09 Mai 2023
“Os países pobres também pagam taxas de juros muito altas. Enquanto o governo dos Estados Unidos paga menos de 4% em empréstimos de 30 anos, o governo de um país pobre geralmente paga mais de 10% em empréstimos de cinco anos”. A reflexão é de Jeffrey Sachs, em artigo publicado por La Jornada, 07-05-2023. A tradução é do Cepat.
Jeffrey Sachs é professor e diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Columbia e presidente da Rede das Nações Unidas para Soluções de Desenvolvimento Sustentável.
A chave para o desenvolvimento e a erradicação da pobreza é o investimento. As nações prosperam investindo em quatro prioridades. A mais importante é investir nas pessoas, através da educação de qualidade e da saúde. Em seguida vem a infraestrutura: eletricidade, água potável, redes digitais e transporte público. A terceira é o capital natural: proteger a natureza. A quarta é o investimento empresarial. A chave é o financiamento: mobilizar recursos para investir na escala e na velocidade necessárias.
Em princípio, o mundo deveria funcionar como um sistema interconectado. Os países ricos, com altos níveis de educação, saúde, infraestrutura e capital empresarial, deveriam proporcionar financiamento suficiente aos países pobres, que precisam urgentemente construir seu capital humano, infraestrutural, natural e empresarial. O dinheiro deve fluir para os países pobres. À medida que os países com mercados emergentes ficam mais ricos, os lucros e os juros devem fluir de volta para os países ricos como retorno de seus investimentos.
Essa é uma proposta ganha-ganha. Tanto os países pobres como os ricos se beneficiam. Os países pobres enriquecem; os países ricos obtêm retornos maiores do que se investissem apenas em suas economias.
Estranhamente, o financiamento internacional não funciona assim. Os países ricos investem principalmente em economias ricas. Os países pobres obtêm apenas uma fração dos recursos de que necessitam, não o suficiente para sair da pobreza. A metade mais pobre do mundo (os países de renda baixa e média-baixa) produz cerca de US$ 10 trilhões por ano, ao passo que a metade mais rica (os países de renda alta e média-alta) produz cerca de 90 trilhões. O financiamento da metade mais rica para a metade mais pobre deveria ser de aproximadamente 2 ou 3 trilhões por ano. Na realidade, é uma pequena fração desse valor.
O problema é que investir em países pobres parece muito arriscado. Isso é verdade se olharmos para o curto prazo. Suponhamos que o governo de um país de baixa renda queira tomar empréstimos para financiar a educação pública. O retorno econômico da educação é muito alto, mas leva de 20 a 30 anos para ser concluído, já que as crianças de hoje passam de 12 a 16 anos em formação e só então entram no mercado de trabalho. No entanto, os empréstimos são de apenas cinco anos e são denominados em dólares, e não na moeda nacional.
Suponhamos que o país contraia hoje um empréstimo de 2 bilhões de dólares num prazo de cinco anos. Tudo bem se depois de cinco anos o governo puder refinanciar os 2 bilhões com outro empréstimo de cinco anos. Com cinco empréstimos de refinanciamento, o pagamento da dívida é adiado em 30 anos, quando a economia já cresceu o suficiente para saldar a dívida sem precisar recorrer a outro empréstimo.
No entanto, em algum momento, é provável que o país tenha dificuldade em refinanciar a dívida. Talvez uma pandemia, ou uma crise bancária em Wall Street, ou a incerteza eleitoral afugentem os investidores. E quando o país tentar refinanciar os 2 bilhões, encontrará as portas do mercado financeiro fechadas. Sem dólares suficientes em mãos e sem novos créditos, dará o calote e acabará na emergência do FMI.
Como na maioria das emergências, o que se segue não é bonito de se ver. O governo corta os gastos públicos, incorre em agitação social e enfrenta prolongadas negociações com credores estrangeiros. Em suma, o país caminha para uma profunda crise financeira, econômica e social.
Sabendo disso com antecedência, as agências de classificação de crédito como Moody's e S&P Global atribuem aos países uma classificação baixa, inferior ao grau de investimento. Consequentemente, os países pobres não podem contrair empréstimos a longo prazo. Os governos precisam investir no longo prazo, mas os empréstimos de curto prazo levam os governos a pensar e a investir no curto prazo.
Os países pobres também pagam taxas de juros muito altas. Enquanto o governo dos Estados Unidos paga menos de 4% em empréstimos de 30 anos, o governo de um país pobre geralmente paga mais de 10% em empréstimos de cinco anos.
O FMI, por sua vez, recomenda que os governos dos países pobres cuidem para não se endividarem muito. Na realidade, o que ele diz ao governo é: melhor não investir em educação (ou eletricidade, ou água potável, nem estradas pavimentadas) para evitar uma futura crise da dívida. É um conselho trágico! O resultado é uma armadilha da pobreza, em vez de uma fuga da pobreza.
A situação tornou-se intolerável. A metade mais rica do mundo diz à metade mais pobre: descarbonize seu sistema de energia, garanta acesso universal à saúde, à educação e aos serviços digitais, proteja suas florestas tropicais, garanta água potável e saneamento e muito mais. E, no entanto, tem que fazer tudo isso com um mínimo de empréstimos de cinco anos com juros de 10%!
O problema não está nos objetivos globais. Essas metas são alcançáveis, mas apenas se os fluxos de investimento forem altos o suficiente. O problema é a falta de solidariedade global. As nações mais pobres precisam de empréstimos de 30 anos a 4% de juros, não de 5 anos com juros de mais de 10%, e precisam de muito mais financiamento.
Em termos mais simples, os países pobres estão exigindo o fim do apartheid financeiro global.
Existem duas maneiras principais de conseguir isso. A primeira é expandir cerca de cinco vezes os financiamentos do Banco Mundial e dos bancos de desenvolvimento regional (como o Banco Africano de Desenvolvimento). Esses bancos podem tomar empréstimos de 30 anos a uma taxa de mais ou menos 4% e transferi-los para países pobres nessas condições favoráveis. No entanto, essas operações são muito pequenas. Para que os bancos aumentem as operações, os países do G-20 (incluindo Estados Unidos, China e União Europeia) precisam colocar muito mais capital nesses bancos multilaterais.
A segunda maneira é organizar o sistema de taxas de crédito, a assessoria de dívida do FMI e os sistemas de gestão financeira dos países devedores. É preciso reorientar o sistema para um desenvolvimento sustentável a longo prazo. Se os países pobres puderem tomar empréstimos no prazo de 30 anos, em vez de cinco, não enfrentarão crises financeiras nesse intervalo de tempo. Com uma estratégia adequada de crédito de longo prazo, respaldada por classificações de crédito mais precisas e melhores recomendações do FMI, os países pobres terão acesso a fluxos financeiros mais elevados em condições muito mais favoráveis.
Os países mais ricos terão cinco reuniões sobre finanças globais neste ano: em Paris, em junho; em setembro, na ONU e em Delhi, e, em novembro, em Dubai. Se esses países trabalharem juntos, eles podem resolver esse problema. Esse é o seu verdadeiro trabalho, em vez de se envolverem em guerras intermináveis, destrutivas e desastrosas.
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Com dinheiro o mundo gira. Artigo de Jeffrey Sachs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU