05 Julho 2025
"Esse Papa revela-se como uma pessoa em escuta do que perturba as nossas sociedades, as nossas famílias, as nossas vizinhanças: teorias da conspiração, violência e, sobretudo, o medo, que transforma o outro em inimigo".
O artigo é de Anne Soupa, biblista, publicado em seu site e reproduzido por Garrigues et Sentiers, 30-06-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
No último dia 8 de maio, recebíamos na sacada da Basílica de São Pedro aquele que o conclave havia designado como sucessor de Pedro. De Pedro, segundo o costume da Igreja. O que pode parecer pouco, mas na realidade é um duplo convite.
O primeiro lembra ao Papa a missão de Pedro, para a qual foi chamado pelo próprio Jesus, a de se tornar “pescador de homens”, suscitando outros discípulos.
E o Papa Leão XIV inseriu-se nessa perspectiva quando disse, logo na missa inaugural: “Venho a vós como irmão, servo da vossa fé e da vossa alegria”, recordando precisamente a tarefa confiada a Pedro.
Não é primariamente de um poder que Pedro é investido, mas da tarefa de “fazer discípulos”.
Como? Há muitos tempos e lugares, e diferentes maneiras.
Li nos últimos dias que o número de seminaristas em formação em todo o mundo está diminuindo (1). Ainda se deve pedir aos bispos em visita ad limina a Roma que prestem contas do número de vocações sacerdotais que suscitaram? Não tenho certeza se essa pequena contabilidade tenha desaparecido. Mas parece-me definitivamente superada. Por um lado, porque os números não são a melhor maneira de prestar contas de um encontro com Cristo, e por outro, porque nem sequer tenho a certeza de que a vitalidade do cristianismo resida no corpo sacerdotal.
A presença de Cristo também pode ser lida na sociedade civil como um todo, onde vivem cristãos "comuns" e até mesmo não cristãos. Com a secularização, a mensagem cristã de fraternidade, de abertura do coração aos outros, de esperança, permeou a sociedade como um todo de forma generalizada.
Essas também são qualidades que o Papa deve apoiar e pelas quais é responsável diante de Deus. Isso explica o fato de que ele deve estar intensamente presente nos assuntos do mundo, não por um fato midiático, mas para tentar, com a força de sua palavra, levar ao maior número possível de pessoas a Boa Nova de uma vida voltada para o bem comum. O segundo convite contido na referência a Pedro é aquele da liberdade. Nada obriga o novo Papa a se esforçar para se tornar semelhante ou diferente do Papa que o precede. Ele continua sendo livre em seu modo de ser e em suas posições. Leão XIV havia comunicado suas inclinações na missa com os cardeais no dia seguinte à sua eleição. Ele os havia convidado a “desaparecer para que Cristo permaneça, a se fazerem pequenos para que Ele seja conhecido e glorificado, a se gastarem até o fim para que ninguém seja privado da oportunidade de conhecê-Lo e amá-Lo”. E havia pedido a Deus que lhe concedesse essa graça “hoje e sempre”.
É uma grande diferença em relação à forma de se apresentar de Francisco, que havia escolhido afirmar-se claramente para alcançar o objetivo que se propusera: uma Igreja com os pobres. Francisco havia tomado as distâncias dos hábitos pontifícios: havia escolhido outra acomodação, outros sapatos, outra maneira de se relacionar com as pessoas, um tom muito pessoal.
Leão, em vez disso, mergulha no que sempre foi feito e se conforma ao que é um papa comum, como se quisesse ser menos notado. Ele se hospeda no palácio apostólico, veste-se como os outros papas, não conta nada sobre si mesmo, ou muito pouco. Sua identidade será expressa com outros meios pelos pequenos gestos, pelas pequenas diferenças, e ele saberá como a mostrar para nós.
Leão, como Francisco, é um homem religioso, sua espiritualidade está ligada a Santo Agostinho, uma escola de interioridade, de acolhimento de Deus em si mesmo, que liberta o sujeito da parte supérflua do seu “eu”, para que se transporte para Deus e se torne indiferente às aparências, e até mesmo à definição precisa da sua identidade pessoal.
Se Leão se abstrai de si mesmo dessa forma, se recebe a graça de se esquecer de si mesmo, como dizia Bernanos, é também porque tem, para si e para os seus ouvintes, um projeto que certamente exige um temperamento como o seu: servir a causa da paz.
Paz na Igreja, na qual ele atua como papa, como querem as correntes conservadoras. Estas últimas, aliás, fazem de tudo para acentuar a ruptura com Francisco, amplificar a dimensão de algumas orientações que vão surgindo, minimizar aquelas que o ligam à corrente social e tentar torná-lo um dos seus. Mas pode ser que Leão permaneça livre... Só o futuro dirá como ele lidará com as grandes questões pendentes (implementação da sinodalidade, descentralização, espaço para as mulheres, natureza do ministério sacerdotal).
Paz diante da multiplicação dos conflitos armados, que não se alcança equiparando os beligerantes, mas reconhecendo em primeiro lugar o direito dos povos à autodeterminação, se necessário com as armas. Para demonstrar isso claramente, o Papa recebeu, desde o dia da missa inaugural, o presidente ucraniano. E é também com a paz em mente que ele convida, em Gaza e em todo o Oriente Médio, a uma solução diplomática: “Que a diplomacia silencie as armas” (2).
Paz que pressupõe a preocupação com a verdade, portanto, entre outras coisas, a defesa do trabalho dos jornalistas, como ele recordou em mensagem enviada à jornalista peruana Paola Ugaz, que, com risco de sua própria vida, havia investigado um movimento culpado de abusos de todos os tipos, o Sodalicio (3).
Paz que também passa por uma análise crítica da inteligência artificial, que corre o risco de reduzir a liberdade das pessoas. Sobre esse tema, o Papa prometeu uma encíclica. Paz que deve atingir também os nossos comportamentos corriqueiros. Diante do episcopado italiano, Leão sugeriu, por exemplo, que "cada diocese pode promover percursos de educação para a não violência, iniciativas de mediação nos conflitos locais, projetos de acolhimento que transformem o medo do outro em oportunidade de encontro". Tantas ideias que... inspiram ideias!
Esse Papa revela-se como uma pessoa em escuta do que perturba as nossas sociedades, as nossas famílias, as nossas vizinhanças: teorias da conspiração, violência e, sobretudo, o medo, que transforma o outro em inimigo.
Paz, enfim, que se alcança na relação pessoal com Cristo. Ao contrário das derivas identitárias que restringem o catolicismo a uma luta contra as leis da sociedade, o Papa apela a um "impulso renovado na proclamação e na transmissão da fé", pelo "retorno aos fundamentos da fé, ao querigma".
Tudo isso é apenas um esboço de governo. Mas o caminho parece traçado, e o peregrino decide seguir em frente.
(1) 106.000, en baisse dans tous les continents, sauf en Afrique.
(2) Aqui.
(3) Aqui.