01 Mai 2025
Papa Francisco foi um sonho que se tornou realidade.
O artigo é de Klaus da Silva Raupp, Doutorando em Teologia e Educação e Professor Visitante na universidade jesuíta Boston College Membro Colaborador Sênior da Economy of Francesco e da EoF Academy, 27-04-2025.
Sonho de muitos (e pesadelo de outros tantos), e também o Papa dos meus sonhos
Um Papa jesuíta
Um Papa que escolheu o nome Francisco
Como padre e bispo latino-americano, os pés que pisaram o chão das periferias sob a inspiração da teología del pueblo
Como jesuíta, a cabeça do jovem cientista que viu sua vocação a partir da fides quaerens intellectum (a teologia enquanto fé que pede inteligência – intus legere, leitura por dentro)
Como Francisco, o coração e as mãos que abraçaram, como um programa de pontificado, a ternura e o vigor do Poverello de Assis
O Papa que, eleito, ouviu de seu amigo cardeal brasileiro “não esqueça os pobres”
O Papa que veio do “fim do mundo”
O Papa que abriu seu pontificado no balcão da Praça São Pedro se referindo como o bispo de Roma (que é o Papa, claro), sem a pompa do monarca, e antes pedindo ao povo que o abençoasse (13 de março de 2013 foi um dia em que muitos de nós sempre saberemos exatamente onde e como estávamos)
O Papa que foi a Assis no primeiro 4 de outubro do seu pontificado (e lá estávamos, casados há 10 anos no dia de São Francisco, para testemunhar aquele que se fazia vicino ao povo)
O Papa da simplicidade (e, por que não dizer, da verdadeira austeridade)
O Papa que enfrentou os absurdos escândalos financeiros e de pedofilia
O Papa da Igreja pobre para os pobres
O Papa cuja primeira exortação apostólica se chamou “a alegria do Evangelho”
O Papa que pediu uma Igreja em saída (como um hospital de campanha, e não como uma aduana)
O Papa que afirmou categoricamente que esta economia exclui e mata
O Papa que pediu discípulos missionários que encontrem Jesus Cristo nas pessoas, especialmente nas mais empobrecidas
O Papa que quis uma Igreja com pastores que tenham o cheiro das ovelhas
O Papa da cultura do encontro (contra toda indiferença)
O Papa do sorriso fácil
O Papa das crianças
O Papa dos imigrantes
O Papa que foi a Lampedusa para dizer à Europa, terra de muitos emigrantes, que refugiados estavam morrendo afogados nas águas do Mediterrâneo
O Papa da juventude
O Papa das jornadas
O Papa que gostava de futebol e era sócio do seu San Lorenzo (e que também teve em suas mãos, por mais de uma vez, o “manto sagrado” – o do mais querido do mundo, o Flamengo, é claro)
O Papa dos pobres e das visitas às favelas (algumas inesperadas)
O Papa do “quem sou eu para julgar?”
O Papa da acolhida
O Papa da misericórdia
O Papa que lavou os pés dos presos e “últimos” da sociedade
O Papa que visitava os da rua e os doentes
O Papa dos encontros com os movimentos populares, e que tratou a terra, o teto e o trabalho como direitos sagrados
O Papa do diálogo em todos os sentidos (com as demais igrejas cristãs, com as demais religiões, com a cultura, com a ciência etc.)
O Papa que sempre insistiu na via da paz
O Papa que, no Congresso da sede do Império, disse que quem faz declaração ressaltando a vida, a liberdade e a busca da felicidade não pode aceitar que a economia seja subserviente à financeirização
O Papa que visitou as periferias do mundo
O Papa da ecologia integral (como resposta à crise sócio-ambiental, que é uma)
O Papa do alerta para uma economia que não se submeta aos ditames da tecnocracia, mas, sim, que esteja sempre atenta aos princípios éticos e à regulação devida das atividades especulativas (boa governança, diga-se)
O Papa que convocou a juventude global para realmar a economia nos passos de Francisco de Assis – por uma Economia de Francisco (e lá estávamos nós novamente, e neste caminho seguimos)
O Papa do humanismo integral, no qual somos todos irmãs e irmãos, e do desenvolvimento integral
O Papa da crítica expressa ao trickle-down neoliberal e ao dogmatismo falacioso de que o mercado tudo regula (e, aos que acreditam no “mito”, não, isso nunca fez de Francisco um comunista – João Paulo II também fez algumas vezes essa crítica necessária à luz da fé católica)
O papa que denunciou os processos neocoloniais de lawfare (leia-se os lavajatismos anti-nacionais)
O Papa que, em Assis, no encontro global da Economia de Francisco (2022), disse-nos que a realidade importa mais que as ideias, que o capitalismo é insustentável, e que precisamos seguir três indicações: olhar para o mundo através dos olhos dos mais pobres, não esquecer os trabalhadores, e encarnarmo-nos nas realidades (sem esquecer aquelas que são estruturais, pois ele também nos disse que o todo é maior do que a soma das partes)
O Papa que, a despeito de falsos denuncismos alimentados por uma cultura de ódio (não raramente interna), em nada alterou a verdadeira ortodoxia (muito pelo contrário, e com fidelidade às origens, exaltou-a tal como devido – o que pode ser mais ortodoxo, isto é, de “reta opinião”, que o seguimento do Evangelho?!)
O Papa que recepcionou plenamente o espírito do Concílio Vaticano II
O Papa da sinodalidade (de uma Igreja de todas e de todos, “juntos”)
O Papa que chamou mulheres para atuar em cargos da Cúria Romana (lembrando que as mulheres foram as primeiras a anunciar a ressurreição de Jesus Cristo, eram lideranças centrais nas primeiras comunidades cristãs, são a imensa maioria na Igreja etc.)
O Papa que reconciliou Roma com a teologia da libertação (afinal, desde Moisés ao apóstolo Paulo, é muito claro na redação das Escrituras que Deus atua para nos libertar de tudo o que oprime, e principalmente os menos favorecidos)
O Papa que, a propósito, alertou para os perigos e as ilusões do fundamentalismo, e o fez totalmente em linha com o ensinamento da Igreja a esse respeito (vide, por exemplo, o documento A Interpretação da Bíblia na Igreja, no qual a Comissão Pontifícia Bíblica afirma que o método histórico-crítico é indispensável à leitura bíblica – documento assinado pelo então Cardeal Ratzinger, posteriormente Papa Bento XVI)
O Papa que foi fiel no seguimento da missão do próprio Jesus de anunciar a boa nova aos pobres, cativos, cegos e oprimidos (Lc 4, 18-19)
O Papa que anunciou incondicionalmente esse Evangelho, cuja centralidade é Jesus de Nazaré, histórico, filho de Maria e José, o mesmo que é o Cristo da fé, eterno, Filho amado de Deus
O Papa que sempre buscou o Reino de Deus e a sua justiça
O Papa em cujo pontificado sempre se sentiu, do início ao fim, o sopro forte do Espírito Santo
O Papa da cadeira de rodas
O Papa que, no dia seguinte ao seu último adeus ao povo no domingo de Páscoa, voltou sereno para a Casa do Pai (na certeza de ter combatido o bom combate da fé, cumprido a missão de pontífice – “fazedor de pontes”, e de nos ter deixado um legado enorme)
O Papa que é santo subito
O Papa que, em seu testamento, confirmou seu despojamento
O Papa que, mesmo com grande respeito à basílica de Pedro, preferiu que seu corpo físico repousasse na casa da Mãe
O Papa que foi, como ele mesmo pediu que em seu túmulo constasse,
Simplesmente, Franciscus
Um sonho que se tornou realidade
PS:
Eu perdi o meu Pai em 2012, e ganhei um Papa no ano seguinte
No último dia 21 de abril, eu perdi o Papa dos meus sonhos, mas a sua intercessão já é eterna, o seu legado segue em nossas mãos, e eu resolvi continuar sonhando