"Seus retumbantes fracassos se tornaram o emblema das tragédias do Oriente Médio. Saber como essas ideias nasceram e como se desenvolveram nos mostra como poderia terminar amanhã".
O artigo é de Alberto Negri, filósofo italiano, publicado por Il Manifesto, 03-10-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
De vez em quando, no curso da história, aparece alguém que quer mudar o Oriente Médio e que afirma querer “libertar” os povos da região. Agora, enquanto aguardamos a resposta de Israel à chuva de foguetes de Teerã, sobe à cátedra Benyamin Netanyahu, cujo governo batizou o assassinato do líder do Hezbollah, Nasrallah, e o ataque militar ao Líbano de “Operação Nova Ordem”. O primeiro-ministro israelense, de fato, com surpreendente descaramento, foi ainda mais longe.
Dirigindo-se à população do Irã (definida de “povo persa”), ele afirmou: “Quando o Irã for finalmente livre, e esse momento chegará muito mais cedo do que as pessoas pensam, tudo será diferente. Nossos dois povos antigos, o povo hebraico e o povo persa, finalmente estarão em paz”. Mesmo que os dois países estejam agora perigosamente próximos de um confronto direto que corre o risco de arrastar toda a área em uma guerra com o envolvimento também das grandes potências. É bastante singular que Netanyahu, cujo horizonte mental e ideológico é a violência e a guerra, prometa libertar os iranianos, já que em casa decidiu manter os palestinos em um regime de apartheid e nem mesmo considera o problema de um Estado palestino. Mas nos últimos anos, sem voltar às partições anglo-francesas, houve outros que se propuseram como “libertadores”.
Seus retumbantes fracassos se tornaram o emblema das tragédias do Oriente Médio. Saber como essas ideias nasceram e como se desenvolveram nos mostra como poderia terminar amanhã. Nas últimas décadas, quem pensou em refazer o Oriente Médio foi Bernard Lewis, um dos maiores especialistas mundiais e professor emérito da Universidade de Princeton. Em 1978, Lewis elaborou um documento recomendando o apoio aos movimentos islâmicos radicais da Irmandade Muçulmana e de Khomeini, com o objetivo de promover a balcanização do Oriente Médio segundo linhas tribais e religiosas. Lewis argumentava que o Ocidente deveria incentivar grupos de independência como os curdos, os armênios, os maronitas libaneses, os coptas etíopes e os turcos do Azerbaijão. A desordem resultaria no que o professor definiu como “arco da crise” para depois se espalhar também às repúblicas muçulmanas da União Soviética. A expressão “arco da crise” teve um enorme sucesso. O Irã, infelizmente para o governo Carter, acabou sendo mais um problema para os EUA do que para Moscou, mas a invasão do Afeganistão pelo Exército Vermelho em 1979 deu um impulso extraordinário à teoria de Lewis: os EUA, com o apoio militar do Paquistão e o apoio financeiro da Arábia Saudita, armaram milhares de Mujahideen que imobilizaram os russos em uma “guerra santa” até sua retirada em 1989.
Quando os estadunidenses invadiram o Afeganistão após o 11 de setembro, pensaram que se sairiam melhor do que os soviéticos, mas tudo terminou como sabemos: com o país sendo devolvido aos talibãs e uma fuga vergonhosa de Cabul.
Mas a “obra-prima” de Lewis e do cortejo dos “libertadores” é o Iraque. Em 2002, convenceu o presidente Bush Filho e seu vice, Cheney, a atacar Saddam Hussein e escreveu: “Se formos bem-sucedidos em derrubar os regimes iraquiano e iraniano, veremos cenas de júbilo em Bagdá e Teerã ainda maiores do que as que se seguiram à libertação de Cabul”. Mas nem em Bagdá nem em Cabul houve as manifestações de alegria imaginadas pelo professor.
O Iraque, ocupado em 2003 com a mentira de desencavar armas de destruição em massa que nunca foram encontradas, foi engolido por novas guerras, pelo terrorismo da Al Qaeda e depois despedaçado pelo Califado: centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados, exatamente como aconteceu na Síria. Pena que tenhamos esquecido que não foram os EUA, mas o Pasdaran iraniano e o Hezbollah, liderados pelo general Soleimani, mais tarde morto pelos estadunidenses em janeiro de 2021, que detiveram o Isis a 40 quilômetros de Bagdá, quando o exército iraquiano já tinha praticamente debandado.
Após os atentados de 11 de setembro, o Pentágono tinha delineado planos para atacar, depois do Afeganistão, sete países do Oriente Médio em cinco anos: Sudão, Somália, Líbia, Líbano, Síria, Iraque e Irã.
Sabemos como acabou: um desastre com o qual ainda estamos lidando.
Sem mencionar as “Primaveras Árabes” de 2011, cuja onda foi aproveitada pelo governo Obama: deveriam trazer a democracia e acabaram em regimes autocráticos.
Os teóricos da “nova ordem” do Oriente Médio, aparentemente sofisticados e de análises eruditas, são, no mínimo, desanimadores quando confrontados com os fatos: o problema é que discutem nas mídias sobre temas que não conhecem e sobre lugares que nunca viram, moldando a opinião pública ocidental com suas intervenções. Mais que às teorias de “conspiração”, que também são geralmente elaboradas “depois” dos eventos, é preciso prestar atenção justamente à desinformação cotidiana.
Hoje voltamos a falar de nova ordem no Líbano, onde Israel já havia fracassado em 2006. Já na época, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, saudou a guerra como o início do nascimento de “um novo Oriente Médio”. Na realidade, a cada vez, herdamos dos “libertadores” um caos pior do que os anteriores. Mas é isso que se quer: a desestabilização perpétua, não a paz.