23 Abril 2025
"Embora aqui estejam apenas especulações, pensamos que tudo o que foi dito pode ser muito bem aproveitado para pensarmos que Igreja queremos para os próximos anos. A partir dos nomes possíveis do novo Papa, podemos já entrever os grandes debates existentes dentro da Igreja e os desafios de sua relação com o mundo", escreve Marcus Alexandre Mendes de Andrade, professor de Filosofia, História e Sociologia da rede pública estadual de São Paulo (Programa Ensino Integral), formado em Filosofia (PUC Minas) e em Teologia (ISTA) e pós-graduado em Ensino de Filosofia (UFSCar) e em Ciência da Religião (Fac. Única).
Ainda tristes pela morte do inesquecível Papa Francisco, é impossível não pensar em como serão os próximos dias e, após o Conclave, quem será o até então cardeal que aparecerá vestido com a batina branca na varanda central da Basílica de São Pedro, sob os aplausos da multidão ali reunida e sob os olhos de todo o mundo, principalmente o mundo católico, após aquele tradicional Habemus Papam. Uma das questões que também surgem em todos os debates é qual será o nome escolhido pelo novo Papa. A partir disso, podemos tentar pensar qual Igreja desejamos para os próximos anos.
Seria o sonho de católicos mais progressistas, pois seria um Papa voltado para as questões sociais, sem deixar de ser um homem de Deus e um mensageiro da paz. Francisco II seria a continuidade – talvez até sem rupturas, talvez com pequenas modificações – do papado de Francisco, que então passaria a ser chamado de Francisco I. Seria um homem sem vaidades, despojado de títulos e da parafernália medieval que entendia o Papa como um grande rei. Este Papa continuaria as profundas reformas que Francisco I começou, incluindo mulheres na administração vaticana, apostando na total transparência financeira, na sinodalidade e na participação das conferências episcopais de todo o mundo nas decisões sobre a Igreja. Para tanto, continuaria apostando num grupo restrito de cardeais, representantes das várias regiões do mundo, para auxiliá-lo nas principais reformas, diminuindo, assim, o poder e a influência da Cúria Romana. No campo social e político, Francisco II manteria uma relação aberta e acolhedora do mundo, especialmente dos mais sofridos e excluídos, como os grupos minoritários, os desprezados pelo mundo, os casados em segunda união, os homossexuais, os migrantes. Estaria atento a todas as catástrofes do mundo, aos grandes conflitos e às dores dos povos que vivem em guerra. Não seria de estranhar se, permitindo sua saúde e idade, fosse ele mesmo para uma região de conflito com o intuito de dar um basta aos conflitos bélicos.
Seria um dos perfis desejado pelos tradicionalistas, principalmente europeus, que pensam que o novo Papa precisará dar mais atenção à Europa, tão balançada pelo secularismo. Um Papa europeu, que foque seu ministério na defesa do espaço da Igreja na sociedade e na cultura, pouco disposto aos novos diálogos que o mundo atual exige, mais fixado na “doutrina perene” do que na “caridade pastoral” e na atualização da mensagem do Evangelho. Bento XVII seria a continuidade de Bento XVI, que, intelectual de marca maior, preferia a solidão de sua biblioteca ao encontro pastoral com o povo de Deus. Teria até mesmo dificuldade para grandes aglomerações e evitaria certa exposição midiática. Trabalharia incansavelmente, pensando na glória de Deus e na grandeza da Igreja; lutaria para impor os princípios dogmáticos em todas as realidades e circunstâncias e não teria medo de se indispor com o mundo para sustentar sua visão de mundo e de cristianismo. Por isso, teria imensa dificuldade para o diálogo inter-religioso e para a participação nos grandes fóruns de discussão mundiais. A não ser que fosse convidado para dar a última palavra, em nome de Deus.
Pio XIII seria um Papa fechado para o mundo e focado única e exclusivamente para as questões internas da Igreja, vista sempre em contraposição ao mundo e aos avanços da modernidade. Seria o sonho de grupos extremistas católicos e de parte dos que se dizem tradicionalistas. Seria um papado na linha de Pio X, que enfrentou o mundo contra o modernismo; de Pio XI, sempre decidido a resolver tudo e a determinar a presença da Igreja em todos os cantos; de Pio XII, que, em meio à Segunda Guerra (mesmo que relatos afirmem que ele ajudou a salvar judeus), preferiu não sair do Vaticano, apostando unicamente em ações diplomáticas. Pio XIII romperia com qualquer avanço implementado por Francisco; e romperia de maneira abrupta, reabrindo o Palácio Apostólico e fixando-se novamente nas alturas das construções vaticanas, de cuja altura observaria o mundo e o criticaria.
