22 Julho 2024
No atual estado de coisas, não levará muito tempo para que a nossa Giorgia Meloni volte a ser totalmente trumpiana, como nos velhos tempos. A promessa lançada por Trump em Milwaukee, "faremos a maior deportação de nossa história", soa ameaçadora para nós que se lembramos o significado novecentista da palavra "deportação", mas não perturbará alguém como ela, que, para vencer uma eleição, bradava pelo "bloqueio naval" e que, como presidente do Ecr, hospeda em suas fileiras os pregadores da "remigração em massa".
A reportagem é de Gad Lerner, publicada por Il Fatto Quotidiano, 21-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Salvini e Vannacci se esforçam na exibição de suas “fascistarias” oportunistas, mas Fratelli d'Italia tem um armário cheio delas quando o problema passa a ser não ser ultrapassado pela direita. Nós estamos quase acostumados com isso. No exterior, por outro lado, percebem que a Itália é governada por uma direita nada benévola. Fraca em suas capacidades bélicas, mas disposta a usar o abuso em casa contra os mais fracos entre seus cidadãos, sejam para serem explorados, privados de serviços públicos, colocados em competição entre si e com os estrangeiros.
Portanto, se Meloni achou por bem manter as mãos livres, negando apoio à amiga von der Leyen, certamente não foi por medo da nossa própria Liga. A ideologia à qual se reporta, e que adora chamar de "coerência" (embora a difícil rotina de seu governo a desmente dia após dia), tem como fundamento o primado da nação sobre qualquer órgão supranacional, inclusive a União Europeia.
Tendo falhado no objetivo de conduzir os partidos nacionalistas a serem indispensáveis para a liderança da Comissão de Bruxelas - porque, se a democracia não é uma opinião, as direitas soberanistas não dispõem nem da metade dos assentos de seus opositores - Meloni agora aposta no iminente desmonte da Europa comunitária. Esse não é um cenário irrealista, em tempos de guerra. Ela vê a intrínseca litigiosidade da coalizão que confirmou a presidência de Ursula. Apressa-se a voltar para o carro do vencedor anunciado nos EUA, sabendo que Trump dará com todo prazer mais um empurrão na desunião dos parceiros europeus. Não terá escrúpulos de atendê-lo no desengajamento no front ucraniano, deixando os assustadíssimos países bálticos e os poloneses sozinhos a lidar com Putin. Apoiará o novo rumo da Casa Branca, preanunciado em termos claros por Vance, também em relação à questão palestina: dar liberdade a Netanyahu, armando-o e apoiando-o até "terminar o seu trabalho". Uma expressão de um cinismo assombroso, tratando-se de com uma carnificina que horroriza o mundo, mas totalmente em sintonia com a missão daqueles que – a fim de tornar "grande novamente" a sua nação - estão prontos a deportar estrangeiros, restringir as importações com impostos, anular os vínculos da transição ecológica.
Quando listamos as previsões que Giorgia Meloni pode ter feito sobre os anos que virão, ficará claro como devem ter sido pouco atraentes para ela os convites para se normalizar, votando em von der Leyen, oferecidos por opinionistas complacentes, mestres do espírito de adaptação transformista à italiana, que já a descreviam como campeã de uma nova direita pró-europeia responsável. Eles recorreram a tudo para afirmar que Meloni era algo diferente de Marine Le Pen e Viktor Orbán, contentando-se em vê-la se amoldar em um perfil de atlantismo obsequioso. Afinal, eles também (Federico Rampini na frente) já estão começando a nos empurrar goela abaixo a garantia de que, no final das contas, Trump não seria tão ruim. Também os veremos, assim como Giorgia Meloni, justificar a próxima reviravolta sobre a conduta a ser adotada com Putin.
Nesse meio tempo, entretanto, uma direitista como Giorgia não podia ficar na retaguarda do que ela continua a acreditar que poderia ser a próxima temporada dos soberanistas no poder. Por mais que as eleições europeias não tenham dado o tão esperado impulso, e por mais que a "desistência" francesa tenha funcionado como modelo também em Bruxelas para conter sua ascensão, Meloni sente a chegada de um novo vento: a esperada vitória do Fpo na Áustria nas eleições de 29 de setembro, que antecederão o fatídico 5 de novembro que deveria levar Trump de volta à Casa Branca. Para depois esperar que a crise política francesa encontre seu epílogo na ascensão de Le Pen ao Eliseu.
Vocês imaginam que, em semelhante contexto de ataque das direitas nacionalistas, justamente a nossa primeira-ministra iria romper a parceria com Orbán? Entrem na fila: Trump, Le Pen, Orbán, Netanyahu, Erdogan... e poderia continuar com os nacionalistas no auge do norte ao centro da Europa. Boa sorte se vocês estiverem convencidos de que gente desse tipo tenha condições de trazer de volta a paz ao mundo. São exatamente eles, especializados em deflagrar conflitos dilacerantes nas suas próprias sociedades. A única boa notícia é que eles continuam sendo minorias, ainda que aguerridas. E ainda não venceram, nem mesmo nos EUA.
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Meloni, Trump e Orbán: não há paz na direita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU