11 Abril 2025
Economista analisou ato independente da categoria e explicou desafios para o sindicalismo no Brasil
A reportagem é de Adele Robichez, Nara Lacerda e Igor Carvalho, publicada por Brasil de Fato, 04-04-2025.
O recente ato nacional organizado por entregadores de aplicativo contra a precarização do trabalho chamou atenção não apenas pela pauta, mas pela forma como foi organizado. Independente e autogerida, a mobilização reuniu trabalhadores em diversas cidades do país e aconteceu sem o envolvimento de entidades sindicais. Para a economista e professora da Uerj Juliane Furno, o movimento aponta tanto para a força da classe trabalhadora quanto para o desgaste da estrutura sindical tradicional.
“Eu vejo a greve com bastante entusiasmo, porque os entregadores estão desafiando uma ideia muito recorrente de que as formas sindicais de luta não teriam mais capacidade de construção frente às novas características da classe trabalhadora”, disse Furno, em entrevista ao podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato. “Eles mostram que existe, sim, disposição de organização e de luta – mesmo sem patrão visível, mesmo com dispersão, com individualismo.”
Para a professora, a ausência dos sindicatos nas manifestações não significa ausência de luta de classe. Pelo contrário: revela que há um sujeito coletivo se formando por fora das estruturas oficiais. “Esse é o setor dinâmico da sociedade hoje. São jovens, em sua maioria pretos, empobrecidos, submetidos a jornadas extensas. Eles têm condições de empurrar a luta política no país.”
Furno contextualiza o momento como resultado de um longo processo. “O sindicalismo foi construído num momento em que fazia sentido uma estrutura corporativa, verticalizada, vinculada ao Ministério do Trabalho – a chamada estrutura varguista. Isso correspondia a uma época de exceção do capitalismo, entre 1930 e 1980. Mas o capitalismo atual voltou a ser como era, está mostrando a sua verdadeira face: sem direitos, sem vínculos formais, com criminalização da organização.”
Nesse cenário, os sindicatos perdem capacidade de representação se não se transformarem. “O problema não é a luta sindical, mas a estrutura que a engessa. O que os entregadores estão mostrando é que é possível fazer luta sindical à revelia dessa estrutura, que impede a pluralidade de organizações”, disse.
Segundo a professora, o desafio das entidades é “fazer sentido novamente”: “É preciso mudar a forma organizativa, a pauta política, o discurso, a comunicação com a sociedade. O porta-voz dos trabalhadores deve ser aquele que tem legitimidade real. Se é o comando de greve, que seja o comando. A carta sindical não pode ser mais a única referência.”
Além da estrutura sindical, Juliane Furno aponta a necessidade de repensar a forma como os direitos trabalhistas são garantidos no Brasil. “Temos ainda tem uma herança de que os direitos sociais, previdenciários e trabalhistas estão vinculados à carteira de trabalho. Mas talvez ela não vá voltar a ser o padrão de contratação.”
A solução, para ela, está na universalização: “Assim como a saúde virou um direito universal com a Constituição de 88, talvez devêssemos pensar a previdência, a seguridade e a habitação popular da mesma forma. Por que os direitos precisam estar atrelados a vínculos individuais e não podem ser financiados, por exemplo, por uma taxação sobre o lucro das empresas?”, questionou.
Se o chão de fábrica não é mais o espaço de encontro, os entregadores criam suas próprias ferramentas de mobilização. “Eles se organizam em grupos de WhatsApp. Isso mostra que a tecnologia pode, sim, ser usada a nosso favor. O uso e a subversão que a gente pode fazer com relação a elas também é importante na usabilidade, na criatividade.”
Independentemente de qual sejam as novas transformações, para Juliane Furno, o recado está dado: “Se o capitalismo achou que ia inventar novas formas de exploração e não teria novas formas de resposta, se enganou redondamente, porque a organização de trabalhadores e trabalhadoras não vai morrer: ela existe e está nas ruas”.