29 Abril 2025
"As experiências de 'arrebatamento e rapidez' em Paulo, e também aquelas dos Atos, estão na origem, no que diz respeito à ação conjunta da Trindade que leva à 'transfiguração', à 'consolação' e aos afetos da fé, especialmente de alegria e ternura", escreve Giuseppe Villa, padre e vigário da comunidade pastoral Virgem das Lágrima, sem artigo publicado por Settimana News, 26-04-2025.
Nos últimos meses, tem havido um debate sobre “rápido e abrupto” para a teologia em várias páginas e blogs. Aqui dou uma pequena contribuição partindo dos Atos dos Apóstolos e do epistolário paulino, que são os únicos no Novo Testamento ‒ com exceção de Apocalipse 12,5 ‒ que incluem esses lemas em seu vocabulário.
Desde a Ascensão, a ação divina se apresenta como uma dinâmica combinada entre o Pai e o Filho que intervêm plenamente por meio do Espírito Santo. Essa combinação é evidente em toda a narrativa dos Atos, onde o Espírito se torna o motor do anúncio, das missões e das transformações, mas sempre em profunda unidade com o projeto do Pai e a autoridade do Filho.
Neste novo contexto de Atos, encontramos pelo menos duas vezes o particípio passado, uma “passiva divina”, “arrebatado”, aparecendo em contextos de êxtase ou ascensão: tem base no grego bíblico e está ligado ao verbo “harpázō” (ἁρπάζω), que significa “apreender”, “levar embora” ou “sequestrar”.
A etimologia de rapire e veloce está intimamente ligada. Ambos derivam do verbo latino rapĕre, que significa “agarrar”, “arrastar para longe” ou “carregar com força ou velocidade”.
Sequestrar retém mais fortemente a ideia original de “agarrar” ou “levar” alguém ou alguma coisa, muitas vezes com um sentido emocional ou espiritual, como no caso de abduções místicas ou no sentido contemporâneo de “ser arrebatado pela beleza”.
Rápido, por outro lado, remete à ideia de movimento, como algo sendo arrastado ou agarrado com força. O elemento de força e imediatismo inerente ao verbo latino também é central para o conceito de velocidade: uma ação que ocorre prontamente, quase um “transporte” dinâmico.
Esta raiz etimológica comum sublinha um aspecto não só físico, mas também simbólico e emocional: ser “rápido” ou “sequestrado” implica um movimento em direção a algo que envolve e arrasta. No campo teológico ou espiritual, como vimos, essa conexão é ainda mais enriquecida, pois o “sequestro” se torna uma forma de transporte para a dimensão divina.
Uma primeira ocorrência está nos Atos dos Apóstolos (Atos 8,39), onde Filipe, depois de ter batizado o eunuco etíope, é "sequestrado" pelo Espírito do Senhor. O termo grego usado é “ἡρπάσθη” (hērpásthē), particípio aoristo passivo de “harpázō”, que indica uma ação rápida e decisiva realizada pelo Espírito. Filipe não age por livre e espontânea vontade; é divinamente agarrado e levado embora.
Uma segunda ocorrência está em Atos 22,17, onde Paulo relata uma visão que teve enquanto orava no templo em Jerusalém. O texto grego inclui o verbo “genomenou” (γενόμενου), que indica que Paulo “entrou em êxtase” ou estava em estado de “êxtase” (ἔκστασις). Aqui, a palavra “kstasis” está próxima do conceito de ser “abduzido” em um sentido espiritual ou mental, mas não está relacionada ao verbo “harpázō” usado em outros contextos de abdução física ou transporte. Em vez disso, descreve um estado de admiração ou maravilha, no qual Paulo está imerso na presença divina.
O termo “sequestrado” também aparece nas cartas paulinas. O primeiro texto está em 2Coríntios 12,2-4, onde Paulo descreve sua experiência mística de ser “arrebatado até o terceiro céu”. Aqui também encontramos o verbo “ἁρπάζω” usado na forma “ἡρπάγη” (hērpágē), que é sempre um particípio aoristo passivo, mas com o mesmo significado de “ser levado rapidamente” ou “ser agarrado”. A ação divina transporta Paulo para uma realidade espiritual mais elevada.
