como “flechas quebradas”.
Você acredita que o desaparecimento dessa memória atômica não nos permite, ou não nos permite mais, considerar a bomba como ela é.
Estamos submetidos a uma política de defesa unívoca, na qual ninguém pergunta: quais sistemas de armas para qual política de defesa na França e na Europa a longo prazo? Considerando os limites planetários e especialmente o aquecimento global, seria bem-vindo um debate tranquilo sobre os benefícios e malefícios desses sistemas de armas. Esse debate raramente acontece e, quando acontece, é sistematicamente tendencioso.
Estas datas memorativas são uma oportunidade para relembrar várias questões. Primeiro, os arsenais nucleares atuais excedem em muito os requisitos de dissuasão nuclear. Isso é particularmente verdadeiro para os Estados Unidos e a Rússia.
Segundo, um equívoco permeia toda a classe política: possuir essas armas seria benéfico, independentemente do futuro que nos aguarda. Isso é falso: em alguns cenários futuros, é possível piratear sistemas de armas nucleares, o que nos colocaria em perigo. Então, estamos entrando em outro mundo, onde as instituições responsáveis pelos arsenais nucleares podem não ser mais capazes de garantir a segurança dessas armas. Diante dos efeitos das mudanças climáticas (elevação do nível do mar, incêndios recorrentes, etc.), os gastos para protegê-las terão que aumentar.
Devemos lembrar que o desmantelamento de todos os arsenais nucleares é fisicamente viável em menos de dez anos. Na década de 1980, havia 70.000 armas nucleares distribuídas pelo mundo; hoje, são 12.000, o que é muito além do que seria necessário para acabar com a civilização.
As armas nucleares não desapareceram do cenário internacional: as acaloradas trocas de farpas entre Trump e Kim Jong-un em 2017, a intimidação de Vladimir Putin, a guerra-relâmpago travada por Israel no Irã...
Sim, mas esquecemos que o desejo por armas nucleares não é universal. A grande maioria dos Estados nunca tentou adquiri-las e, entre aqueles que o fizeram, a maioria renunciou à ideia, incluindo Estados com capacidade material, financeira e técnica para fazê-lo, como a Suécia e a Noruega.
Com esta guerra-relâmpago no Irã, temos a impressão de que a proliferação é iminente. Perdemos de vista o fato de que estamos em um período de não proliferação sem precedentes desde o fim da Guerra Fria. De lá para cá, somente a Coreia do Norte tornou-se uma potência nuclear.
As armas nucleares também nos induzem a ilusões. Como o “guarda-chuva nuclear” sob o qual o presidente Macron quer proteger outros países da Europa. Você e eu carregamos um guarda-chuva. Mas nenhum de nós pensa que sua mera presença impedirá a chuva de cair. Não existe guarda-chuva nuclear, e nunca existiu; mísseis balísticos são muito difíceis de interceptar. A metáfora do guarda-chuva cria uma ilusão de proteção; é uma inversão completa da realidade.
Outra ilusão: no inconsciente coletivo, as armas nucleares equivalem a paz. No entanto, em 2025, dois Estados com armas nucleares estão envolvidos em guerras convencionais: a Rússia na Ucrânia e Israel no Irã. No caso da Rússia, a capacidade de ameaça nuclear encorajou Putin a entrar em guerra; ele acredita que isso impediria qualquer terceiro de intervir diretamente. A ameaça nuclear pode servir de cobertura e incentivo para a agressão convencional.
Some-se a isso o fato de que o sigilo nuclear continua sendo um problema de democracia e, com exceção do programa que dirijo, não há pesquisa independente na França que avalie os efeitos dessas políticas.
Nossos concidadãos são todos afetados pela política nuclear. Mesmo que ela não se concretize, eles são afetados como contribuintes que financiam o arsenal nuclear nacional; como delegados da autoridade concedida ao Presidente da República; como alvos prioritários em caso de escalada; e como cidadãos. As políticas nucleares são concebidas de tal forma que sua gestão democrática é impossível. Isso se deve ao sigilo da defesa e porque as instituições responsáveis são, ao mesmo tempo, juiz e júri.
Os orçamentos de defesa nacional dos países com armas nucleares estão explodindo; em todos os lugares, os arsenais estão sendo modernizados e renovados. Vivemos um renascimento da era nuclear?
Todos os países com armas nucleares estão engajados na dinâmica da “proliferação vertical”, ou seja, estendendo a vida útil desses sistemas de armas, modernizando-os, aumentando seu tamanho e renovando os sistemas de lançamento dessas armas, como aeronaves. Nove Estados possuem armas nucleares [2] e outros seis hospedam ogivas em seu território [3]. A maioria dessas armas é muito mais destrutiva do que aquelas usadas no Japão.
1. Sterre van Buuren; Benoît Pelopidas; Alexander Sorg. Nuclear memories for the future: Gaps and forgetting in European publics’ understandings of the atomic bombings of Hiroshima and Nagasaki. Thesis Eleven, 0(0) 2025, p. 1-17.
2. Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte.
3. Turquia, Bélgica, Alemanha, Holanda, Itália e Bielorrússia.