28 Fevereiro 2025
"A submissão europeia ao complexo militar-industrial israelense-estadunidense é total", assevera Alberto Negri, filósofo italiano, em artigo publicado por Il Manifesto, 26-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os europeus nem sequer sabem mais para onde estão indo, ou talvez finjam não saber: estão um pouco sonâmbulos e um pouco submissos ao seu destino. Estamos na agonia da política externa europeia comum, que, a propósito, nunca existiu, embalando no setor da defesa a ideia de um Banco para o Rearmamento destinado a devorar outros recursos. Eles sempre seguiram a agenda estadunidense-israelense, do Leste da Europa ao Oriente Médio, e agora estão pagando as consequências.
Sua desonestidade é tamanha que eles acham que a guerra na Ucrânia começou em 24-02-2022 e não quando, em janeiro de 2014, a subsecretária de Estado dos EUA, Victoria Nuland, em uma conversa com seu embaixador em Kiev, pronunciou a agora famosa frase “Fuck the EU”, literalmente “Foda-se a União Europeia”.
Um acordo entre o governo ucraniano do pró-russo Viktor Janukovich e a oposição ainda estava sendo discutido. Na época, não havia Trump na Casa Branca, mas Barack Obama e seu vice era Joe Biden, que correu para a Praça Maidan para comemorar o primeiro aniversário dos protestos, enquanto seu filho Hunter ganhava milhões de dólares no setor de energia da Ucrânia. E agora, fingiríamos nos surpreender se Trump arrastasse Zelensky para assinar o acordo multibilionário sobre as terras raras, enquanto Putin, que agora se tornou um “ditador voluntarioso” em Washington, se oferece para levar a ele as terras em posse dos russos? Cada um cuida de si e deu próprio bolso e Macron, em sua visita a Trump, afirma que a Europa pagou 60% das ajudas à Ucrânia, mais do que os Estados Unidos.
Mas o presidente americano tapa os ouvidos: essa guerra, apesar dos copiosos negócios para a indústria bélica estadunidense, é um “mau negócio” e deve ser encerrada. É preciso pensar na China.
Somente os jornais convencionais insistem em contar a historinha da “paz justa”, desorientados pelos acontecimentos. Mas que paz justa? Gaza e a Palestina são a prova de que ninguém na Europa acredita nisso.
A submissão europeia ao complexo militar-industrial israelense-estadunidense é total. Poucos dias após o massacre do Hamas em 7 de outubro, Biden transferia porta-aviões para o Mediterrâneo Oriental e destinava bilhões de dólares em ajuda militar a Israel: os Estados Unidos imediatamente se posicionaram não a favor da paz, mas de uma escalada do conflito. E nós, europeus, os acompanhamos, mascarando a nossa ajuda a Israel por trás da fórmula, agora desgastada, de “dois povos e dois Estados”. O complexo militar-industrial israelense-estadunidense ficou do lado de Putin e das ditaduras na ONU porque os EUA em breve reconhecerão a anexação israelense da Cisjordânia.
Com razão, pedimos a Putin que se retire dos territórios ocupados na Ucrânia, mas Israel ocupa o Líbano, expandiu sua presença no Golã sírio e está devorando a Cisjordânia. Justificamos tudo isso com a necessidade de Israel de preservar sua “segurança”, os mesmos argumentos que Putin usa quando pede à OTAN que se mantenha longe da Ucrânia. Não é coincidência que os EUA e Israel tenham votado contra a resolução da ONU que defendia a integridade territorial da Ucrânia, juntamente com a Rússia, Bielorrússia, Mali, Nicarágua, Coreia do Norte e Hungria (o Irã e a China se abstiveram, presume-se que por vergonha).
Em seguida, o Conselho de Segurança aprovou uma brevíssima resolução dos EUA pedindo um “fim rápido da guerra”, mas sem citar a Rússia como agressora e sem fazer referências à soberania territorial de Kiev. A França e a Grã-Bretanha, que poderiam ter vetado a resolução, preferiram se abster, abrindo caminho para a versão de Trump que tanto agrada a Israel. Observe-se o duplo padrão da Itália. Estamos com a União Europeia, mas Meloni, sob o pretexto do Fórum com os Emirados, desvencilhou-se da cerimônia de Kiev pelo terceiro aniversário da guerra: recebemos US$ 40 bilhões em gratificação dos xeiques membros do Pacto de Abraão com Israel e a primeira-ministra empilha descomedidos elogios de Trump. O que mais querem?
É o manual dos escoteiros-mirins dos sobrinhos do pato Donald de Trump. A UE está pagando por anos de submissão aos EUA e a Israel: Trump é o elo perdido de décadas nas quais justificamos, participamos ou endossamos guerras de ocupação e agressão, do Iraque à Líbia, do Afeganistão à Palestina, provocando a desagregação de países e povos inteiros, centenas de milhares de mortes e milhões de refugiados. Basta pensar no Iraque em 2003, onde entre os soldados estava também um grande contingente de ucranianos. Foi um conflito para “exportar a democracia” que mergulhou a região na anarquia e no mais feroz terrorismo fundamentalista.
Em um momento em que nos sentimos indignados pelas mentiras e deturpações da realidade por parte de Trump, devemos lembrar que a guerra de 2003 foi a maior fake news da história recente, quando os EUA justificaram o ataque com uma campanha de imprensa e propaganda mundial que bradava a posse por Saddam Hussein de armas de destruição em massa que nunca foram encontradas.
Um tubo de ensaio fajuto com armas químicas chegou a ser exibido na ONU pelo secretário de Estado Colin Powell. Uma trágica comédia. Nenhum dos responsáveis jamais pagou — nem Bush nem Blair — e nós participamos daquela guerra e das outras sem dizer uma palavra. Agora temos que aceitar as mentiras de Trump e os insultos de seu vice, Vance, em Munique: eles sabem com quem estão lidando. Os submissos europeus.