15 Abril 2025
Juliane Furno, crise causada pela extrema direita vem acelerando a criação de um novo mundo.
A reportagem é de Rodrigo Durão Coelho, publicada por Brasil de Fato, 12-04-2025.
Durante quatro dias São Paulo reuniu a nata dos pensadores do campo progressista para debaterem propostas práticas para a superação da crise causada pelo liberalismo e o imperialismo. Com foco na economia subordinada à melhoria da vida do povo, a essência da conferência Dilemas da Humanidade foi definida por João Pedro Stedile.
“A economia é importante demais para ser discutida apenas por economistas”, disse o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, ele próprio um economista de formação, além de marxista e católico.
O encontro ocorreu majoritariamente no Sesc Pompeia – uma “conquista da classe trabalhadora”, explicou Stedile – onde mais de 70 pensadores, lideranças políticas e populares contribuíram para a formulação de ideias para a esquerda enfrentar os desafios atuais. O fato desta quarta edição do Dilemas da Humanidade ocorrer com o tarifaço anunciado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, como pano de fundo aumentou o senso de urgência do evento.
“Mesmo sem termos combinado, esse encontro ocorreu em uma semana importante, em que o imperialismo usou seus tradicionais instrumentos de controle contra o sul global, contra o mundo todo”, disse a economista Juliane Furno no fechamento do evento.
“Estamos no calor do momento, e a extrema direita acelera o mundo novo, força elaborações que nos sirvam de munição para a nova realidade.”
Ideias, ideias, ideias…
A abertura na segunda-feira (7) ocorreu na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Claudia de la Cruz, candidata à presidência dos Estados Unidos em 2024 e cofundadora do The People’s Forum, organização voltada para a classe trabalhadora e comunidades marginalizadas, e o escritor e historiador indiano Vijay Prashad apresentaram diagnósticos para provar que o liberalismo que dominou o sistema global nas últimas décadas é incapaz de oferecer um futuro livre das crises que ele mesmo criou.
Na terça-feira (8) Jeffrey Sachs, prêmio Nobel de economia por seu trabalho em busca da eliminação da pobreza, disse que Brasil e América Latina devem buscar “crescimento baseado em ciência, tecnologia e habilidades humanas”. Por vídeo, o estadunidense enfatizou a necessidade de superar o modelo econômico baseado em exportação de commodities. Ainda neste dia, o economista marroquino Najib Akesbi defendeu uma quebra gradual, mas radical, com as regras do sistema financeiro internacional. “Soluções reformistas do passado são insuficientes para uma economia que favoreça o Sul Global“, disse ele.
Na quarta-feira (9), o debate focou em como o Sul Global pode escapar do papel de mero fornecedor de matérias-primas para os países desenvolvidos. Mais: como pensar a política industrial como meio de conseguir avançar em melhorias sociais, disse o economista indiano Surajit Mazumdar.
Antes, a ministra de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, reconheceu que o boom das commodities no começo dos anos 2000 gerou um aumento da produção, mas também “dificuldade nossa de sair deste ciclo”. “À época nós tínhamos basicamente estatais e multinacionais. O que se segue [no governo Temer] é que as estatais são ‘vendidas’ e este processo segue até hoje. No Brasil empresas são compradas para fechar, e não para industrializar”, avalia. A ministra, no entanto, ressalta que “a pandemia teve um papel nos riscos de uma baixa autonomia produtiva”.
O Dilemas da Humanidade foi também tema de O Estrangeiro, podcast de política internacional do Brasil de Fato neste dia. À tarde, o presidente do IBGE, Marcio Pochmann falou sobre como proteger riquezas dos países em desenvolvimento e ressaltou ser fundamental “ter esperança e evitar o futuro que nos é desenhado pelo Norte Global”.
A quinta-feira viu o economista russo Yaroslav Lisovolik explicar por que o Sul Global deve apostar em regionalismo contra as crises produzidas pelos países desenvolvidos. “Blocos como Mercosul têm mais capacidade e interesse em ajudar seus membros do que instituições como FMI“, disse ele.
Ao final do encontro, Stedile disse que encontrar formas para deixar de ser refém da moeda estadunidense é chave para a emancipação do Sul.
“O dólar é usado como mecanismo de proteção pelo imperialismo para continuar explorando os trabalhadores. Temos que travar uma luta dura porque ele é mais perigoso que a bomba atômica”, disse Stedile, que defendeu também “a natureza e a soberania alimentar. Sem agroecologia, não haverá combate às mudanças climáticas.”
“Nosso objetivo central é superar a desigualdade social, e as Big Tech não vão resolver isso; vão aprofundá-la.”
Juliane Furno alertou para o fato de que uma das contradições dos dias atuais é que a extrema direita “está derrotando o livre comércio, a Organização Mundial do Comércio (OMC), o mundo pós-segunda guerra” que era combatido tradicionalmente pela esquerda.
“Um novo mundo é possível, mas no momento há a destruição. É possível que o tarifaço isole os EUA, acelere o tempo histórico e una o Sul Global.”
“Devemos aproveitar a oportunidade para fortalecer a integração com alternativas mais radicalizadas, para tirar países da periferia”, completou.