30 Junho 2025
O artigo é de José Manuel Vidal, publicado por Religión Digital, 29-06-2025.
Há gestos que definem um pontificado. Há palavras que são, em si mesmas, um programa de governo. E há cartas que, por seu conteúdo e destinatário, se tornam marcos históricos na luta contra os abusos na Igreja. Esta é a carta inédita que o Papa Leão XIV enviou à jornalista peruana Paola Ugaz, lida por Jordi Bertomeu, o principal agente antipedofilia do Vaticano.
Uma carta que não é apenas um endosso pessoal, mas também o roteiro de um pontificado determinado a continuar a luta empreendida pelo Papa Francisco, para passar do silêncio à tolerância zero, da suspeita à transparência, do encobrimento à justiça e à reparação total, incluindo a reparação econômica.
Nunca antes um papa escreveu em defesa de jornalistas específicos — Paola Ugaz, Pedro Salinas, Daniel Yovera e Patricia Lachira — que, arriscando a liberdade e a vida, ousaram denunciar a corrupção, os abusos sexuais, o abuso de poder e o abuso de consciência dentro do Sodalício da Vida Cristã. Esse trabalho profissional, corajoso e tenaz lhes rendeu perseguição, ações judiciais, assédio e difamação. Uma verdadeira guerra jurídica que buscava silenciar a verdade e proteger os poderosos.
Enquanto isso, um dos chefes de mídia do Sodalício, Alejandro Bermúdez, foi expulso da organização pela Santa Sé e condenado por praticar jornalismo católico ruim.
A carta de Leão XIV é, antes de tudo, um reconhecimento claro e contundente do trabalho desses jornalistas e, por extensão, de todos os profissionais que, com sua pena e voz, iluminaram as sombras da Igreja. "Defender o jornalismo livre e ético não é apenas um ato de justiça, mas um dever de todos aqueles que anseiam por uma democracia forte e participativa. Onde um jornalista é silenciado, a alma democrática de um país se enfraquece", escreve o Papa.
E acrescenta: "A sua luta pela justiça é também a luta da Igreja. Porque uma fé que não toca as feridas do corpo e da alma humana é uma fé que ainda não conheceu o Evangelho".
Leão XIV vai além da retórica. Ele reconhece que, sem um jornalismo livre, independente e não confessional, o sistema de silêncio e encobrimento eclesiástico teria permanecido. "Precisamos de jornalistas", proclamou o Papa, agradecendo-lhes publicamente por seu trabalho, que ajudou a Igreja a passar do encobrimento à tolerância zero.
Sua carta é uma homenagem ao bom jornalismo e à liberdade de expressão, um agradecimento explícito àqueles que, como Ugaz e Salinas (e muitos outros ao redor do mundo, desde colegas do Boston Globe até os do El País, incluindo toda uma série de jornalistas chilenos, colombianos ou alemães), perseveraram em sua denúncia mesmo quando foram ignorados, desqualificados ou perseguidos legalmente.
A mensagem, lida por Bertomeu — o "flagelo" dos abusadores e símbolo da nova política de tolerância zero do Vaticano — transforma a carta em uma declaração de intenções: enraizar em toda a Igreja uma cultura de prevenção que não tolere nenhuma forma de abuso, seja de poder, autoridade, consciência ou sexual. Uma cultura autêntica, nascida da vigilância ativa, de processos transparentes e da escuta sincera daqueles que foram feridos.
Francisco sempre valorizou a cobertura jornalística e se envolveu em casos específicos após lê-los. Leão XIV foi além: reconheceu publicamente que, sem o jornalismo investigativo, a Igreja não teria superado o muro do encobrimento. E enfatizou que a mídia não é inimiga, como alguns bispos ainda acreditam, mas sim aliada necessária e essencial na busca pela verdade e pela justiça.
A carta a Paola Ugaz é, em suma, o programa de Leão XIV na luta contra os abusos: memória, denúncia e justiça. Um compromisso com as vítimas, com a verdade e com a transparência. E um aviso a todos: a Igreja de Leão XIV não retornará à escuridão do silêncio. Porque, como diz o Papa, "a liberdade de imprensa é um bem comum inalienável". E porque, graças ao trabalho de jornalistas corajosos, a Igreja pode enfrentar o seu passado, pedir perdão e, acima de tudo, evitar repetir os mesmos erros.
O reconhecimento público do trabalho jornalístico pela Igreja, especialmente da mais alta autoridade papal, tem um impacto profundo e multifacetado na luta eclesial contra os abusos.
Em primeiro lugar, torna visível e legitima o papel essencial do jornalismo investigativo como impulsionador de mudança e transparência dentro da Igreja. O próprio Leão XIV enfatizou que o jornalismo corajoso e comprometido é crucial para descobrir e erradicar práticas nocivas e instou toda a comunidade eclesial a colaborar ativamente com os profissionais da informação para garantir um ambiente seguro e transparente. Esse reconhecimento rompe com a tendência histórica ao silêncio e ao encobrimento e envia uma mensagem inequívoca: os meios de comunicação não são inimigos, mas aliados essenciais na busca pela verdade e pela justiça.
Em segundo lugar, o apoio papal fortalece a proteção de jornalistas perseguidos, assediados ou processados por denunciarem abusos e corrupção dentro da Igreja. Ao expressar publicamente sua gratidão e defender seu trabalho, Leão XIV não apenas apoia figuras específicas como Paola Ugaz e Pedro Salinas, mas também incentiva outros profissionais a continuarem investigando sem medo de represálias. Isso contribui para um clima de maior liberdade de expressão e para o desmantelamento da guerra jurídica, ou assédio judicial, contra aqueles que denunciam.
Além disso, o reconhecimento público contribui para uma cultura de prevenção e tolerância zero. A denúncia jornalística tem sido fundamental para trazer à tona casos ocultos e forçar a Igreja a adotar medidas eficazes para proteger as vítimas e punir os responsáveis. Como observou o Papa, sem o jornalismo independente, o sistema de silêncio e encobrimento teria permanecido, e a transição para a transparência e a justiça teria sido muito mais lenta ou mesmo impossível.
Por fim, esse apoio incentiva a implementação de políticas claras e enérgicas para prevenir abusos futuros, pois pressiona as instituições eclesiásticas a serem responsáveis perante a sociedade e a agirem com maior diligência e comprometimento.
Em resumo, o reconhecimento papal do trabalho jornalístico:
Sem um jornalismo livre e corajoso, a luta contra os abusos na Igreja não teria passado do encobrimento à ação. O reconhecimento público do seu trabalho é, portanto, um pilar fundamental para erradicar os abusos e construir uma Igreja mais segura e fiel ao Evangelho.