14 Janeiro 2025
“Somos impotentes em deter o extermínio, que logo aprenderemos a considerar como a pura normalidade. Esta impotência marca as nossas vidas como um estigma de infâmia”, escreve Franco Berardi, filósofo, escritor e ativista italiano, em artigo publicado por Diario Red, 11-01-2025. A tradução é do Cepat.
“O futuro Reich que nossos filhos e netos verão terá um caráter muito mais definitivo e total do que o que vivemos nos anos 1930 e 1940. O poder destrutivo que a tecnologia coloca a serviço da humanidade está destinado a se desprender, porque hoje toda a humanidade é eliminável […]. O que importa acima de tudo é a nossa inferioridade diante das máquinas que criamos”. (Gunther Anders, L’uomo è antiquato. Turim: Bollati Boringhieri, 2007, vol. 1, p. 57.)
Epifania (ἐπιϕάνεια, manifestação), utilizada no sentido religioso pelos gregos para indicar a ação de uma divindade que manifesta sua presença por meio de um sinal (visão, sonho, milagre etc.).
Hoje, no dia em que um estuprador comprovado confirma a sua vitória eleitoral e a sua ascensão ao trono como imperador do mundo ocidental, a vergonha é o sentimento que prevalece em mim. Envergonho-me de ter presenciado e continuar presenciando um genocídio que está ocorrendo diante de nossos olhos há um ano.
Não conseguimos e não podemos fazer nada para impedi-lo ou atenuá-lo. Podemos nos manifestar nas ruas com bandeiras inúteis, podemos enviar dinheiro para Médicos Sem Fronteiras, mas somos impotentes em deter o extermínio, que logo aprenderemos a considerar como a pura normalidade. Esta impotência marca as nossas vidas como um estigma de infâmia.
Tenho vergonha de ter um sentimento de (horrível) alegria quando ouço a notícia de que um comando de militantes palestinos matou três colonos israelenses. Todos nós nos tornamos menos humanos desde que testemunhamos o horror de um povo assassino que se dedica ao extermínio com alegria fanática. Tenho vergonha de me render diante da epifania: a ferocidade tomou o lugar da civilidade.
Na Ucrânia, somente a pena de Shakespeare seria capaz de relatar a história da tragédia do povo ucraniano. Os enganos, as ameaças, os horrores, as florestas animadas e os povos em chamas, e o rei cômico que vagueia pelos vapores da batalha gritando meu reino por um cavalo, porque compreendeu que seus aliados estão dispostos a traí-lo, após usá-lo.
O pavio estava aceso desde 2014. Ainda não se sabe todos os detalhes. No início de 2022, em uma entrevista na televisão, Hillary Clinton prometeu a Moscou um novo Afeganistão. Talvez tivesse se esquecido que o Afeganistão não é um tema doloroso só para os russos. Talvez tivesse se esquecido que alguns meses antes, em agosto de 2021, os estadunidenses tinham abandonado Cabul submersos no pânico e no caos, com seus aviões assediados por multidões desesperadas.
Contudo, Zelenskyy e seus comparsas também devem ter subestimado o fato de que os estadunidenses não são aliados confiáveis, quando consideramos como traíram as mulheres afegãs após agredi-las com uma guerra devastadora para salvá-las dos talibãs, que agora estão novamente no poder. No entanto, Zelenskyy confiou neles e enfrentou brutalmente os fascistas russos, que quando se trata de brutalidade, não conhecem rival.
Durante os primeiros meses de 2022, todas as trombetas começaram a soar e a tragédia ucraniana começou. Mas a tragédia europeia que está sendo gerada não é de forma alguma menor. Nem mesmo a pena de Shakespeare seria capaz de contar a história desta tragédia europeia: a armadilha preparada por Biden era dirigida implacavelmente à Alemanha.
O objetivo de Biden era óbvio: romper o vínculo econômico entre a Alemanha e a Rússia, acabar com a dependência energética da Europa em relação ao oleoduto russo-alemão. E, sobretudo, enfraquecer a Rússia. O resultado é que a Alemanha está imersa em uma recessão da qual não se vê saída e em uma crise política que provavelmente será resolvida com a vitória da direita democrata-cristã e o fortalecimento dos nazistas da Alternative für Deutscland (AfD).
Na Áustria, os nazistas do Partido da Liberdade da Áustria (Freiheitliche Partei Österreichs), partido da pátria social (Die Soziale Heimatpartei), já estão se estabelecendo no governo. Na Alemanha, as eleições de fevereiro serão as que enterrarão a democracia liberal, se é que essa expressão significa alguma coisa. Na Macronia reina o caos, depois que o presidente convocou o povo para eleições só para negar o governo ao partido vencedor, tudo isto à custa de abrir as portas para os lepenistas.
Agora, a Europa deve decidir entre a perspectiva de trair os ucranianos para se alinhar ao governo Trump ou avançar para a guerra com a Rússia (6.000 ogivas nucleares) sem o apoio do imperador de Mar-a-Lago. Lembro-me do discurso de Zelenskyy à assembleia do Parlamento Europeu, em 1º de março de 2022, poucos dias após a invasão. Naquele momento, Zelenskyy, herói do Ocidente, sem saber que era o bode expiatório previsto, proferiu as palavras fatídicas: “Veremos se a Europa está disposta a morrer pela Ucrânia, como a Ucrânia está disposta a morrer pela Europa”.
Devemos morrer pela Ucrânia? Parece que sim, já que se decidiu ampliar o orçamento militar para fazer da Europa, que nasceu como uma promessa de paz, uma potência de guerra. Alguns municípios italianos (talvez todos) estão organizando um censo de jovens que podem ser chamados às armas. O serviço militar obrigatório foi abolido há vinte anos, mas agora a guerra bate às portas da cidadela.
Para enfraquecer a Rússia era necessário lançar na fornalha o povo ucraniano, que em 2014 tinha uma população de 45 milhões de habitantes e que hoje foi reduzida a 37 milhões. Desde o início da invasão, 6,7 milhões de pessoas fugiram do país, ao passo que a taxa de reprodução caiu abaixo de um filho por mulher. Quem desejará trazer uma criança inocente ao mundo em um país assolado pelo nacional-fascismo putinista, a loucura de seus líderes nazistas e o cinismo de seus aliados estadunidenses?
Biden e Hillary tinham razão. O extermínio dos ucranianos é o seu maior êxito estratégico, porque colocou a Europa de joelhos e nunca se recuperará desse desastre.
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Epifania: a tragédia palestina, ucraniana e europeia. Artigo de Franco Berardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU