08 Abril 2025
"Aquele “ator desarmado” que é o Papa pode incomodar os poderosos da Terra. O tempo das interferências ainda não acabou", escreve Gian Guido Vecchi, jornalista italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 04-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Humano, às vezes demasiado humano. Para começar, esqueçam o Espírito Santo. Não porque não possa entrar, considerando tudo: pelo menos para aqueles que creem, afinal, é ele quem comanda. Mas a questão, quando se trata de conclave, tende a ser mais complicada. Um teólogo altamente refinado como Joseph Ratzinger, sem suspeitar que oito anos depois seria a sua vez, respondeu com notável realismo à emissora de TV da Baviera que lhe perguntava, em 1997, se o Paráclito era responsável pela eleição do Papa na Capela Sistina: “Eu não diria isso, no sentido de que é o Espírito Santo que o escolhe. Eu diria que o Espírito Santo não assume exatamente o controle da questão, mas, sendo o bom educador que é, ele nos deixa muito espaço, muita liberdade, sem nos abandonar totalmente. Portanto, o papel do Espírito deve ser entendido em um sentido muito mais elástico, não que ele dite o candidato em que se deve votar. Provavelmente a única segurança que ele oferece é que a situação não pode desandar totalmente. Há muitos exemplos de Papas que o Espírito Santo evidentemente não teria escolhido”. Além disso, Alberto Melloni ressalta em seu livro Il conclave e l'elezione del papa (que será lançado amanhã pela Marietti 1820), a escolha do pontífice feita pelos cardeais “cum-clave”, ou seja, chaveados, não é muito antiga, pelo menos de acordo com os critérios da Igreja: pouco menos de oito séculos em dois mil anos.
Ao Espírito Santo, no máximo, se podia atribuir um papel mais direto no início: o modelo arquetípico da eleição de um bispo remonta ao primeiro capítulo dos Atos dos Apóstolos, quando Lucas relata que, entre dois candidatos propostos, o substituto de Judas nos Doze foi escolhido por sorteio: e assim Matias prevaleceu sobre José Justo, dito Barsabás. A tradição reza que Lino, o primeiro sucessor do Pescador da Galileia, foi designado e consagrado “conjuntamente” pelo próprio Pedro e por Paulo, por volta do ano 57. Isso é, pelo menos, o que relata bem mais tarde, no final do século II, Irineu de Lyon, autor da primeira lista de bispos de Roma desde as origens: Lino, Anacleto, Clemente, Evaristo e assim por diante, nomes de personagens sobre as quais pouco ou nada se sabe hoje.
Quanto ao sistema de escolha, as fontes antigas também são, consequentemente, parcas em informações. Em Roma, a comunidade cristã era liderada por um Colégio de presbíteros, em grego “anciãos”, uma organização comunitária modelada na sinagoga judaica, como explicava Manlio Simonetti, que competia com um modelo de tradição paulina baseado na autoridade de bispos e diáconos. O primeiro bispo de Roma com uma autoridade efetivamente monárquica, no entanto, é considerado pelos estudiosos Vítor, africano de língua latina, no final do século II. O sistema de nomeação é acompanhado por um papel cada vez maior do povo e do clero. No concílio romano presidido por Símaco no ano de 499, o decreto Si quis estabelece que se o papa morrer repentinamente, sem ter decidido o sucessor, será “o parecer da maioria” que decidirá: o novo bispo será escolhido por maioria.
Mas tudo isso ainda é a pré-história do conclave, uma sucessão convulsiva de tentativas de reforma, interferências imperiais e exclusão progressiva dos leigos. O ano de 1059 marca um divisor de águas: em 12 de abril, antes de o concílio convocado no Latrão, Nicolau II estabelece na bula In nomine Domini que, para evitar a repetição de contestações e contraposições - em 1046, três homens chegaram a contender o título papal -, o bispo de Roma será eleito apenas pelos bispos cardeais, com o consentimento dos outros cardeais presbíteros e diáconos. O clero e o povo são excluídos: a eles “caberá a tarefa de aderir por consenso à decisão dos cardeais bispos”. Em 11 de março de 1179, a constituição Licet de vitanda discordia de Alexandre III, durante o Terceiro Concílio de Latrão, estabelece a maioria de dois terços para a eleição, que ainda vale hoje.
Chega-se assim, finalmente, ao primeiro conclave propriamente dito. Que não é aquele iniciado em 16 de novembro de 1268 em Viterbo, que durou dois anos e nove meses e ficou famoso porque, vendo que os 17 cardeais eleitores estavam tergiversando, foram emparedados no palácio, deixando apenas uma abertura no telhado para a descida de água e provisões. Melloni ressalta que, já em 1241, depois que Frederico II mandou sequestrar dois cardeais para impedir sua eleição, o senador romano Matteo Rosso Orsini retaliou aprisionando os pobres eleitores por dois meses nas ruínas da prisão do Septizônio: antes de morrerem de fome, oito cardeais elegeram um papa, Celestino IV, que sobreviveu dezesseis dias ao final do encarceramento.
Nem sempre tudo foi tão dramático. O livro de Melloni acompanha a história dos conclaves, até aprofundar em detalhes as oito eleições do século XX e as duas do século XXI, até o “conclave sem funeral” que levou ao pontificado de Francisco em 2013, após a renúncia de Bento XVI. Uma história esclarecedora, porque mostra como o objetivo do conclave nunca foi “eleger o melhor possível dos bispos” nem mesmo “desencavar o escolhido pelo Espírito”, escreve o autor. O objetivo essencial sempre foi mais modesto, mas bastante mais sólido: “produzir por todos os meios uma eleição incontestada e incontestável do bispo de Roma”. O livro se propõe a mostrar “como se constrói um Papa”, um sistema historicamente determinado que tem funcionado razoavelmente, com sucessivas correções, pelo menos até agora: “A eleição do bispo de Roma também merece ser estudada pelo que será - tendo claro o que foi”.
Aquele “ator desarmado” que é o Papa pode incomodar os poderosos da Terra. O tempo das interferências ainda não acabou.
Na era das mídias sociais e dos impérios econômicos e tecnológicos que as possuem, o risco de manipulação do próximo conclave é alto: como um novo poder de veto exercido por meio das calúnias. Um “poder hostil” poderia prejudicar os candidatos indesejáveis ou, pior ainda, o Papa recém-eleito. O objetivo permanece sempre o mesmo: produzir uma eleição incontestável, evitando cismas. É por isso que a história de Melloni sobre o conclave termina com uma série de propostas de reforma: por exemplo, antecipar a clausura e, portanto, o isolamento inclusive midiático dos eleitores, das discussões entre cardeais que precedem a votação na Capela Sistina; e prever um conclave mais lento, com uma ou duas votações por dia, em vez de quatro, removido da pressão da mídia que impõe uma votação rápida porque, caso contrário, isso significa que a Igreja está dividida. Bela descoberta: “É claro que está dividida: é por isso deve escolher bem quem pode garantir a sua unidade...”.