O segundo texto é 2Cor 12,2, onde Paulo fala de uma pessoa (tradicionalmente interpretada como ele mesmo) “arrebatada até o terceiro céu”. O verbo grego aqui é “ἁρπάζω” (harpázō), na forma passiva “ἡρπάγη” (hērpágē). Este é o mesmo verbo que encontramos em outros contextos de arrebatamento físico e espiritual, como em Atos 8,39 com Filipe. Aqui indica uma ação externa e divina que leva Paulo a uma realidade transcendente.
Para dar um sentido unitário às quatro recorrências, podemos reconhecer um tema central que liga essas experiências: a ação divina que arrebata ou transporta o ser humano, levando-o a experimentar um encontro direto e transformador com a realidade divina. Embora haja nuanças diferentes em cada recorrência, a raiz comum é a iniciativa de Deus que age com força e prontidão para imergir o indivíduo em uma dimensão de revelação ou missão.
Esta unidade temática baseia-se na “prontidão de Deus” em aproveitar o momento para se revelar e envolver o homem numa missão ou numa visão. Essas experiências de abdução nunca são fins em si mesmas: elas levam o indivíduo a um nível mais profundo de compreensão, a um chamado ou a um testemunho.
Também aqui se pode dizer que, nos Atos, a Ascensão marca o ponto de virada: o Ressuscitado entra na plenitude da comunhão com o Pai, estabelecendo-se “no seio de Deus”. A partir desse momento, a “prontidão de Deus” se apresenta como uma dinâmica “rápida”, na qual o Pai e o Filho atuam plenamente numa ação conjunta por meio do Espírito Santo. Essa combinação é evidente em toda a narrativa dos Atos, onde o Espírito se torna o motor do anúncio, das missões e das transformações, mas sempre em profunda unidade com o projeto do Pai e a autoridade do Filho.
A Ascensão, portanto, não marca uma separação, mas uma realização: Jesus não está mais fisicamente presente, mas sua ação se expande no espaço e no tempo graças ao Espírito Santo. Nos discípulos encontramos não apenas a continuação da obra de Cristo, mas também o amadurecimento daquela comunhão entre Deus e a humanidade, que agora atinge uma nova profundidade.
O chamado de Paulo na estrada para Damasco (Atos 9,1-19) é frequentemente reinterpretado em suas cartas como uma experiência mística e transformadora. Embora o termo “arrebatamento” não seja usado diretamente para descrever esse evento, algumas releituras paulinas se aproximam dessa ideia, enfatizando a intervenção divina e seu caráter transcendente.
Em Filipenses 3,12, Paulo fala de ser “agarrado” por Cristo Jesus: o verbo grego usado aqui é “κατέλαβεν” (katalaben), que significa “agarrar com força”. Embora não seja o termo “harpázō” (sequestrar), ele transmite a ideia de uma ação divina que o toma e o transporta para uma nova dimensão da vida. Essa linguagem sugere que Paulo percebeu seu chamado como um evento poderoso e sobrenatural.
Em Gálatas 1,15-16, Paulo reflete sobre seu chamado como um momento de revelação direta do Filho de Deus, descrevendo-o como parte do plano eterno de Deus para ele. Embora não utilize o termo “sequestro”, ele enfatiza o caráter sobrenatural e pessoal dessa experiência, que o transformou profundamente e o levou a se dedicar à missão.
O chamado de Paulo no caminho para Damasco pode ser interpretado como um "arrebatamento" em um sentido amplo, não físico, mas espiritual, onde Paulo é arrancado de sua existência anterior e imerso na realidade de Cristo. A ação combinada da Trindade é imediata e irresistível, e Paulo experimenta uma transformação radical que o leva a uma nova vida e missão.
Estas experiências de Paulo, e também as dos Atos, estão na origem da “transfiguração”, da “consolação” e dos afetos da fé, especialmente da alegria e da ternura.
Na obra de Lucas, a prontidão e o envolvimento dos discípulos ‒ aquela ação ao mesmo tempo “rápida” e “veloz” ‒ são aspectos profundos e dinâmicos que evoluem com o progresso da narrativa entre o Evangelho e os Atos. Lucas representa uma passagem fundamental: da incerteza inicial dos discípulos em compreender Jesus, até sua transformação em testemunhas rápidas e fervorosas depois de Pentecostes.