Seria um Papa do mundo, de muitas viagens, carismático e com uma imagem alegre e agradável para as pessoas. No entanto, governaria a Igreja com mãos de ferro, seria centralizador e pouco afeito à discussão de grandes temas, pelo fato de carregar consigo todas as certezas. Falaria sobre tudo, escreveria sobre todos os assuntos, mas sempre a partir de sua própria visão. João Paulo III seria um homem em duas versões: externamente, seria bem popular, atlético, midiático, bom de oratória e cultuado pelas pessoas de todo o mundo; internamente, teria dificuldades com o pensamento divergente, centralizaria todas as suas decisões na Cúria Romana e acabaria anulando aos poucos a presença e a força das Conferências Episcopais. Por isso, seria sempre muito elogiado pelas mídias e aclamado pelo povo. Uma figura sem igual e de presença forte. Viajaria por todo o mundo, impondo sua visão de mundo e fortalecendo a presença pública da Igreja. Enfrentaria políticos e autoridades mundiais, apelando para sua função espiritual. Lutaria contra regimes ditatoriais e faria de tudo para que católicos tivessem liberdade religiosa em países “anticristãos”.
Seria um “Papa mundial”, voltado para as questões sociais, sem deixar de estar muito atento à doutrina e às questões internas da Igreja. Agradaria, possivelmente, o “centro eclesial”, por ser moderado, sem identificação com o progressismo ou o tradicionalismo. Prioritariamente, Paulo VII seria um viajante pelo mundo. Andaria pelas periferias do mundo, anunciando o Evangelho e fortalecendo a missão da Igreja. Poderia até descentralizar a Cúria Romana, instalando alguns dicastérios em países distantes de Roma. Seria presença marcante na Ásia, na África e na América Latina, valorizando as manifestações culturais de cada parte do mundo e apoiando as várias obras de caridade e de missão da Igreja Católica. Ao mesmo tempo, seria um defensor da doutrina católica, não receando enfrentar tendências modernistas que sempre pressionam os dogmas. Atuaria com esmero na formação do clero, para que fosse preparado e capaz de falar ao mundo sobre a doutrina; impulsionaria a atividade missionária e os movimentos católicos, para que o Evangelho pudesse ser levado a toda parte, influenciando decisões.
João XXIV seria a continuidade do papado do bom Papa João, eleito já idoso e talvez porque o candidato natural naquele momento ainda não era cardeal. No entanto, aquele que fora eleito para uma transição ou por falta de outras opções, acabou revolucionando a Igreja ao convocar o Concílio Vaticano II, que foi responsável pela modernização da Igreja e por sua abertura, tornando-a capaz de chegar vigorosa ao ano 2000. Um novo Papa que assuma a tradição de João XXIII seria alguém sem medo da “revolução”, capaz de convocar um novo concílio e de enfrentar o futuro que bate às portas da Igreja. Seria o Papa da mudança, mas não uma mudança feita por ele mesmo ou imposta por um pequeno grupo. João XXIV seria o Papa da mudança coletiva, amadurecida por um concílio e fruto de um consenso internacional que leve em conta todas as Conferências Episcopais. Este Papa, sobretudo, manifestaria amor às pessoas e escutaria cada um de seus sofrimentos, tentando torná-los presentes em suas decisões e aproveitando-os para pensar a própria missão da Igreja no mundo. Por estar focado na reforma da Igreja e na convocação de um novo concílio, João XXIV talvez pouco viajaria, a fim de não perder o foco principal de seu ministério. Falaria sobre as questões do mundo, acolheria a todos no Vaticano, mas estaria focado realmente na renovação da Igreja como um todo. Inclusive, não teria medo de mexer em pontos nevrálgicos da doutrina, caso houvesse um consenso sobre tal mudança. Ele incentivaria a sinodalidade e, a partir das Conferências Episcopais, iniciaria o grande concílio ecumênico para renovar a Igreja e tornar a mensagem de Jesus mais clara ao mundo e mais acolhedora para todas as pessoas. Embora aqui estejam apenas especulações, pensamos que tudo o que foi dito pode ser muito bem aproveitado para pensarmos que Igreja queremos para os próximos anos. A partir dos nomes possíveis do novo Papa, podemos já entrever os grandes debates existentes dentro da Igreja e os desafios de sua relação com o mundo. Quem desejar, poderá até usar este esquema para colocar nele o nome dos papabili. Esta tarefa, no entanto, é muito arriscada, especialmente se tivermos um candidato ideal, afinal, “quem entra Papa na Capela Sistina sai cardeal” e é bom não “queimarmos” nosso candidato expondo-o tão antecipadamente...