17 Janeiro 2025
“O mundo mudou, os Estados Unidos não dominam mais o hemisfério ocidental e do outro lado do Pacífico está uma potência que segue buscando fazer mais negócios com a região”, escreve Ander Sierra, jornalista especializado em política internacional, em artigo publicado por Diario Red, 15-01-2025. A tradução é do Cepat.
A guerra tarifária promete ser um dos episódios de maior destaque na competição entre os Estados Unidos e a China, assim que Donald Trump retornar à Casa Branca, no próximo dia 20 de janeiro. Antes mesmo desta data, o líder republicano já deu pistas sobre como será o seu segundo mandato em relação à potência asiática.
Durante a campanha eleitoral, Trump afirmou que o seu governo estabeleceria uma tarifa geral de 60% para os produtos procedentes da China. Para dimensionar o impacto, esta medida taxaria mais de 425 bilhões de dólares em bens importados, se levarmos em conta os dados anuais de 2023. Embora esta porcentagem provavelmente seja menor, dado o choque que provocaria na economia mundial, a ameaça reflete até que ponto o futuro presidente republicano pode chegar para atingir seus três objetivos prioritários: conter o poder da China, promover – ainda que forçadamente – a relocalização da indústria para território estadunidense e manter a primazia global dos Estados Unidos.
Para este propósito, o líder republicano poderá contar com uma ferramenta coercitiva adicional. Mauricio Claver-Carone, que será o novo enviado especial para a América Latina do governo Trump, propôs que Washington aplique tarifas de 60% a “qualquer produto que passe por [um] porto de propriedade ou controle chinês na região” e que tenha os Estados Unidos como destino final.
Este comentário não é trivial, nem casual. Poucos dias antes, o presidente da China, Xi Jinping, viajou a Lima para se encontrar com Dina Boluarte e participar da cerimônia de inauguração do porto de águas profundas de Chancay, uma infraestrutura de 3,5 bilhões de dólares construída e parcialmente operada pela empresa estatal COSCO Shipping Ports. Na perspectiva de Claver-Carone, qualquer mercadoria que saia deste ponto do Pacífico com direção aos Estados Unidos, independentemente do país de origem, deveria ser taxada. Esta medida também se aplicaria a outros portos de natureza semelhante na América Latina e no Caribe, como o de Lázaro Cárdenas, no México, Balboa, no Panamá, e Paranaguá, no Brasil.
“Você pode chamar isto [a estratégia estadunidense] de Doutrina Monroe 2.0”, comentava Mike Waltz, assessor de Segurança Nacional escolhido por Trump, durante uma entrevista para o canal Fox News. Mais uma vez, por trás da grandiloquência das declarações das figuras mais proeminentes do governo republicano se esconde algo muito mais profundo.
Os Estados Unidos entraram em uma espécie de ansiedade hegemônica em consequência da perda progressiva do seu poder e buscam amarrar todos os países que Washington considera que fazem parte do seu “quintal” e, inclusive, em alguns casos, ameaçar controlar – por meios militares se necessário – vários pontos estratégicos como o Canal do Panamá e a Groenlândia.
A potência norte-americana desfrutou de um poder quase absoluto nas últimas sete décadas, posição que lhe permitiu consolidar uma estratégia intervencionista global para proteger a narrativa da “ordem baseada em regras” e seus interesses estratégicos. Não obstante, este período terminou, o mundo mudou e, com ele, todo o sistema internacional. E um exemplo que reflete esta tendência é a América Latina.
Outrora alvo prioritário da famosa Doutrina Monroe, esta região se aproximou significativamente da China nos últimos anos, em grande parte devido à posição passiva, condescendente e indiferente mantida pelos Estados Unidos. Em seu primeiro mandato, assim como presumivelmente será em seu segundo, Trump tratou a região como um mero foco de imigração “indesejada” e um bode expiatório para o problema da criminalidade enfrentado pelos Estados Unidos e que o trumpismo atrela aos fluxos migratórios.
É significativo que as primeiras declarações mais midiáticas sobre a região tenham ido nessa direção. Sobre o México, Trump afirmou que declararia os cartéis como “organizações terroristas” e vários membros de sua equipe defendem a realização de uma intervenção militar. Em relação ao Panamá, os republicanos não escondem sua ambição de retomar o controle do estratégico Canal do Panamá. E a presidenta de Honduras, Xiomara Castro, alertou que poderia revogar a presença militar estadunidense na base de Comayagua pela “atitude hostil de deportações em massa” de milhares de hondurenhos.
As coisas não foram muito melhores com o presidente democrata Joe Biden, que ignorou a região para concentrar seus esforços na guerra na Ucrânia e no Oriente Médio. Por exemplo, a Aliança das Américas para a Prosperidade Econômica, criada em 2022, não produziu os resultados esperados e não atingiu um dos objetivos que os países latino-americanos buscam: “abordar a desigualdade econômica e promover a integração econômica regional”. E isto trouxe consequências que a China soube aproveitar.
Um bom ponto de partida para entender essa dinâmica é analisar os vínculos comerciais: o comércio bilateral entre a China e a América Latina aumentou de 18 bilhões de dólares, em 2002, para 450 bilhões de dólares, 20 anos depois. Além disso, segundo várias estimativas, esse valor ultrapassará os 700 bilhões de dólares até 2035.
A tendência ascendente dá lugar a um fortalecimento dos laços políticos, situação que permitiu a Pequim aumentar seus projetos na região. Atualmente, 22 dos 26 países latino-americanos fazem parte da Iniciativa do Cinturão e Rota, que conta com inúmeros projetos de infraestrutura, incluindo dezenas de portos e terminais operados ou construídos por empresas chinesas, algo que supõe um sinal de alarme na Casa Branca.
Nesse contexto, tudo indica que a terapia de choque que os Estados Unidos querem realizar será contra a China, mas também contra aqueles países latino-americanos que Washington considerar muito alinhados comercial ou politicamente com Pequim. Nesse sentido, o governo republicano ameaçará aberta e coercivamente esses países – com tarifas, sanções ou pressão diplomática – para forçá-los a mudar suas regras comerciais e se distanciar da potência asiática. Além disso, esta política faz parte dos objetivos que Trump quer alcançar: uma economia mais liberalizada internamente, mas protecionista externamente.
Como declarou Marco Rubio, o novo secretário de Estado e um dos maiores falcões da política externa, os Estados Unidos “não podem se dar ao luxo de que o Partido Comunista da China expanda a sua influência e absorva a América Latina e o Caribe em seu bloco político-econômico privado”. Não obstante, a estratégia de Washington pode ser contraproducente, já que os países latino-americanos – com exceção, talvez, da Argentina, governada pelo anarcocapitalista Javier Milei – podem buscar uma alternativa mais amistosa à política intervencionista estadunidense. O mundo mudou, os Estados Unidos não dominam mais o hemisfério ocidental e do outro lado do Pacífico está uma potência que segue buscando fazer mais negócios com a região.