No início, os discípulos muitas vezes parecem inseguros, chegando até mesmo a demorar-se a entender a missão e as palavras de Jesus. Contudo, mesmo nessas hesitações, há episódios que revelam um envolvimento emocional, quase arrebatador, como no caso de Lucas 24,13-35, onde os dois discípulos, embora inicialmente desorientados e confusos, são gradualmente atraídos para uma nova compreensão graças à presença do Ressuscitado. A rapidez aqui surge no reconhecimento final: seus corações “queimam” enquanto Jesus fala, e imediatamente, sem hesitação, eles correm para Jerusalém para compartilhar a notícia.
No Cenáculo (Lucas 24,36-49), a prontidão de Jesus em se mostrar aos discípulos transforma o medo e a dúvida deles em profunda compreensão. Enquanto ainda estão cheios de admiração, a promessa do Espírito começa a prepará-los para a ação.
Após a Ascensão e o Pentecostes, a prontidão e o envolvimento dos discípulos tornam-se centrais para a ação missionária. No Pentecostes (Atos 2,1-13), o Espírito Santo os leva, por assim dizer, a uma experiência transcendente que os transforma. A rapidez fica evidente na ação imediata: eles começam a falar em línguas e a proclamar o Evangelho sem medo.
A prontidão nas decisões e na missão intervém imediatamente com Pedro, que cura o paralítico no templo (Atos 3,6-7) ou Filipe que responde ao Espírito e se aproxima do eunuco etíope (Atos 8,29), os discípulos agem com rapidez guiados pelo Espírito.
A dinâmica “rápida e veloz” na ação dos discípulos nunca é uma pressa superficial, mas uma ação que nasce do ser “arrebatado” pela presença do Ressuscitado e pela guia do Espírito Santo. É o caso de Pedro que se abre à mudança com a orientação do Espírito Santo, como no caso da visão do lençol (Atos 10,9-16) e do encontro com Cornélio (Atos 10,34-48). Nesses momentos, Pedro demonstra uma transformação em seu pensamento, acolhendo os pagãos na comunidade cristã.
Os discípulos, transformados pelo relacionamento com Jesus, agora são capazes de responder prontamente às necessidades do momento e às inspirações divinas, anunciando o Evangelho, curando, consolando e exortando. A “paraklēsis”, de fato, representa um elemento intimamente ligado à velocidade de Jesus e dos apóstolos, mas de forma profundamente afetiva e espiritual. O termo, que muitas vezes traduzimos como consolo, encorajamento ou exortação, abrange um sentimento de prontidão para abordar os outros para apoiá-los, elevá-los e guiá-los em direção à esperança.
Nos Atos dos Apóstolos, o Espírito Santo é o verdadeiro “paraklētos”, o consolador, aquele que guia e apoia os crentes na sua missão. Esta profunda conexão entre velocidade e “paraklēsis” se manifesta na ação do Espírito, que atua prontamente em momentos de crise ou oportunidade, como no Pentecostes (Atos 2) ou na missão de Pedro aos gentios (Atos 10). “Paraklēsis”, portanto, não é apenas um elemento de velocidade: é a maneira como a prontidão se traduz em um gesto de proximidade emocional, capaz de gerar esperança e transformar relacionamentos. Esse dinamismo lucano nos mostra discípulos transformados em pessoas capazes de experimentar a velocidade da ação sem perder a profundidade da experiência espiritual.
Estas experiências de “arrebatamento e rapidez” em Paulo, e também aquelas dos Atos, estão na origem, no que diz respeito à ação conjunta da Trindade que leva à “transfiguração”, à “consolação” e aos afetos da fé, especialmente de alegria e ternura.
Mas são também o efeito na fé testemunhal dos Apóstolos, capazes de serem “rápidos” para acolher a voz do Espírito Santo, em comum consolação e conforto. Ambos, ainda que de formas diferentes, destacam o “arrebatamento e a rapidez” no encontro pessoal e transformador com Cristo, nas relações fraternais, destacando uma dimensão existencial e relacional em vez de institucional, organizativa e reformadora.
Estamos muito distantes de Paulo e Lucas, porém, não podemos deixar de notar quão urgente é para nossa era, ou mudança de era, salvaguardar a primazia dos afetos da fé e considerar reformas que não sejam possíveis sem eles.