06 Dezembro 2024
“Devemos nos preparar para o precipício, parece que não há como evitá-lo. Preparar-se sozinho não serve para nada. A revolta social nos fará ficar menos sós”, escreve Franco Berardi, filósofo, escritor e ativista italiano, em artigo publicado por Diario Red, 03-12-2024. A tradução é do Cepat.
É preciso encarar o inevitável sem esquecer que o inevitável muitas vezes não acontece, porque deve abrir espaço para o imprevisível.
Não desertei da greve geral convocada pela CGIL [Confederação Geral Italiana do Trabalho] e a UIL [União Italiana do Trabalho], em 29 de novembro, na Itália, nem desertei da Piazza Maggiore de Bolonha, onde compareci para ouvir o discurso de Maurizio Landini, secretário-geral da primeira destas centrais sindicais, além das vozes da multidão. Sabia que a greve é convocada porque os salários caem, a saúde pública está em um estado de completo abandono e os trabalhadores e trabalhadoras pagam as suas dívidas, enquanto ninguém toca nos superlucros dos bancos. Alguns pontos de seu discurso me impressionaram.
Impactou-me quando disse que se o Decreto Sicurezza for aprovado, a normativa promovida por Salvini e o governo de Giorgia Meloni que endurece a legislação migratória e a normativa de ordem pública, muitos dos trabalhadores ameaçados de demissão que ocupam fábricas ou que bloqueiam as estradas para defender seus empregos poderão ser presos. Surpreendeu-me a autocrítica. Erramos, disse Landini, ao não nos opor com todas as nossas forças à reforma da aposentadoria promovida por Elsa Fornero, ministra do Trabalho e Políticas Sociais do governo de Mario Monti (2011-2013). Contudo, o que realmente estava dizendo era que o sindicato e toda a esquerda não fizeram muita coisa para deter a ofensiva patronal, que hoje culmina no fascioliberalismo.
Chamou-me especialmente a atenção quando disse que a guerra muda as coisas. Referia-se ao fato de que a guerra na Ucrânia já mudou as condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras italianos (e europeus). Tomo a liberdade de interpretar as suas palavras: a guerra está afetando diretamente a Europa, temos de nos preparar para o que acontecerá no futuro próximo. Para mim, o melhor lugar para analisar as perspectivas de ação possíveis sempre foram as praças, quando estão lotadas de gente falando, trocando frases rápidas e agitando cartazes.
Hoje, também me senti bem em ir à Piazza Maggiore, porque percebi (ao menos foi assim que senti) que o meu discurso sobre a deserção é impecável, mas deve levar em conta os acontecimentos: devemos lembrar que o nosso dever intelectual é olhar na cara do inevitável sem esquecer que o inevitável muitas vezes não acontece porque deve abrir espaço para o imprevisível.
Para qual imprevisibilidade devemos nos preparar? Não podemos pensar o imprevisível pela simples razão de que é imprevisível. No entanto, temos de farejar o ar para compreender quais montanhas estão prestes a ruir, quais avalanches estão prestes a nos engolir, e imaginar que novos horizontes surgirão após as ruínas e as avalanches.
Então, observemos. Uma montanha que está prestes a ruir é a União Europeia, arrastada para uma guerra entre o fascismo russo e o nazismo ucraniano de seus aliados estadunidenses, que agora fogem, como fizeram várias vezes nas últimas décadas. A Rússia de Putin ganhou quase tudo nesta guerra: a economia russa cresceu 3,6%, ao passo que as economias europeias beiram o zero. Quantos mortos isto custou à Rússia? Não importa muito para Putin. O exército russo avança no Donbass, enquanto a tragédia do povo ucraniano se agrava, impelido pelo Partido Democrata estadunidense a travar esta guerra por delegação e abandonado agora pelo Partido Republicano.
Antes de sair da Casa Branca, um dos piores criminosos da história tenta deixar as coisas difíceis para o seu sucessor. Faz isto empurrando o pobre Zelensky ao último sacrifício: ordena-lhe que recrute jovens de 18 anos, enquanto as deserções se multiplicam, o frio avança nas cidades sem calefação e o desespero se espalha implacavelmente.
O principal propósito desta guerra, para Biden e os seus cúmplices, era destruir a relação entre a Rússia e a Alemanha; o segundo, fragilizar a União Europeia; o terceiro (improvável, e todo mundo sabia disso) era derrotar Putin. No entanto, agora, Putin não só está vencendo a guerra contra os estadunidenses na Ucrânia, como também está vencendo eleição após eleição em todos os países europeus.
No próximo dia 16 de dezembro, Scholz testa a sua confiança no Bundestag. Enquanto isso, dá ordens para transferir uma bateria Patriot à Polônia para proteger os suprimentos militares da Ucrânia. Mais um passo em direção ao confronto direto, enquanto na Alemanha crescem Alternative für Deutschland (AfD) e o novo partido de Sarah Wagenknecht (BSW), que não querem mais enviar armas para a Ucrânia.
A França, por sua vez, dirige-se para o colapso. O pano de fundo é a crise social, a onda de demissões e a fragilidade financeira, enquanto no proscênio veremos esta semana se os lepenistas do Rassemblement National decidem dar a estocada final no traiçoeiro Macron, retirando o seu apoio ao governo de Barnier. Podemos imaginar que Marine Le Pen queira acelerar a segunda volta das eleições presidenciais, antes de ser declarada inelegível devido ao desvio cometido pelo seu partido?
Os desertores e desertoras não estão surdos (só um pouco) e podem ouvir o som do trovão que parece vir das profundezas da Europa. É o momento da revolta social, diziam os cartazes e os coletes de milhares de trabalhadores esta manhã, na Piazza Maggiore de Bolonha. Eu diria que sempre é o momento da revolta social, mas se é Landini que está dizendo, então, a coisa está ficando séria.
Venceremos esta batalha? Pergunta estúpida. A pergunta inteligente é outra: servirá esta batalha para fortalecer a solidariedade social e a inteligência coletiva, enquanto nos preparamos para o prolongamento de uma guerra cujos limites desconhecemos? Devemos nos preparar para o precipício, parece que não há como evitá-lo. Preparar-se sozinho não serve para nada. A revolta social nos fará ficar menos sós.
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É o momento da revolta social. Artigo de Franco Berardi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU